Jardim eclético

Um pequeno jardim com dois tipos de flores. Explico-me.

O jardim está na Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF. As flores, temos as naturais, vegetais, em meio às árvores centenárias, felizmente preservadas. E as flores humanas, que transitam de cá para lá, na forma de moças e rapazes, exibindo o viço e a exuberância da juventude.

Na manhã de sol, sento-me no banco sob a benfazeja sombra e faço do local meu observatório privilegiado.

O movimento é grande, de alunos, professores, funcionários – todos imersos na funcionalidade do cotidiano, sem tempo para um olhar poético que faça jus à beleza do lugar.

Em meio ao jardim, dois prédios, o Casarão e o Chalet.

O casarão, construção imponente do início do século vinte, abriga a Escola, oferecendo, por dentro, espaço amplo, de muitas salas, com seu pé-direito alto, generoso para com a necessidade de grandes colunas de ar circulante, sabedoria arquitetônica que combina a esperteza portuguesa de adaptação aos trópicos calorentos com a praticidade inglesa. Tudo complementado por imensas portas e grandes janelões que, postados nos cômodos uns defronte de outros, permitem que o ar da manhã, a brisa da tarde ou o vento da noite circulem livres, refrescantes, num outro recurso esperto para a vida saudável herdado de nossos avozinhos d’além-mar.

Essa casa imensa e bem bonita foi construída em 1917, pelos ingleses, para abrigar os funcionários da Western Telegraph Company. Ah, os tempos em que o utilitarismo ainda cedia um pouco de espaço para a beleza...

No fundo do terreno, a outra construção, maravilhosa flor de romantismo arquitetônico plantada nesse jardim.



O nome já é de uma doçura e de uma elegância sem igual: chalet. Essa denominação de herança francesa soma-se, então, à visão portuguesa tropicalizada e ao pragmatismo romântico dos ingleses.

O chalet é bem mais antigo que o casarão. Foi edificado pelo português Francisco Manuel da Silva Rocha em 1888.

Nesta manhã em que o observo, o chalet mostra-se em todo o seu esplendor. Contra o céu azul, exibe-se o rendado caprichoso da madeira recortada por geniais artesãos portugueses para compor o frontão em forma de triângulo e o delicado desenho nos beirais. Por entre os arabescos (caramba, também os árabes estão presentes via Península Ibérica!), o céu azul de Niterói se apresenta como o fundo ideal, destacando os inacreditáveis detalhes, presentes também no gradeado de ferro da varanda.

Essa jóia de arquitetura romântica foi construída pensando-se também na solidez, revelada pelas grossas paredes. E os assoalhos – que infelizmente não resistiram a algumas descuidadas reformas – tinham a nobreza e a qualidade do onipresente pinho-de-riga, assoalhos que, toda vez que vejo nos belos casarões brasileiros, me fazem ver e ouvir, na memória, a suntuosidade e a animação dos bailes imperiais, que faziam arrastar sobre os pisos de madeira nobre os fru-frus das saias imensas e de muitas camadas.



Um detalhe curioso e importante me traz de volta à realidade de hoje: faixas exibem palavras de ordem escritas por grevistas, com suas justas reivindicações de estudantes e professores por melhor ensino e melhores salários.

À contragosto levanto-me de meu banco à sombra de ficus e mangueiras mais do que centenários. Cruzo o jardim vagarosamente, pensando o quanto este lugar contribui para a formação de profissionais de arquitetura e urbanismo. Oxalá eles sejam, mesmo, influenciados pela belezura do chalé e pelo romantismo pragmático do casarão, tornando-se, para sempre, em defensores da beleza e da humanidade em seu campo de trabalho.

Vou-me embora, seguindo em meu passeio, mas levo comigo o gosto por esse lugar onde se combina tão bem a genialidade arquitetônica e um romantismo que resiste e embala nossa esperança.

*Os dados constantes desta crônica foram obtidos no livro Niterói: Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro: Niterói Livros, 2000. 

Texto e fotos de J.Carino.

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