Alma Carioca

A Inconfid�ncia Mineira

A historiadora Beth Gemmal revela fatos hist�ricos que poucos conhecem sobre a Inconfid�ncia Mineira. Conhe�a as verdadeiras causas do movimento e seus reais objetivos.

Paulo:
Como voc� disse, aprendemos no col�gio o culto dos her�is, mas hoje a coisa � diferente.

Na d�cada de 70, quando eu estava na faculdade de Hist�ria, come�aram a aparecer os brasilianistas (historiadores americanos e ingleses, basicamente, mas n�o s� esses, todo e qualquer estrangeiro que escreva sobre a hist�ria do Brasil). Esses brazilianistas eram bolsistas que vinham ao Brasil escrever suas teses de mestrado/doutorado, aprendiam portugu�s, pesquisavam em nossas bibliotecas etc.

Nesta �poca, foi publicado um livro, "A Devassa da Devassa", de Kenneth Maxwell, um brazilianista. Maxwell, que � ingl�s, � hoje considerado um grande historiador, estou inclusive pesquisando em muitos livros dele, pois tem se dedicado � Pen�nsula Ib�rica e minha tese � sobre a Pol�tica Externa da Espanha.

Voltando ao livro, ele fez realmente uma devassa nos "Autos da Devassa" (se voc� lembra, a Devassa � o processo oficial da inconfid�ncia), e descobriu coisas que ningu�m sabia. Inclusive, como bom anglo-sax�o, recorreu a muitas estat�sticas e os n�meros ajudam muito a ver o verdadeiro panorama pol�tico-econ�mico da regi�o das Minas e da Inconfid�ncia no s�culo XVIII.

Da� pra frente, todos os livros did�ticos modificaram o teor dos seus textos em rela��o � Inconfid�ncia Mineira. � claro que grandes detalhes voc� s� encontrar� no livro do Maxwell, que ali�s tenho e posso te emprestar, mas at� em livros do primeiro grau a coisa j� � bem diferente do que voc� (e eu) estudamos na escola.

O texto sobre o Silv�rio dos Reis � verdadeiro, mas acho que est� um pouco simplificado, ou melhor, n�o est� sendo mostrado dentro do seu contexto. Assim, fica um pouco solto, explica pouco em rela��o ao que diz o livro.

Aqui v�o algumas conclus�es do Maxwell:

1. A Inconfid�ncia era um movimento da elite mineira, todos donos de minas, escravos e fazendas (palavra que naquela �poca tamb�m significava dinheiro). Por isso, jamais se cogitou ali em liberta��o dos escravos, apenas de rep�blica. Todos ricos e cultos, entre eles famosos poetas do Arcadismo, como Tom�z Ant�nio Gonzaga, Cl�udio Manoel da Costa e Alvarenga Peixoto. Esta n�o era nem de longe a situa��o do nosso querido alferes. Logo, voc� pode concluir que Tiradentes jamais poderia ser o chefe.

2. Este era, na verdade, Tom�z Ant�nio Gonzaga, at� ent�o Ouvidor da Capitania, e portugu�s de nascimento. Cl�udio Manoel da Costa tamb�m era um homem influente, juiz, com muito prest�gio pol�tico e que circulava nas altas rodas, inclusive no Pal�cio do Governador, o Visconde de Barbacena, a quem se dirige a carta de Silv�rio que voc� leu. Os dois escreveram juntos, as famosas Cartas Chilenas. Estas, que s�o consideradas uma p�rola do Arcadismo, circulavam pelas Minas como um folhetim, os autores usaram pseud�nimos, Critilo e Doroteu (este sendo o Gonzaga, j� que era noivo de Maria Dorot�ia de Freitas, a quem dedicou a obra "Mar�lia de Dirceu"). Tratava-se de cartas que um, que estaria no Chile, escrevia para o outro, no Brasil, contando tudo que se passava no "Chile", falando mal do governo e, tudo o que dizia, era exatamente o que estava acontecendo em Minas. Neste "Chile", quem governava era o Fanfarr�o Min�sio (Barbacena), que era achincalhado o tempo todo. Esta publica��o clandestina fez mais sucesso naquela �poca que novela da Globo.

3. Por que um portugu�s trairia sua pr�pria p�tria e colocaria em risco sua situa��o privilegiada, seu casamento que se aproximava? Por que os homens ricos se meteriam numa revolu��o? Temos que ver a situa��o econ�mica da capitania: o ouro come�ava a escassear. Portugal n�o aceitava isso e dizia que tudo era fruto do contrabando. Assim, mudou a maneira de cobrar o imposto. Este era chamado o quinto (20% do ouro extra�do). S� que, com a escassez, Portugal resolveu colocar uma cota m�nima de 15 mil arrobas anuais. Esta cota deveria ser preenchida de qualquer maneira. Se o quinto n�o cobrisse a cota, os habitantes teriam que complet�-la com seus bens pessoais. A cobran�a era chamada de "Derrama". 

4. Os impostos estavam atrasados. Os ricos, naturalmente eram os maiores devedores. Os inconfidentes estavam endividados at� os dentes (neste item, Maxwell usa e abusa da estat�stica, mostrando a lista das d�vidas de cada um). Fazer a independ�ncia significaria, antes de tudo a anula��o destas d�vidas, al�m de se tornarem independentes (como dizia o velho Karl Marx, por tr�s de todo fato hist�rico h� sempre um motivo econ�mico...). E, naturalmente, eles seriam os futuros governantes.

5. A Inconfid�ncia tinha como foco a capitania de Minas Gerais, como voc� muito bem percebeu. Mas o movimento tinha que contar com o apoio da capital, por isso, o Rio de Janeiro estava inclu�do nos planos, numa segunda etapa, logo a seguir, mesmo porque, precisavam de um porto de mar para as exporta��es. Depois, alcan�aria o resto do Brasil, mas os planos neste sentido eram vagos, mais uma coisa como: o movimento vai automaticamente se espalhar...

6. O dia escolhido para a eclos�o da revolta era o dia da "Derrama", que ningu�m sabia dizer quando seria. Da� a senha que usariam : " tal dia � o batizado".

7. E Tiradentes, onde se encaixa a�, quais os seus motivos? Ele n�o era um mercen�rio. Era pobre, um simples alferes, posto que hoje n�o existe mais no ex�rcito (algo como um sub-oficial, entre sargento e tenente). Ganhando pouco, fazia um "bico", arrancando dentes... Como todo colono (na �poca, palavra que designava o habitante da col�nia), tinha que pagar impostos. Como brasileiro sentia-se explorado, as riquezas do pa�s sendo drenadas para a metr�pole. Este sentimento era geral. Junte-se a isso o fato de ter sido preterido numa promo��o que tinha como certa, para um apadrinhado. Como podemos notar, a corrup��o j� vem de longe em nosso Brasil. Este acontecimento foi crucial para o seu envolvimento na revolta. Ap�s a vit�ria, poderia ser at� General, certo? Mas ele tinha uma fun��o importante: o acesso �s tropas. Era muito bem visto e querido pelos colegas. Enfim, o homem ideal para a mobiliza��o militar. Transitava num ambiente crucial para uma revolta, ao qual Gonzaga e seus amigos n�o tinham acesso. Por isso precisavam dele. Quando foi preso, estava no Rio tentando obter o tal apoio. Silv�rio era um coronel, da� estar bem informado do paradeiro do alferes.

8. Agora, vem o desfecho: Barbacena descobriu a conspira��o por outros meios que n�o a den�ncia de Silv�rio (isto voc� ler� no livro), mas precisava de uma comprova��o escrita. Chamou Silv�rio ao pal�cio e fez uma proposta: alegando que ele estava perdido, pois o governo j� sabia de tudo, se topasse escrever a carta com a den�ncia teria suas d�vidas perdoadas e sairia livre, caso contr�rio, seria preso com os outros. A �nica coisa que Barbacena n�o sabia era quando a revolta eclodiria e disto Silv�rio o informou. Tamb�m veio ao Rio achar Tiradentes e contar ao governo onde ele estava. Mas, tudo isso, depois da conversa com Barbacena. N�o acho que ele era um santo, mas � uma situa��o muito diferente daquele traidor que dedura gratuitamente seus companheiros. Tamb�m � certo que recebeu dinheiro, mas o contexto � o mesmo. E, teve que fugir do Brasil, pois estava com sua cabe�a a pr�mio entre a popula��o.

9. H� um personagem desconhecido nisso tudo: o Embu�ado, uma pessoa que, quando Barbacena descobriu o golpe saiu, na calada da noite, avisando aos inconfidentes que fugissem pois o plano estava descoberto. Bateu de porta em porta das pessoas certas, estava envolto numa capa escura que lhe cobria o rosto. Nunca se soube quem era. Mas, claro est� que veio de dentro do pal�cio, o que comprova mais uma vez que os inconfidentes tinham amigos poderosos. Cec�lia Meireles, no seu livro "O Romanceiro da Inconfid�ncia", que � imperd�vel, dedica um belo poema a este personagem. Alguns conseguiram escapar, mas Barbacena sabia muito bem a quem procurar.

10. Os presos vieram para o Rio mas, ao serem presos, ficaram ainda uns dias nas masmorras em Vila Rica. Cl�udio Manoel da Costa ficou preso no Pal�cio e, dentro de dois dias foi encontrado enforcado na cela que ocupava. Maxwell descobriu que ele " foi suicidado" ( m�todo que tamb�m, como vemos, j� � antigo no Brasil, mas que continuou fazendo muito sucesso nos s�culos posteriores, principalmente entre as ditaduras de Get�lio e na militar). O historiador tamb�m descobriu o como e o porqu�, atrav�s de documentos que cita no livro: ele era, como j� mencionei, pessoa que tinha acesso aos bastidores da pol�tica. Sabia de todas as falcatruas e roubalheiras de Barbacena, que era um ladr�o do er�rio p�blico, entre outras qualidades. Por isso, Barbacena o temia, raz�o pela qual prendeu-o no pal�cio. Cl�udio Manoel o amea�ou, disse que acusaria publicamente Barbacena durante o processo e quis chantage�-lo: a liberdade para os revoltosos, em troca da suspens�o da revolta e do seu sil�ncio. Barbacena o silenciou. Foi na realidade envenenado.

11. O processo durou 3 anos. Os principais acusados eram 10, entre eles, Tiradentes. Todos negaram tudo, menos ele. Todos receberam pena de morte. Todos tiveram suas penas modificadas para degredo, alguns nas col�nias portuguesas da �frica , os padres nos conventos portugueses. S� Tiradentes foi morto. Para servir de exemplo. Imputaram-lhe a chefia do movimento, coisa absurda. Mas, como diz o dito popular, quem n�o tem um padrinho (e principalmente, dinheiro), morre pag�o. Ele nada tinha. Pagou o pato, mas foi �ntegro at� o fim. E os outros, quanto dinheiro rolou por debaixo dos panos?

Gonzaga foi para Mo�ambique por 10 anos, mas a pena era de pris�o aberta, ele s� n�o podia sair do pa�s. Exercia a advocacia, casou com uma rica herdeira com tem teve filhos e nunca mais voltou ao Brasil, mesmo depois da pena terminada, deixando Dorot�ia plantada (morreu velha e solteira).

E VIVA A HIST�RIA DO NOSSO BRASIL !



Desculpe, vejo que fiz um discurso e tanto, talvez seja a saudade da sala de aula, pois o mestrado toma todo o meu tempo, n�o d� para trabalhar.... Espero que tenha tirado as suas d�vidas. 


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