Alma Carioca

Johnny Alf - Biografia

Johnny Alf é o nome artístico de Alfredo José da Silva, nascido no Rio de Janeiro em 19/05/29.

Sua vida começou difícil. Com a morte de seu pai, em 1932, sua mãe foi trabalhar em casa de família. Apesar das dificuldades essa foi a grande chance que a vida proporcionou ao menino Alfredo.

A família que o criou custeou os seus estudos, inclusive piano clássico quando tinha apenas nove anos de idade. Sua professora foi Geni Borges, amiga da família.

Johnny demonstrava grande interesse por compositores do cinema norte-americano, como George Gershwin e Cole Porter.

Pelos 14 anos, formou um conjunto com amigos em Vila Isabel, indo tocar nos fins de semana na Praça Sete, do Andaraí.

Cursou até o segundo ano do Colégio Pedro II, onde entrou em contato com o pessoal do Instituto Brasil-Estados Unidos, que o convidou para participar de um grupo artístico.

O nome "Johnny Alf" foi adotado por sugestão de uma amiga norte-americana, quando de sua apresentação no programa de jazz de Paulo Santos, na Rádio M.E.C.

Na "História da Música Popular Brasileira - Abril Cultural - São Paulo, 1972" encontramos a vida de Johnny Alf contada por ele mesmo. Mais uma vez o nosso amigo Arnaldo, do RELEITURAS teve o trabalho de digitalizá-lo e enviá-lo por email. Obrigado, Arnaldo."

- Eu nasci no dia 19 de maio de 1929, em Vila Isabel, rua Barão de São Francisco - pelo menos assim dizem. Meu pai, Antonio José da Silva, morreu na Revolução de 1932, quando eu ainda não tinha três anos. Era soldado ou cabo, um negócio assim. Minha mãe, Inês Marina da Conceição, se empregou numa casa de família, e essa família foi quem me criou, me deu estudo. Primário, ginasial e científico, até o segundo ano. Com nove ou dez anos de idade comecei a estudar piano com uma pessoa amiga da família, Geni Borges. O que eu estudei de música clássica - que já era do meu gosto musical - teve pouca influência depois. Porque nos primeiros anos de piano a gente segue aquele ritmo de peças tradicionais - mais Chopin que Debussy

- Impacto mesmo me dava outro tipo de música. Eram os filmes musicais americanos que tinham George Gershwin. Cole Porter, esse pessoal todo. Era o que me acendia aquela vontade interior de criar alguma coisa. Então, quando eu estudava, quando voltava do cinema sob aquele impacto, eu ia ao piano e fazia coisas com a influência do que tinha ouvido, inventava a melodia, e tal...

Mais que inventar melodias e sonhar livremente com os vibrantes musicais do cinema, o menino Alfredo José da Silva tinha um destino programado. Depois da Escola Cruzeiro, no Andaraí, "ao lado da América Fabril", ele iria para o científico, no austero e prestigiado Colégio Pedro II. E, a seguir, o escritório de contabilidade da Leopoldina Railway, onde a família de adoção esperava, no máximo, um funcionário comportado e competente. No mínimo, o que Alfredo queria era muito mais.

Escondidas entre os papéis de trabalho, estavam pautas de música preenchidas de notas e sonhos no horário do escritório.

- De vez em quando eu rabiscava lá coisas que só tinham valor para mim. Os sonhos e as primeiras notas eram de liberdade.

"Quando tinha treze ou catorze anos" - procura lembrar-se o mau autobiógrafo -, formou um conjuntinho com amigos da vizinhança.

- Uma das famílias tinha um menino que tocava pandeiro e uma garota que cantava. Outra tinha também um pandeirista e um rapaz que tocava piano. E lá ia o grupo, numa viagem periódica nos fins de semana, de Vila Isabel à Praça 7, no Andaraí. Uma vez chegou a cantar com a gente uma mocinha de voz muito suave, também amadora, chamada Adelina.

Adelina era Dóris Monteiro, que também ensaiava um início de carreira. Embora pensasse na liberdade de seus sons, Alfredo José ainda não planejava propriamente uma carreira. O nome artístico, por exemplo, só apareceria mais tarde, quase por acaso.

- Foi quando eu estudava no Pedro II, e fiquei amigo do pessoal do Instituto Brasil-Estados Unidos, curso de inglês que também ficava no centro da cidade. Já conhecia um pouco a língua e muito a música americana, por isso eles me convidaram para participar do grupo artístico do Instituto. Um dos professores, com aquela mania que eles têm de simplificar tudo, me chamava Alf, em vez de Alfredo. E numa apresentação da Rádio Ministério da Educação, no programa de jazz de Paulo Santos, uma garota americana sugeriu Johnny para completar o Alf, porque era um nome "muito popular na terra dela".

Além de dar nome ao jovem pianista, o grupo ampliava suas atividades, fundando um clube para promoção e intercâmbio das músicas brasileira e americana. Ou, como rezava o impresso feito mais tarde: "... destinado ao intercâmbio musical em nosso país, com reuniões semanais, shows, jam-sessions, excursões, conversações musicais e sessões cinematográficas".

Com a chegada do cantor Farnésio Dutra, o Dick Farney, e muitos discos novos - dos Estados Unidos -, o clube ganharia um nome e uma imagem. Era o Sinatra-Farney Fan Club ("fundado em 3 de fevereiro de 1949, sede à Rua Almirante Gonçalves Pereira 53, Tijuca"), com prospecto ilustrado pela foto do patrono e do fundador, em palestra animada.

"Os fã-clubes daquele tempo eram diferentes dos clubes de fanzocas de auditório que se seguiriam", depõe o produtor de discos Ramalho Netto em seu livro Historinha do Desafinado. "Nas reuniões, os sócios ouviam discos, analisavam orquestrações, solos. Na sede do clube, instalado modestamente num porão, cedido pela mãe de uma das sócias, havia um velho piano e remendada bateria. Ao piano Johnny Alf sentava-se freqüentemente e nos surpreendia. Eram diferentes aos nossos ouvidos suas composições. Aqueles acordes e harmonizações - sua música vinha de uma forma nova".

Não era um produto simples, mas o resultado de muitas somas o que sentiam seus primeiros admiradores. Além dos filmes musicais, Alf apreciava jazz: o trio do então pianista Nat King Cole (1917­1965), o piano de Lennie Tristano (1927), o sax de Lee Konitz (1919) : Sons intimistas, da geração cool - que seguia elaboradas influências eruditas dentro do jazz. E a própria música erudita, desde os primeiros solfejos:

- Eu mesmo escrevia música. Teoria estudei uns quatro meses, sem piano, no princípio. Minha professora, sentindo que eu tinha muita inclinação, me ensinou piano de modo mais rigoroso, com ditados musicais. Quando eu resolvi ser profissional, o que aprendi valeu bastante na formação de um trio, para escrever arranjo . . .

Até a profissionalização, no entanto, o surpreendente Johnny Alf levaria ainda algum tempo. O da acomodação dos sonhos e explosão de uma realidade bem pouco sonora.

Na época do Sinatra-Farney, Johnny começou a prestar maior atenção a seus ouvintes. Afinal, Dick Farney não era nenhum principiante (tinha gravado a histórica Copacabana, de João de Barro e Alberto Ribeiro, em 46) e os sócios Nora Nei, Tom Jobim, Luís Bonfá, que principiavam carreira, não podiam ser chamados de pouco exigentes. De certa forma envaidecido com seu público nascente, Alfredo José - que naquela época era cabo do Exército - aos poucos começou a trocar a noite pelo dia. Ou melhor, a trocar o sono pelo sonho e pelas longas noites de piano: passou a ficar noites sem dormir.

Chegava do quartel, da Escola de Sargentos das Armas de Realengo, às 9 horas da noite, mudava a roupa e ia para o clube. De lá saía, feliz, pelas 4 da manhã, trazido pelo ator Cyll, irmão de Dick Farney, para nova troca de roupa e de ambiente: voltava ao quartel antes do amanhecer. Começaram a surgir os primeiros comentários:

- O pessoal de casa me rebatia: ­ "Olha esse negócio, você com pouca idade e já sem dormir!"

Não eram exatamente os sons que ele esperava ouvir, mas ainda era um pianíssimo, comparado com as entonações seguintes. Entusiasmado, Johnny se apresentou ao animador de auditório César de Alencar, que em 52 acabava de montar sua cantina - a Cantina do César, em Copacabana -, e precisava de um pianista. Tinha feito um concurso no programa de César no rádio, mas o resultado não o satisfez. Dick Farney e Nora Nei falaram ao animador sobre o colega de clube.

Na terceira música, César mandou parar: Johnny Alf estava aprovado como profissional. Mas reprovado em casa. A família que o criou - para ser "funcionário da Leopoldina" ou "professor de inglês" - imediatamente fez a tradicional exigência: "o nosso programa ou outra casa para morar".

Atordoado e decepcionado com a mãe, que tomou o partido da família adotiva, Johnny escolheu, tímido, mas resoluto, a segunda alternativa.

- Naquele tempo ia ganhar 3 contos por mês na Cantina. Dava para pagar aluguel e comprar alguma coisa. Em casa não tinha dinheiro. Recebia algum para ir ao cinema e só. Eles achavam que a profissão que eu tinha escolhido não era satisfatória. A princípio eu visitava a família, mas fui sentindo que, à medida que eu fazia meu nome, eles me tratavam com ressentimento ou despeito, não sei bem. Eles pensavam que eu ia dar com os burros n'água e voltar para casa. Era a oportunidade de dizerem: "E, nós avisamos . . . " Mas aconteceu o contrário, e eles foram me deixando de lado, mesmo. Foi justamente esta reação que me impulsionou ainda mais: não vou dizer que tenha sido por pirraça, mas funcionou no sentido de me levar para a frente. "Então, vamos ver quem está certo . . . " e foi assim até hoje. Johnny saiu de casa para ir morar no Rio Comprido e depois em Copacabana. Na Cantina do César tocava e cantava "meio apavorado, porque nunca tinha enfrentado o público". Agora seus ouvintes eram o Maestro Radamés Gnatalli e, entre outros, um rapaz humilde, recém-chegado da Bahia, que ia lá todas as noites: João Gilberto. O repertório de sucessos - Caymmi, ou os êxitos dos cantores Lúcio Alves, Dick Farney e Gilberto Milfont - era também muito apreciado pela crooner Dolores Duran, da boate Acapulco, que ia vê-lo depois do trabalho com a cantora e compositora Dora Lopes.

Outro ouvinte, entusiasmado, era o capitão do Exército Victor Freire, que um dia, em casa, recebeu Johnny Alf e ficou conhecendo algumas de suas composições.

- Ele pedia sempre: toque esta, toque aquela. Fazia tal balbúrdia que eu era obrigado a tocar, não tinha saída. Com isso fui me desencabulando e um dia, em 52 ainda, Victor levou Mary Gonçalves, que tinha sido rainha do rádio aquele ano, para me ouvir. A atriz ia se lançar como cantora, com sua voz suave e interiorizada, e estava escolhendo repertório. Johnny era o compositor que ela procurava: "Estamos sós, longe de tudo/ ninguém nos vê, esqueça o mundo" (Estamos sós); "É só olhar, depois sorrir, depois gostar/ de sua boca ouvi dizer/ quero você" (O que é amar); "Escuta/ não fales mais/ouve apenas/ que convite apaixonante/ essa brisa insinuante nos faz. . . " (Escuta).

Das três músicas incluídas no Lp Convite ao Romance, de Mary Gonçalves, Alf tinha particular atenção com "O que é amar", uma espécie de marco inicial de sua carreira de autor, e também de certa forma um hino dos maus tempos que passava:

- Fiz essa música na casa de Victor Freire. Eu não tinha piano e nos fins de semana ia para a casa dele tocar. Me concentrava neste tipo de música, porque estava com aqueles problemas de casa que me traziam fossa. Aquilo tinha me atingido bastante. Eu bebia muito, e quando a gente está numa dessas fases senta ao piano e facilmente sai alguma coisa. Vinha letra e música na hora, tudo junto.

A inspiração compensava esta época de poucos sonhos e a produtividade começava a atrair as primeiras boas oportunidades: 1) O violinista Fafá Lemos formava um conjunto para tocar na elegante boate Monte Carlo, do "rei da noite" Carlos Machado; e chamou o pianista para ganhar mais; 2) Ramalho Netto, produtor da Sinter, quis que ele gravasse um 78 rotações, o primeiro de sua carreira.

Era um disco apenas instrumental, mas já trazia novidades. A começar pela formação do conjunto, usada no jazz, mas quase desconhecida no Brasil: Alf ao piano, Vidal no contrabaixo e o violonista e compositor Garoto (Aníbal Augusto Sardinha, 1915-1954) substituindo Laurindo de Almeida, que não pôde gravar porque ia para os Estados Unidos. As músicas: Falsete, de Johnny, e De cigarro em cigarro, de Luís Bonfá.

Embora sem sucesso, o disco e os nomes formavam um certo sentido. Garoto, Laurindo, Bonfá e mais tarde os jovens espectadores (tão jovens que tinham que se esconder no banheiro das boates quando vinha a fiscalização) Roberto Menescal, Sílvia Teles, Carlos Lyra e Ed Lincoln estavam no mesmo barco. Que também tinha os pianistas Newton Mendonça (1927-1960) - com quem Johnny se revezava na boate Mandarim, seu emprego seguinte - e Tom Jobim, este também às vezes cantor da boate Tudo Azul. Era uma corrente irresistível, que se preparava para mudar tudo.

Enquanto trocava de casas noturnas, Johnny Alf contribuía para espalhar essas novas idéias musicais. No Plaza, onde se apresentava o pianista e organista Djalma Ferreira, a crooner do conjunto, Helena de Lima - que contracenava com Miltinho -, já cantava algumas de suas músicas. No Clube da Chave, Alf tinha entre ouvintes ilustres o bem sucedido Ary Barroso e, quando se tornou atração principal do Plaza, Tom Jobim vinha ouvi-lo todas as noites.

Antes disso tinha passado pela boate Drink - aberta por Djalma Ferreira -, "onde comecei a sentir que fazia meu nome" e tinha um novo conjunto: faziam parte do grupo a cantora Dora Lopes e o violonista Bola Sete, que mais tarde, como Laurindo de Almeida, iria fixar-se nos Estados Unidos. Duas músicas começavam a receber pedidos insistentes. Tinham sido compostas por volta de 53 e além de harmonias ágeis, envolventes e novas, tinham letras bastante informais para a época: "Céu e mar, estrelas na areia/ verde mar, espelho do céu/ minha vida é uma ilha bem distante/ flutuando no oceano aventura de viver/ minha vida vou passando/ meu amor eu vou amando/ e meu barco vou levando a céu e mar" (Céu e mar); "Você bem sabe eu sou rapaz de bem/ a minha onda é do vai e vem/ pois com as pessoas que eu bem tratar/ eu qualquer dia posso me arrumar (vê se mora)/ eu tenho casa, tenho comida/ não passo fome, graças a Deus..." (Rapaz de bem).

A primeira desenhava a geografia poética da bossa nova, enquanto a segunda antecipava um estilo de vida dos músicos da Zona Sul, substituindo o retrato do malandro tantas vezes pintado pelo samba do Centro e da Zona Norte do Rio.

De malandro, porém, Johnny Alf, tímido e quase sempre triste, tinha muito pouco. No máximo era um tanto desligado com relação a contratos e oportunidades de trabalho. Em 55, quando começava a se fortalecer o grupo que dominaria a bossa nova no Rio, ele estava de malas prontas para São Paulo, sem ao menos avisar o dono da boate Plaza, onde era estrela máxima.

- Estava meio perdido, naquela fase em que se passa de rapaz para homem maduro, de responsabilidades.

E aceitou o convite para trabalhar na boate Baiúca, na Rua Major Sertório. De lá iria para o bar Michel, e mais uma vez se apresentaria com músicos do início da bossa nova, agora de São Paulo: o violonista Paulinho Nogueira e os baixistas Sabá e Luís Chaves, que também começavam.

Ainda em 55, numa rápida volta ao Rio, gravou seu primeiro 78 importante: de um lado cantava e tocava Rapaz de bem, de outro, O tempo e o vento. Mas Johnny estava preferindo as noites frias de São Paulo à agitação noturna do Rio e, no fim da década de 50, passando de boate em boate, teve algumas recompensas: tocou com Elizeth Cardoso, com Booker Pitman, foi ouvido por Dizzy Gillespie, apertou a mão do pianista de Marlene Dietrich, um tal de Burt Bacharach.

Em 1961, deflagrada a bossa nova, Johnny foi lembrado para tripular um de seus módulos. Primeiro, foi gravar seu Lp inicial, na RCA Victor. Com músicas como Ilusão à toa, uma das favoritas do autor: "Olha/ somente um dia longe dos teus olhos/ veio a saudade do amor tão perto/ e o mundo inteiro fêz-se tão tristonho..." Depois, um convite do compositor Chico Feitosa:

- Vai ter um negócio no Carnegie Hall daqui a alguns meses e eu queria que você estivesse nessa.

Resposta: - Tá legal.

Mas no dia 21 de novembro de 1962, quando abriram as cortinas do palco em Nova York, Johnny não estava nessa:

- Na época, fiquei aqui em São Paulo, bastante desligado deles. Enchia a cara, acordava naquela ressaca. Eu era o rei de chegar atrasado.

Não era um retrato alegre, mas em muitos pontos era um retrato fiel. A bossa nova fluía seus barquinhos e flores, preparava-se para entrar em uma fase diferente, mais exteriorizada, e Johnny estava atrasado. Não tinha regulado seus ponteiros com os do sucesso, com alguns ex-expectadores de sua música, como Tom Jobim e João Gilberto. Só voltaria ao Rio obrigado, por volta de 62. Um pianista rival e enciumado (da noite paulistana) fez uma denúncia à Ordem dos Músicos: o desligado Johnny, pianista atuante e eficiente desde 52, ainda não tinha a carteira de profissional.

Dessa ida ao Rio para regularizar a situação não seria possível voltar tão rápido. O ambiente excitante do Beco das Garrafas em Copacabana era um contágio irresistível. Trabalhou no Bottle's Bar durante algum tempo, revezando com o Tamba Trio, Sérgio Mendes, Luís Carlos Vinhas e Sílvia Teles. E formou um dos melhores conjuntos de sua carreira, com o baixista Tião Neto e o baterista Édison Machado. Do Bottle's, atravessando a calçada do Beco, passou ao Little Club e de lá ao elegante Top Club, do requintado Barão Von Stuckart, antigo proprietário do Vogue.

Apresentava-se alternadamente com o conjunto de Moacir Silva e, mais tarde, no Manhattan, com sua seguidora Leni Andrade, e ainda uma vez o Tamba Trio. Veio o segundo Lp, e Alf fez uma exigência surpreendente ao produtor Paulo Rocco, na RCA. Queria um arranjador - o pianista Celso Murilo, que ele ouvia tocar no Drink - de outra gravadora.

Com tanta gente boa na RCA para fazer o arranjo, você vai chamar outra pessoa? - reclamou Paulo.

À queixa do produtor somavam-se críticas de outros músicos. "Celso não lê música direito", dizia um. "Nunca fez arranjos", observava outro. O próprio Celso Murilo pensou que fosse brincadeira do colega.

- Quando ele viu que era pra valer - conta Johnny -, pegou as músicas, pediu emprestado meu Lp anterior e, como era fim de ano, se trancou lá na terra dele, em Minas. Só voltou depois do dia de Reis, com os arranjos prontos.

Novo descrédito: alguns músicos fizeram comentários irônicos sobre um arranjo com quatro pistões, dois trombones e uma flauta - uma formação que ninguém usava na época. No estúdio, antes da gravação, o clima era de expectativa. Mas à medida que se sucediam as músicas, foi de espanto.

- Como é que ele conseguiu esse som? Todos assombrados. Entre eles o crítico Sylvio Túlio Cardoso, que escreveu a contracapa sob o pseudônimo de Sérgio Lôbo. Depois de falar nas "espetaculares variações de melodia", "divisão de frase sempre imprevista" e "técnica de sombreado em determinadas palavras do verso", Sylvio explodia: "Macacos nos lambam se este Lp não estiver entre os cinco mais importantes da música brasileira moderna em 64!"

Entre os mais importantes, mas não entre os mais vendidos.

- Eles faziam uma tiragem relativamente pequena dos meus discos, porque não vendiam na hora. Depois que saiu de catálogo ainda muita gente procura.

O som básico da bossa nova: do jazz americano à tríade rítmica e harmônica formada por Carlos Lyra, João Gilberto e Tom Jobim. O jazz foi bem ouvido e assimilado pelo precursor Johnny Alf: o Nat King Cole pianista (aqui contracenando com Eartha Kitt e Cab Calloway em "St. Louis BÍues" - no Brasil, "Lamento Negro"), era um dos ídolos do jovem João Alfredo da Silva. Depois, a tríade se encarregaria de codificar e espalhar o novo som brasileiro.

O cantor, compositor e pianista Johnny Alf parecia destinado apenas às glorias discretas, que lembravam os empregos programados pela família.

- Para falar a verdade, isso talvez tenha sido conseqüência do meu temperamento. Sempre estive afastado da patota, porque sou muito desconfiado das pessoas. Os problemas que tive na vida me criaram dificuldade de relacionamento. Em meio de grupinho, nunca estava seguro. De algumas coisas da bossa nova eu realmente tomei parte, fui chamado. Por exemplo, o show da Arquitetura, em 59. Mas dizer que eu vou pra lá para saber como é, como é que está, isso não faço. Não tenho esse jeito.

Ainda assim, à sua maneira, Johnny não deixaria de passar pelas paradas de sucesso.

Depois de mais algumas temporadas em boate e um terceiro Lp, na gravadora Mocambo, com arranjos de José Briamonte (outro lançamento de Alf), uma mudança radical: trocava, a partir de 65, o dia pela noite, passando a se apresentar menos em boates e mais em cidades do interior de São Paulo.

A descoberta do sol trouxe outra ainda mais importante: a de que a noite e os ambientes que freqüentava estavam entre os motivos de sua permanente depressão. Inspirado por estas novas sensações, Johnny compôs uma música a pedido de um amigo que ia casar. Ela serviria de fundo musical, mas na igreja foi recusada, "para não quebrar a praxe do cerimonial religioso". A música foi engavetada ainda sem título e sem letra.

Até que Johnny Alf - agora austero professor de música do Conservatório Meireles em São Paulo - foi procurado pela cantora Márcia. Ela queria inscrever-se no Festival da Record de 67, e precisava de uma música. Alf tirou da gaveta, colocou título e letra em "Eu e a brisa" - desclassificada nas eliminatórias, mas consagrada a longo prazo: pouco mais de um mês depois, estranhamente, Eu e a brisa começava a tocar de forma insistente, e com seu sucesso projetava de novo o compositor é servia de prefixo à cantora.

O prestígio do músico acompanhava um amadurecimento espiritual do homem. Além dos novos ambientes, Johnny Alf procurava especialmente Alfredo José da Silva - o que havia de errado nele, e por que certas coisas inexplicáveis o envolviam:

- Entre uma e outra passagem nas boates tive muitos altos e baixos, cheguei até a dormir na areia - o termo é esse -, desorientado. Nesses momentos, principalmente os piores, comecei a sondar mais os meus sonhos e, levado por amigos, a freqüentar sessões espíritas. A princípio, desacreditando. Mais tarde, um guia me aconselhou a ler sobre espiritismo e um outro praticamente desvendou a chave de tudo, quando me fez a primeira pergunta: "Onde está sua mãe?" Era um problema que eu trazia reprimido desde o início da carreira, e ele foi direto ao assunto, sem perguntar mais. Descobriu, entre outras coisas, que ela tinha me feito, por engano, um "batismo de esquerda", isto é tinha me levado na quimbanda, onde reinam os maus espíritos, e eu estava sob influência deles. Se não foi a minha libertação (ele disse que eu precisava ainda de muitos trabalhos para me soltar), foi o princípio, o que me deu ânimo, e uma nova fase: "Vem da Aruanda vem, e traz/ a sua proteção que eu quero paz/ e no dia que Zambi chamar, sofrimento tem fim,/ pois maldade no mundo é demais para mim" (Kaô Xangô); "Foi numa festa de santo/ quando eu cantei pra Xangô/ Calunga baixou e falou:/ Pra mim você não cantou!" (Promessa pra Calunga); "Sai da frente,/ deixa eu queimar tuia/ pra acabar demanda" (Canção da demanda).

Uma novo ciclo musical que falava em nagô, e era desinibido e exteriorizado em outros temas, mais alegres: Garota da minha cidade, Decisão, Eu e o crepúsculo - da trilogia iniciada em Eu e a brisa. Agora os sonhos estão desvendados. Uma volta ao estudo de música erudita, pensando em montar um musical inteiro - os sonhos se transportam e se materializam. Algumas recompensas: Oscar Peterson, pianista de jazz, assistiu a um de seus shows em São Paulo. Lalo Schifrin, o arranjador, gravou Rapaz de bem, "só instrumental".

Nos últimos tempos, guardou também algum dinheiro, que, por exemplo, o desobrigou de aderir ao conjunto de guitarras, por imposição de uma gravadora, na época da Jovem Guarda. E, mais que um sonho, uma vitória quase despercebida do período longo de difícil libertação:

- Posso dizer que fiz alguma coisa um pouco antes do resto do pessoal.


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