Que bairro é esse, que, mesmo vizinho de tantos famosos como a aristocrática Laranjeiras, o monumental Aterro do Flamengo, a bucólica Santa Teresa e a charmosa Glória, consegue ter brilho próprio? Como definir esse pedacinho de terra com umas poucas ruas que, mesmo espremido entre tantos ícones da paisagem urbana carioca, preserva sua identidade intacta? Que espécie de magia há nesse lugar, dividido entre o frenesi comercial do Centro da cidade e a vocação turística da Zona Sul? Afinal, o que é o Catete?

O Catete é o espírito urbano presente no andar apressado de quem sai pela manhã para o trabalho, semblantes contidos enfiados em ternos e gravatas. É a alegre algazarra dos estudantes do Colégio Zaccaria, referência do ensino médio na cidade. É o sorriso simpático da florista da rua Andrade Pertence, uma senhorinha miúda, portuguesa de olhinhos apertados, exibindo feliz suas flores expostas na calçada.

O Catete é a expressão musical do jazz que emana das lojas de discos usados, convidando a entrar os amantes da boa música. É o batuque da roda de samba em frente ao comércio popular a misturar-se com o sincopado do tango da academia de danças que funciona em um de seus antigos sobrados. É a seresta das noites de sexta-feira no adro do Museu da República, cantando sucessos inesquecíveis de Orlando Silva e do Chico Viola.

O Catete é o burburinho febril das escadarias do metrô, engolindo e regurgitando gente quase que sem parar. É o trânsito intenso em suas ruas, com as várias linhas de ônibus que circulam pelo bairro aumentando em alguns decibéis o já elevado nível de ruído da região. É a silenciosa majestade de cada árvore centenária dos jardins do Palácio, pequeno bosque de tranqüilidade interiorana incrustado em meio ao caos urbano, local preferido pelas senhoras em suas caminhadas matinais e pelas jovens mães que empurram, solenes, seus carrinhos de bebê.

O Catete é o discreto requinte do ajantarado das tardes de sábado no bistrô do Palácio, antes da sessão de cinema no Estação Museu da República. É o chope gelado acompanhado das generosas porções de petiscos do bar Carlitos, com seus barris de chope espalhados pela calçada e improvisados em mesinhas. É o churrasquinho de gato nas carrocinhas dos ambulantes que fazem ponto na esquina da rua Silveira Martins, parada obrigatória para quem chega do trabalho à noitinha.

O Catete é o testemunho vivo da memória nacional nas exposições permanentes do Museu do Palácio, cenário do suicídio de Getúlio Vargas, tragédia maior da história recente do Brasil. É a cultura libertária dos seus sebos literários, com seus freqüentadores vasculhando as prateleiras, quase sempre as mesmas pessoas, quase nunca compram nada. É a efervescência de seu comércio de rua, onde lojas disputam fregueses com os camelôs em suas calçadas estreitas.

Enfim, tudo isso é o Catete, o bairro que escolhi para viver e que me adotou como filho legítimo. Um raro exemplar do microcosmo urbano, de interessantíssima diversidade social, com tudo que uma cidade grande e cosmopolita como o Rio de Janeiro pode oferecer aos seus habitantes em todos os aspectos. Despertando um misto de orgulho e nostalgia em todos os seus moradores, o Catete é, com justiça, uma das mais perfeitas manifestações deste espírito gregário e alegre que nós, orgulhosamente, chamamos de ALMA CARIOCA. 

Jorge Lasperg é Analista de Sistemas e morador do Catete