A gente não sabe quanta calma pode estar contida num fim de tarde até chegar à Praia Vermelha, um recanto especial na Urca. É chegar e deixar-se ficar, com um gostoso fazer nada inundando o corpo e a mente, jogando um olhar descomprometido na direção do mar.
Em volta, duas vidas diferentes. Dentro de prédios que intimidam nossa modéstia intelectual e nossa irreverância civil, pesquisadores e militares travam duas guerras: a do conhecimento, dos cientistas, e a guerra dos guerreiros modernos, aprumados em suas fardas mas discursando pela segurança, a favor da paz armada. Pertinho, outra vida. Nesta, o "uniforme" das camisas coloridas e as potentes "armas" que são as máquinas fotográficas e as filmadoras. Turistas mil, como crianças eufóricas, antecipam a visão paradisíaca que terão de cima, do Pão de Açúcar - programa tão óbvio quanto obrigatório para os que visitam nossa cidade.
Mas, deste cantinho, nosso olhar que descortina o mar se depara com uma singularíssima figura. Magro a não mais poder, roupa cintada, mão no queixo e olhar absorto, Chopin, encarnado em sua estátua, cisma mirando aquele ponto no infinito, entre as ondas e o céu, que atrai e sempre atrairá o olhar dos seres apaixonados, torturados e consumidos pelo fogo da criação. Nesse teatro onde entramos dóceis, conduzidos por nossa imaginação, já podemos ouvir, em meio ao marulhar das ondas, uma polonaise, ora suave, ora vibrante.
A tarde da Urca, senhora de rara beleza, se recusa a morrer, embevecida; o sol resiste muito, nesse momento comovente, antes de mergulhar no mar. Turistas maravilhados voltam, saindo do bondinho com um festival de luz, cores, imagens de inaudita beleza, impregnando seu olhar. Eles sabem que não tem jeito: foram, para sempre, contaminados pela visão do Rio de Janeiro, do paraíso tropical de que sempre ouviram falar.
Nós, cariocas, podemos ficar ali, até que Chopin vá-se embora, envolto nas brumas da noite, mas nos deixando enlevados a ouvir uma improvável porém muito real Polonaise Tropical.
Jonaedson Carino é
professor
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