Ja-ca-re-pa-guá. O som desse nome associa-se, em minha mente saudosa, ao matraquear das rodas do bonde que me conduzia, menino, à casa distante de parentes. Enquanto um vento gostoso me agitava os cabelos, eu via passar as hortas plantadas debaixo das imensas torres da antiga Light. Portugueses - iguais aos dos meus parentescos avoengos - estavam por ali: casais que cuidavam das verduras e homens gordinhos vestidos de azul, o motorneiro e o cobrador, este ágil, saltitante nos estribos.
Um cheirinho de mato, trazido pelo ar límpido da manhã, me entrava pelas narinas e eu via desfilar as casas simples em ruas tranqüilas. Iam passando locais de nomes belos e sonoros, como os dos Largos: Freguesia, Tanque, Taquara... Um lugar chamado Anil me lembrava o céu azul visto numa gravura em meu livro de curso primário.
Saibam que Jacarepaguá fez muito pela arte: seu clima ideal operou milagres, salvando da tuberculose inúmeros escritores, poetas e pintores desenganados pela medicina. Mas, também, em seus sanatórios muitos artistas viram finar sua vida com a criatividade confundida com loucura.
A natureza e a liberdade - muito verde e a amplidão - sempre se mostraram em Jacarepaguá. Chácaras antigas, imensas, foram cedendo suas terras, aos poucos retalhadas em nome da urbanização. Era lá, talvez, que ficava o maior paraíso de quintais. Neles, a delícia celestial das frutas.
Foto de J.Carino
Lembro-me muito das jaqueiras, árvores imensas, de troncos fortes e galhos compridos que ofertavam a generosidade da sombra. Do chão coalhado de folhas, caídas no capim úmido até receber a visita do sol, era olhar para cima, usar a intuição quase infalível das crianças e escolher a jaca ambicionada. Depois, com a invejável destreza da meninice, encarapitar-se lá em cima e futucar a fruta mais madura até que caísse, se abrisse e oferecesse à nossa gulodice a doçura daquelas delícias amarelinhas.
O Jacarepaguá de hoje é um bairro que está ali pertinho, juntando-se ao Grajaú por aqui e à Barra por lá. As casas sobrevivem dentro de condomínios bonitos, onde a classe média habita olhando os morros para onde subiram os pobres, tangidos pela necessidade.
A cidade moderna chegou a Jacarepaguá, mas não matou desse bairro lindo e amigo o espírito que saboreia as frutas e passeia nos quintais.
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