Talvez mais do que olhada, Vila Isabel
é para ser escutada. Basta apurar os ouvidos da alma, afinando a
sensibilidade, e fazer do corpo unido ao espírito um receptor de beleza.
Pronto. De repente, bordões se fazem ouvir na noite calma; violões
derramam sonoridades pelas ruas tranqüilas; melodias invadem as vilas
antigas, de casas geminadas, onde ainda se põem cadeiras do lado de
fora, como se fazia em todo o Rio antigamente.
Nesses momentos de pura magia, é possível
ouvir música brasileira pura, profunda e bela em sua aparente singeleza.
Pode-se ver com os olhos do espírito o bar, o garçom, a mesa pequena e
redonda, com tampo de mármore e pés de ferro formando desenhos
rebuscados.
O som vai ficando mais próximo,
reverberando dentro do peito. Entre cordas dedilhadas de pinhos
plangentes, pede-se outra cerveja - mais uma que é posta, geladinha,
sobre a mesa entre tantas garrafas já esvaziadas com prazer.
De repente, uma voz um tanto fina porém
sentimentalíssima se destaca: é ele mesmo, Noel, que encadeia versos da
mais linda poesia envoltos em harmonias sedutoras e formando melodias
geniais.
Vila Isabel pára e ouve. Vila Isabel é
a própria alma musical do Rio. Pelas calçadas do Boulevard, o coração
passeia embalado pelos sons; dores de amor magoado se misturam com a
irreverência bem carioca ante as desgraças da vida. A Escola de Samba
Vila Isabel é uma universidade, nesse mundo cultural do verdadeiro
samba, que se mostra tanto no sorriso branquinho contra a pele negra do
velho sambista, com pés ainda muito ágeis para a cadência, quanto no
requebrado ondulante e sensual das mulatas-meninas, garantindo o futuro
radioso da malemolência.
Indo até a praça, lembramos o Barão
de Drummond, esse nobre meio louco e muito criativo que inventou o mais
brasileiro dos jogos: o jogo do bicho. O lugar do antigo zoológico ainda
está lá, como a testemunhar um tempo em que a fezinha inocente fazia
parte da rotina de quase todas as famílias.
Teodoro da Silva, Souza Franco, Felipe
Camarão, Jorge Rudge, Pereira Nunes, nomes de gente há muito ida e
vivida, imortalizada em muitas ruas da Vila. Ruas que parecem afluentes a
trazer para a 28 de Setembro um cotidiano gostoso e singular vivenciado
pelos filhos do bairro e por outros vila isabelenses que adotaram o
bairro com paixão eterna.
Com atenção e os ouvidos da alma sensível,
ainda é possível escutar o ruído do velho bonde cruzando as ruas do
bairro querido.
A velha Vila se moderniza e aceita o
sacrifício de ceder terrenos e derrubar casas antigas para construir
shoppings, onde jovens moradores passeiam e compram coisas modernas, mas
carregando no coração a centelha poética da Vila Isabel de sempre. E
mesmo aí a força milagrosa da poesia se impõe, quando a gente lembra
que num dos lugares onde hoje se compra, ontem eram emitidos os três
apitos da fábrica de tecidos...
![](imagem/fotos/noel.jpg)
No bar da imaginação, alguém ainda
pede ao garçom que traga, por favor, uma boa média que não seja
requentada, um pão bem quente com manteiga à beça... Isso tudo
enquanto fala num antigo telefone negro cujo número é 34-4333.
Na pracinha que hoje leva seu imortal
nome, Noel em estátua ganha vida, lança no copo sua cerveja, enquanto
reafirma, do fundo do mais carioca dos corações, que a Vila não quer
abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também.
Enquanto houver amor, poesia, sambas
dolentes, paixões magoadas e bares onde afogar essas mágoas, haverá o
feitiço da Vila.
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