Madureira repinica de vida como bate um coração no samba.
Menino, eu chegava a Madureira de bonde, e sempre me encantava com esse bairro pleno de vida: olhando de cima, do velho viaduto, observava as ruas fervilhantes de gente, o que sempre deu ao bairro lugar de destaque como um dos melhores no comércio do Rio. Todo mundo dizia, tendo certeza: "Para comprar, vá a Madureira. Lá tem tudo. E é mais barato".
Mas não somente por isso Madureira sempre foi singular, diferente. Culturalmente, o bairro também marcou presença. Basta lembrar que o teatro, quando resolveu abandonar um falso elitismo Zona Sul, foi parar em Madureira, corajosa e pioneiramente. A responsável foi a grande estrela Zaquia Jorge, artista sensível, que percebeu que a verdadeira arte atravessa, necessariamente, as fronteiras de classe; repudia rótulos e rechaça "donos"; desde que oferecida com dedicação e qualidade, ultrapassa intelectos e penetra diretamente nos corações.
Zaquia viu isso e levou a arte a Madureira. E Madureira correspondeu, recebendo seu teatro de braços abertos. Com isso, mostrou-se um bairro especialíssimo, capaz de situar-se na fronteira entre o popular e o erudito, entre o "chique" e o popular e aparentemente simples e modesto.
A estrela Zaquia, oculta por detrás de seu corpo escultural de vedete, mostrou a arte temerária, que defronta preconceitos: nos anos 50, era preciso muita coragem para expor-se em biquinis – sumários para a época, situação hoje risível – mantendo sua dignidade de mulher. Coragem de quem ousou até ser empresária, dona de seu próprio Teatro de Revista, ignorando dificuldades e "machões".
A grande vedete só não conseguiu vencer o mar encapelado da Barra da Tijuca, numa segunda-feira fatídica, em abril de 1957…
Foi-se a estrela, imortalizada em vários sucessos de carnaval e num antológico samba-enredo da Escola de Samba Império Serrano, em 1975. E Madureira chorou. Coisa do grande coração que tem Madureira.
Madureira é assim. Amor, atividade intensa, vida vivida com orgulho suburbano, lugar de morada da altiva nobreza popular.
Madureira é samba, claro. A Serrinha paira altaneira sobre o bairro, dando o tom e completando o compasso. Num ritmo frenético, Madureira moderniza-se sem perder sua singular carioquice.
Muito lembrada no Carnaval, essa verdadeira cidade-bairro é o orgulho de quem mora por lá. Madureira continua, cada vez mais, tendo tudo: bom comércio, bons colégios e faculdades; clubes de primeira; shoppings – os novos templos do consumo – e ruas com casas antigas, de onde ainda se pode lançar um olhar nostálgico e imaginar o velho bonde rangendo nos trilhos que cruzavam as ruas do bairro.
Quando o sol se põe e o trem suburbano chega trazendo de volta do trabalho o povo operoso e digno de Madureira, o bairro magicamente transforma gente comum em artistas da grande passarela da vida.
Madureira: orgulho de um Rio cheio de beleza, ritmo, som e amizade.
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