Ningu�m passa impunemente pelo bairro da Gl�ria.
Alguma for�a, a um tempo suave e poderosa, imanta aquelas ruas, as casas antigas, os pr�dios novos, o cal�amento de paralelep�pedos, que � resqu�cio do ontem e irrompe no asfalto de hoje.
Cruzando o bairro da Gl�ria, entramos em outro mundo, por�m mantendo-nos neste, que nos obriga a correr, suar, lutar, na az�fama do cotidiano.
Basta olhar aquele famoso rel�gio para sermos contaminados pela magia de um tempo passado em que a Gl�ria pontificava em eleg�ncia; em que carruagens lentas conduziam aristocratas lan�ando um olhar blas� em dire��o a passantes humildes e perplexos diante de tanta ostenta��o; e, depois, bem depois, quando as Grandes Sociedades carnavalescas desfilavam pelo bairro sustentando batalhas cordiais de confete e serpentina, que se entranhavam no cabelo de donzelas travestidas de melindrosas - pingentes coloridos da alegria -, como se entranhou na saudade dos velhos foli�es o refr�o imortalizado na letra de um chorinho: "Na Gl�ria!".
Quer ver um Rio lindo, caro leitor? V� � Gl�ria e suba ao adro da igrejinha. Olhar l� de cima � ver um mar ainda contendo no seu seio espumoso a nostalgia dos tempos em que marolas suaves chegavam at� abaixo do rel�gio, transformando-se em testemunhas de amores pudicos, quando as ousadias chegavam no m�ximo... ao passeio de m�os dadas.
Olhamos do alto e podemos ver um casario hoje maltratado pelo tempo, um n�o acabar mais de telhados, com sua cor ocre enegrecida pelo passar dos anos, nos quais, aqui e ali, a sementinha deixada cair por algum p�ssaro com cora��o de poeta, brota e se torna uma plantinha alimentada pelo musgo de um verde austero, escuro, profundo. Mas, em contrastes abusados, florezinhas amarelas irrompem entre essas telhas v�s. T�o v�s quanto a maioria das esperan�as...
Gl�ria da Taberna... Quanta m�goa afogada em chope! Quanta desilus�o curtida em porres hom�ricos! Taberna que sempre foi o prot�tipo de todas as tabernas do mundo: o�sis no c�ustico deserto de la�os desfeitos, bra�os sem abra�os; parada obrigat�ria dos que trilham os descaminhos dos amores n�o correspondidos, ou de outros, plenos enquanto duraram e depois incinerados no fogo da paix�o.

Gl�ria do famoso hotel, fausto do passado, sala de visitas sofisticad�ssima em que a cidade recebia h�spedes ilustres e turistas abonados. Nas salas espelhadas, fantasmas vaidosos talvez ainda passeiem seu narcisismo, abrindo e fechando portas com ma�anetas douradas.
Passando pelo Aterro, no tr�nsito enlouquecedor, motoristas t�m, de um lado, a vis�o paradis�aca do P�o de A��car, eterno cart�o postal; de outro, v�em, daqui de baixo, a igrejinha de um branco t�o imaculado como as almas lavadas de todos os pecados. Nela, Nossa Senhora da Gl�ria vela por todos.
Na pracinha da Gl�ria, S�o Sebasti�o, amado santo patrono crivado de flechas, parece atrair para si todas as dores, todos os sofrimentos de nossa mui leal e her�ica cidade.
E, ainda que ateus sejamos, o esp�rito parece elevar-se em prece pela vida, pela cidade, por um Rio t�o lindo.
Como bons cariocas, a irrever�ncia circulando no sangue nos tira da contri��o para o inevit�vel gracejo do jogo de palavras:
- Gl�ria � Gl�ria, para sempre!

Fotos da cidade do Rio de Janeiro
Rio Antigo
J. Carino � professor universit�rio
|