Alma Carioca

Johnny Alf - Biografia

Johnny Alf � o nome art�stico de Alfredo Jos� da Silva, nascido no Rio de Janeiro em 19/05/29.

Sua vida come�ou dif�cil. Com a morte de seu pai, em 1932, sua m�e foi trabalhar em casa de fam�lia. Apesar das dificuldades essa foi a grande chance que a vida proporcionou ao menino Alfredo.

A fam�lia que o criou custeou os seus estudos, inclusive piano cl�ssico quando tinha apenas nove anos de idade. Sua professora foi Geni Borges, amiga da fam�lia.

Johnny demonstrava grande interesse por compositores do cinema norte-americano, como George Gershwin e Cole Porter.

Pelos 14 anos, formou um conjunto com amigos em Vila Isabel, indo tocar nos fins de semana na Pra�a Sete, do Andara�.

Cursou at� o segundo ano do Col�gio Pedro II, onde entrou em contato com o pessoal do Instituto Brasil-Estados Unidos, que o convidou para participar de um grupo art�stico.

O nome "Johnny Alf" foi adotado por sugest�o de uma amiga norte-americana, quando de sua apresenta��o no programa de jazz de Paulo Santos, na R�dio M.E.C.

Na "Hist�ria da M�sica Popular Brasileira - Abril Cultural - S�o Paulo, 1972" encontramos a vida de Johnny Alf contada por ele mesmo. Mais uma vez o nosso amigo Arnaldo, do RELEITURAS teve o trabalho de digitaliz�-lo e envi�-lo por email. Obrigado, Arnaldo."

- Eu nasci no dia 19 de maio de 1929, em Vila Isabel, rua Bar�o de S�o Francisco - pelo menos assim dizem. Meu pai, Antonio Jos� da Silva, morreu na Revolu��o de 1932, quando eu ainda n�o tinha tr�s anos. Era soldado ou cabo, um neg�cio assim. Minha m�e, In�s Marina da Concei��o, se empregou numa casa de fam�lia, e essa fam�lia foi quem me criou, me deu estudo. Prim�rio, ginasial e cient�fico, at� o segundo ano. Com nove ou dez anos de idade comecei a estudar piano com uma pessoa amiga da fam�lia, Geni Borges. O que eu estudei de m�sica cl�ssica - que j� era do meu gosto musical - teve pouca influ�ncia depois. Porque nos primeiros anos de piano a gente segue aquele ritmo de pe�as tradicionais - mais Chopin que Debussy

- Impacto mesmo me dava outro tipo de m�sica. Eram os filmes musicais americanos que tinham George Gershwin. Cole Porter, esse pessoal todo. Era o que me acendia aquela vontade interior de criar alguma coisa. Ent�o, quando eu estudava, quando voltava do cinema sob aquele impacto, eu ia ao piano e fazia coisas com a influ�ncia do que tinha ouvido, inventava a melodia, e tal...

Mais que inventar melodias e sonhar livremente com os vibrantes musicais do cinema, o menino Alfredo Jos� da Silva tinha um destino programado. Depois da Escola Cruzeiro, no Andara�, "ao lado da Am�rica Fabril", ele iria para o cient�fico, no austero e prestigiado Col�gio Pedro II. E, a seguir, o escrit�rio de contabilidade da Leopoldina Railway, onde a fam�lia de ado��o esperava, no m�ximo, um funcion�rio comportado e competente. No m�nimo, o que Alfredo queria era muito mais.

Escondidas entre os pap�is de trabalho, estavam pautas de m�sica preenchidas de notas e sonhos no hor�rio do escrit�rio.

- De vez em quando eu rabiscava l� coisas que s� tinham valor para mim. Os sonhos e as primeiras notas eram de liberdade.

"Quando tinha treze ou catorze anos" - procura lembrar-se o mau autobi�grafo -, formou um conjuntinho com amigos da vizinhan�a.

- Uma das fam�lias tinha um menino que tocava pandeiro e uma garota que cantava. Outra tinha tamb�m um pandeirista e um rapaz que tocava piano. E l� ia o grupo, numa viagem peri�dica nos fins de semana, de Vila Isabel � Pra�a 7, no Andara�. Uma vez chegou a cantar com a gente uma mocinha de voz muito suave, tamb�m amadora, chamada Adelina.

Adelina era D�ris Monteiro, que tamb�m ensaiava um in�cio de carreira. Embora pensasse na liberdade de seus sons, Alfredo Jos� ainda n�o planejava propriamente uma carreira. O nome art�stico, por exemplo, s� apareceria mais tarde, quase por acaso.

- Foi quando eu estudava no Pedro II, e fiquei amigo do pessoal do Instituto Brasil-Estados Unidos, curso de ingl�s que tamb�m ficava no centro da cidade. J� conhecia um pouco a l�ngua e muito a m�sica americana, por isso eles me convidaram para participar do grupo art�stico do Instituto. Um dos professores, com aquela mania que eles t�m de simplificar tudo, me chamava Alf, em vez de Alfredo. E numa apresenta��o da R�dio Minist�rio da Educa��o, no programa de jazz de Paulo Santos, uma garota americana sugeriu Johnny para completar o Alf, porque era um nome "muito popular na terra dela".

Al�m de dar nome ao jovem pianista, o grupo ampliava suas atividades, fundando um clube para promo��o e interc�mbio das m�sicas brasileira e americana. Ou, como rezava o impresso feito mais tarde: "... destinado ao interc�mbio musical em nosso pa�s, com reuni�es semanais, shows, jam-sessions, excurs�es, conversa��es musicais e sess�es cinematogr�ficas".

Com a chegada do cantor Farn�sio Dutra, o Dick Farney, e muitos discos novos - dos Estados Unidos -, o clube ganharia um nome e uma imagem. Era o Sinatra-Farney Fan Club ("fundado em 3 de fevereiro de 1949, sede � Rua Almirante Gon�alves Pereira 53, Tijuca"), com prospecto ilustrado pela foto do patrono e do fundador, em palestra animada.

"Os f�-clubes daquele tempo eram diferentes dos clubes de fanzocas de audit�rio que se seguiriam", dep�e o produtor de discos Ramalho Netto em seu livro Historinha do Desafinado. "Nas reuni�es, os s�cios ouviam discos, analisavam orquestra��es, solos. Na sede do clube, instalado modestamente num por�o, cedido pela m�e de uma das s�cias, havia um velho piano e remendada bateria. Ao piano Johnny Alf sentava-se freq�entemente e nos surpreendia. Eram diferentes aos nossos ouvidos suas composi��es. Aqueles acordes e harmoniza��es - sua m�sica vinha de uma forma nova".

N�o era um produto simples, mas o resultado de muitas somas o que sentiam seus primeiros admiradores. Al�m dos filmes musicais, Alf apreciava jazz: o trio do ent�o pianista Nat King Cole (1917�1965), o piano de Lennie Tristano (1927), o sax de Lee Konitz (1919) : Sons intimistas, da gera��o cool - que seguia elaboradas influ�ncias eruditas dentro do jazz. E a pr�pria m�sica erudita, desde os primeiros solfejos:

- Eu mesmo escrevia m�sica. Teoria estudei uns quatro meses, sem piano, no princ�pio. Minha professora, sentindo que eu tinha muita inclina��o, me ensinou piano de modo mais rigoroso, com ditados musicais. Quando eu resolvi ser profissional, o que aprendi valeu bastante na forma��o de um trio, para escrever arranjo . . .

At� a profissionaliza��o, no entanto, o surpreendente Johnny Alf levaria ainda algum tempo. O da acomoda��o dos sonhos e explos�o de uma realidade bem pouco sonora.

Na �poca do Sinatra-Farney, Johnny come�ou a prestar maior aten��o a seus ouvintes. Afinal, Dick Farney n�o era nenhum principiante (tinha gravado a hist�rica Copacabana, de Jo�o de Barro e Alberto Ribeiro, em 46) e os s�cios Nora Nei, Tom Jobim, Lu�s Bonf�, que principiavam carreira, n�o podiam ser chamados de pouco exigentes. De certa forma envaidecido com seu p�blico nascente, Alfredo Jos� - que naquela �poca era cabo do Ex�rcito - aos poucos come�ou a trocar a noite pelo dia. Ou melhor, a trocar o sono pelo sonho e pelas longas noites de piano: passou a ficar noites sem dormir.

Chegava do quartel, da Escola de Sargentos das Armas de Realengo, �s 9 horas da noite, mudava a roupa e ia para o clube. De l� sa�a, feliz, pelas 4 da manh�, trazido pelo ator Cyll, irm�o de Dick Farney, para nova troca de roupa e de ambiente: voltava ao quartel antes do amanhecer. Come�aram a surgir os primeiros coment�rios:

- O pessoal de casa me rebatia: � "Olha esse neg�cio, voc� com pouca idade e j� sem dormir!"

N�o eram exatamente os sons que ele esperava ouvir, mas ainda era um pian�ssimo, comparado com as entona��es seguintes. Entusiasmado, Johnny se apresentou ao animador de audit�rio C�sar de Alencar, que em 52 acabava de montar sua cantina - a Cantina do C�sar, em Copacabana -, e precisava de um pianista. Tinha feito um concurso no programa de C�sar no r�dio, mas o resultado n�o o satisfez. Dick Farney e Nora Nei falaram ao animador sobre o colega de clube.

Na terceira m�sica, C�sar mandou parar: Johnny Alf estava aprovado como profissional. Mas reprovado em casa. A fam�lia que o criou - para ser "funcion�rio da Leopoldina" ou "professor de ingl�s" - imediatamente fez a tradicional exig�ncia: "o nosso programa ou outra casa para morar".

Atordoado e decepcionado com a m�e, que tomou o partido da fam�lia adotiva, Johnny escolheu, t�mido, mas resoluto, a segunda alternativa.

- Naquele tempo ia ganhar 3 contos por m�s na Cantina. Dava para pagar aluguel e comprar alguma coisa. Em casa n�o tinha dinheiro. Recebia algum para ir ao cinema e s�. Eles achavam que a profiss�o que eu tinha escolhido n�o era satisfat�ria. A princ�pio eu visitava a fam�lia, mas fui sentindo que, � medida que eu fazia meu nome, eles me tratavam com ressentimento ou despeito, n�o sei bem. Eles pensavam que eu ia dar com os burros n'�gua e voltar para casa. Era a oportunidade de dizerem: "E, n�s avisamos . . . " Mas aconteceu o contr�rio, e eles foram me deixando de lado, mesmo. Foi justamente esta rea��o que me impulsionou ainda mais: n�o vou dizer que tenha sido por pirra�a, mas funcionou no sentido de me levar para a frente. "Ent�o, vamos ver quem est� certo . . . " e foi assim at� hoje. Johnny saiu de casa para ir morar no Rio Comprido e depois em Copacabana. Na Cantina do C�sar tocava e cantava "meio apavorado, porque nunca tinha enfrentado o p�blico". Agora seus ouvintes eram o Maestro Radam�s Gnatalli e, entre outros, um rapaz humilde, rec�m-chegado da Bahia, que ia l� todas as noites: Jo�o Gilberto. O repert�rio de sucessos - Caymmi, ou os �xitos dos cantores L�cio Alves, Dick Farney e Gilberto Milfont - era tamb�m muito apreciado pela crooner Dolores Duran, da boate Acapulco, que ia v�-lo depois do trabalho com a cantora e compositora Dora Lopes.

Outro ouvinte, entusiasmado, era o capit�o do Ex�rcito Victor Freire, que um dia, em casa, recebeu Johnny Alf e ficou conhecendo algumas de suas composi��es.

- Ele pedia sempre: toque esta, toque aquela. Fazia tal balb�rdia que eu era obrigado a tocar, n�o tinha sa�da. Com isso fui me desencabulando e um dia, em 52 ainda, Victor levou Mary Gon�alves, que tinha sido rainha do r�dio aquele ano, para me ouvir. A atriz ia se lan�ar como cantora, com sua voz suave e interiorizada, e estava escolhendo repert�rio. Johnny era o compositor que ela procurava: "Estamos s�s, longe de tudo/ ningu�m nos v�, esque�a o mundo" (Estamos s�s); "� s� olhar, depois sorrir, depois gostar/ de sua boca ouvi dizer/ quero voc�" (O que � amar); "Escuta/ n�o fales mais/ouve apenas/ que convite apaixonante/ essa brisa insinuante nos faz. . . " (Escuta).

Das tr�s m�sicas inclu�das no Lp Convite ao Romance, de Mary Gon�alves, Alf tinha particular aten��o com "O que � amar", uma esp�cie de marco inicial de sua carreira de autor, e tamb�m de certa forma um hino dos maus tempos que passava:

- Fiz essa m�sica na casa de Victor Freire. Eu n�o tinha piano e nos fins de semana ia para a casa dele tocar. Me concentrava neste tipo de m�sica, porque estava com aqueles problemas de casa que me traziam fossa. Aquilo tinha me atingido bastante. Eu bebia muito, e quando a gente est� numa dessas fases senta ao piano e facilmente sai alguma coisa. Vinha letra e m�sica na hora, tudo junto.

A inspira��o compensava esta �poca de poucos sonhos e a produtividade come�ava a atrair as primeiras boas oportunidades: 1) O violinista Faf� Lemos formava um conjunto para tocar na elegante boate Monte Carlo, do "rei da noite" Carlos Machado; e chamou o pianista para ganhar mais; 2) Ramalho Netto, produtor da Sinter, quis que ele gravasse um 78 rota��es, o primeiro de sua carreira.

Era um disco apenas instrumental, mas j� trazia novidades. A come�ar pela forma��o do conjunto, usada no jazz, mas quase desconhecida no Brasil: Alf ao piano, Vidal no contrabaixo e o violonista e compositor Garoto (An�bal Augusto Sardinha, 1915-1954) substituindo Laurindo de Almeida, que n�o p�de gravar porque ia para os Estados Unidos. As m�sicas: Falsete, de Johnny, e De cigarro em cigarro, de Lu�s Bonf�.

Embora sem sucesso, o disco e os nomes formavam um certo sentido. Garoto, Laurindo, Bonf� e mais tarde os jovens espectadores (t�o jovens que tinham que se esconder no banheiro das boates quando vinha a fiscaliza��o) Roberto Menescal, S�lvia Teles, Carlos Lyra e Ed Lincoln estavam no mesmo barco. Que tamb�m tinha os pianistas Newton Mendon�a (1927-1960) - com quem Johnny se revezava na boate Mandarim, seu emprego seguinte - e Tom Jobim, este tamb�m �s vezes cantor da boate Tudo Azul. Era uma corrente irresist�vel, que se preparava para mudar tudo.

Enquanto trocava de casas noturnas, Johnny Alf contribu�a para espalhar essas novas id�ias musicais. No Plaza, onde se apresentava o pianista e organista Djalma Ferreira, a crooner do conjunto, Helena de Lima - que contracenava com Miltinho -, j� cantava algumas de suas m�sicas. No Clube da Chave, Alf tinha entre ouvintes ilustres o bem sucedido Ary Barroso e, quando se tornou atra��o principal do Plaza, Tom Jobim vinha ouvi-lo todas as noites.

Antes disso tinha passado pela boate Drink - aberta por Djalma Ferreira -, "onde comecei a sentir que fazia meu nome" e tinha um novo conjunto: faziam parte do grupo a cantora Dora Lopes e o violonista Bola Sete, que mais tarde, como Laurindo de Almeida, iria fixar-se nos Estados Unidos. Duas m�sicas come�avam a receber pedidos insistentes. Tinham sido compostas por volta de 53 e al�m de harmonias �geis, envolventes e novas, tinham letras bastante informais para a �poca: "C�u e mar, estrelas na areia/ verde mar, espelho do c�u/ minha vida � uma ilha bem distante/ flutuando no oceano aventura de viver/ minha vida vou passando/ meu amor eu vou amando/ e meu barco vou levando a c�u e mar" (C�u e mar); "Voc� bem sabe eu sou rapaz de bem/ a minha onda � do vai e vem/ pois com as pessoas que eu bem tratar/ eu qualquer dia posso me arrumar (v� se mora)/ eu tenho casa, tenho comida/ n�o passo fome, gra�as a Deus..." (Rapaz de bem).

A primeira desenhava a geografia po�tica da bossa nova, enquanto a segunda antecipava um estilo de vida dos m�sicos da Zona Sul, substituindo o retrato do malandro tantas vezes pintado pelo samba do Centro e da Zona Norte do Rio.

De malandro, por�m, Johnny Alf, t�mido e quase sempre triste, tinha muito pouco. No m�ximo era um tanto desligado com rela��o a contratos e oportunidades de trabalho. Em 55, quando come�ava a se fortalecer o grupo que dominaria a bossa nova no Rio, ele estava de malas prontas para S�o Paulo, sem ao menos avisar o dono da boate Plaza, onde era estrela m�xima.

- Estava meio perdido, naquela fase em que se passa de rapaz para homem maduro, de responsabilidades.

E aceitou o convite para trabalhar na boate Bai�ca, na Rua Major Sert�rio. De l� iria para o bar Michel, e mais uma vez se apresentaria com m�sicos do in�cio da bossa nova, agora de S�o Paulo: o violonista Paulinho Nogueira e os baixistas Sab� e Lu�s Chaves, que tamb�m come�avam.

Ainda em 55, numa r�pida volta ao Rio, gravou seu primeiro 78 importante: de um lado cantava e tocava Rapaz de bem, de outro, O tempo e o vento. Mas Johnny estava preferindo as noites frias de S�o Paulo � agita��o noturna do Rio e, no fim da d�cada de 50, passando de boate em boate, teve algumas recompensas: tocou com Elizeth Cardoso, com Booker Pitman, foi ouvido por Dizzy Gillespie, apertou a m�o do pianista de Marlene Dietrich, um tal de Burt Bacharach.

Em 1961, deflagrada a bossa nova, Johnny foi lembrado para tripular um de seus m�dulos. Primeiro, foi gravar seu Lp inicial, na RCA Victor. Com m�sicas como Ilus�o � toa, uma das favoritas do autor: "Olha/ somente um dia longe dos teus olhos/ veio a saudade do amor t�o perto/ e o mundo inteiro f�z-se t�o tristonho..." Depois, um convite do compositor Chico Feitosa:

- Vai ter um neg�cio no Carnegie Hall daqui a alguns meses e eu queria que voc� estivesse nessa.

Resposta: - T� legal.

Mas no dia 21 de novembro de 1962, quando abriram as cortinas do palco em Nova York, Johnny n�o estava nessa:

- Na �poca, fiquei aqui em S�o Paulo, bastante desligado deles. Enchia a cara, acordava naquela ressaca. Eu era o rei de chegar atrasado.

N�o era um retrato alegre, mas em muitos pontos era um retrato fiel. A bossa nova flu�a seus barquinhos e flores, preparava-se para entrar em uma fase diferente, mais exteriorizada, e Johnny estava atrasado. N�o tinha regulado seus ponteiros com os do sucesso, com alguns ex-expectadores de sua m�sica, como Tom Jobim e Jo�o Gilberto. S� voltaria ao Rio obrigado, por volta de 62. Um pianista rival e enciumado (da noite paulistana) fez uma den�ncia � Ordem dos M�sicos: o desligado Johnny, pianista atuante e eficiente desde 52, ainda n�o tinha a carteira de profissional.

Dessa ida ao Rio para regularizar a situa��o n�o seria poss�vel voltar t�o r�pido. O ambiente excitante do Beco das Garrafas em Copacabana era um cont�gio irresist�vel. Trabalhou no Bottle's Bar durante algum tempo, revezando com o Tamba Trio, S�rgio Mendes, Lu�s Carlos Vinhas e S�lvia Teles. E formou um dos melhores conjuntos de sua carreira, com o baixista Ti�o Neto e o baterista �dison Machado. Do Bottle's, atravessando a cal�ada do Beco, passou ao Little Club e de l� ao elegante Top Club, do requintado Bar�o Von Stuckart, antigo propriet�rio do Vogue.

Apresentava-se alternadamente com o conjunto de Moacir Silva e, mais tarde, no Manhattan, com sua seguidora Leni Andrade, e ainda uma vez o Tamba Trio. Veio o segundo Lp, e Alf fez uma exig�ncia surpreendente ao produtor Paulo Rocco, na RCA. Queria um arranjador - o pianista Celso Murilo, que ele ouvia tocar no Drink - de outra gravadora.

Com tanta gente boa na RCA para fazer o arranjo, voc� vai chamar outra pessoa? - reclamou Paulo.

� queixa do produtor somavam-se cr�ticas de outros m�sicos. "Celso n�o l� m�sica direito", dizia um. "Nunca fez arranjos", observava outro. O pr�prio Celso Murilo pensou que fosse brincadeira do colega.

- Quando ele viu que era pra valer - conta Johnny -, pegou as m�sicas, pediu emprestado meu Lp anterior e, como era fim de ano, se trancou l� na terra dele, em Minas. S� voltou depois do dia de Reis, com os arranjos prontos.

Novo descr�dito: alguns m�sicos fizeram coment�rios ir�nicos sobre um arranjo com quatro pist�es, dois trombones e uma flauta - uma forma��o que ningu�m usava na �poca. No est�dio, antes da grava��o, o clima era de expectativa. Mas � medida que se sucediam as m�sicas, foi de espanto.

- Como � que ele conseguiu esse som? Todos assombrados. Entre eles o cr�tico Sylvio T�lio Cardoso, que escreveu a contracapa sob o pseud�nimo de S�rgio L�bo. Depois de falar nas "espetaculares varia��es de melodia", "divis�o de frase sempre imprevista" e "t�cnica de sombreado em determinadas palavras do verso", Sylvio explodia: "Macacos nos lambam se este Lp n�o estiver entre os cinco mais importantes da m�sica brasileira moderna em 64!"

Entre os mais importantes, mas n�o entre os mais vendidos.

- Eles faziam uma tiragem relativamente pequena dos meus discos, porque n�o vendiam na hora. Depois que saiu de cat�logo ainda muita gente procura.

O som b�sico da bossa nova: do jazz americano � tr�ade r�tmica e harm�nica formada por Carlos Lyra, Jo�o Gilberto e Tom Jobim. O jazz foi bem ouvido e assimilado pelo precursor Johnny Alf: o Nat King Cole pianista (aqui contracenando com Eartha Kitt e Cab Calloway em "St. Louis B�ues" - no Brasil, "Lamento Negro"), era um dos �dolos do jovem Jo�o Alfredo da Silva. Depois, a tr�ade se encarregaria de codificar e espalhar o novo som brasileiro.

O cantor, compositor e pianista Johnny Alf parecia destinado apenas �s glorias discretas, que lembravam os empregos programados pela fam�lia.

- Para falar a verdade, isso talvez tenha sido conseq��ncia do meu temperamento. Sempre estive afastado da patota, porque sou muito desconfiado das pessoas. Os problemas que tive na vida me criaram dificuldade de relacionamento. Em meio de grupinho, nunca estava seguro. De algumas coisas da bossa nova eu realmente tomei parte, fui chamado. Por exemplo, o show da Arquitetura, em 59. Mas dizer que eu vou pra l� para saber como �, como � que est�, isso n�o fa�o. N�o tenho esse jeito.

Ainda assim, � sua maneira, Johnny n�o deixaria de passar pelas paradas de sucesso.

Depois de mais algumas temporadas em boate e um terceiro Lp, na gravadora Mocambo, com arranjos de Jos� Briamonte (outro lan�amento de Alf), uma mudan�a radical: trocava, a partir de 65, o dia pela noite, passando a se apresentar menos em boates e mais em cidades do interior de S�o Paulo.

A descoberta do sol trouxe outra ainda mais importante: a de que a noite e os ambientes que freq�entava estavam entre os motivos de sua permanente depress�o. Inspirado por estas novas sensa��es, Johnny comp�s uma m�sica a pedido de um amigo que ia casar. Ela serviria de fundo musical, mas na igreja foi recusada, "para n�o quebrar a praxe do cerimonial religioso". A m�sica foi engavetada ainda sem t�tulo e sem letra.

At� que Johnny Alf - agora austero professor de m�sica do Conservat�rio Meireles em S�o Paulo - foi procurado pela cantora M�rcia. Ela queria inscrever-se no Festival da Record de 67, e precisava de uma m�sica. Alf tirou da gaveta, colocou t�tulo e letra em "Eu e a brisa" - desclassificada nas eliminat�rias, mas consagrada a longo prazo: pouco mais de um m�s depois, estranhamente, Eu e a brisa come�ava a tocar de forma insistente, e com seu sucesso projetava de novo o compositor � servia de prefixo � cantora.

O prest�gio do m�sico acompanhava um amadurecimento espiritual do homem. Al�m dos novos ambientes, Johnny Alf procurava especialmente Alfredo Jos� da Silva - o que havia de errado nele, e por que certas coisas inexplic�veis o envolviam:

- Entre uma e outra passagem nas boates tive muitos altos e baixos, cheguei at� a dormir na areia - o termo � esse -, desorientado. Nesses momentos, principalmente os piores, comecei a sondar mais os meus sonhos e, levado por amigos, a freq�entar sess�es esp�ritas. A princ�pio, desacreditando. Mais tarde, um guia me aconselhou a ler sobre espiritismo e um outro praticamente desvendou a chave de tudo, quando me fez a primeira pergunta: "Onde est� sua m�e?" Era um problema que eu trazia reprimido desde o in�cio da carreira, e ele foi direto ao assunto, sem perguntar mais. Descobriu, entre outras coisas, que ela tinha me feito, por engano, um "batismo de esquerda", isto � tinha me levado na quimbanda, onde reinam os maus esp�ritos, e eu estava sob influ�ncia deles. Se n�o foi a minha liberta��o (ele disse que eu precisava ainda de muitos trabalhos para me soltar), foi o princ�pio, o que me deu �nimo, e uma nova fase: "Vem da Aruanda vem, e traz/ a sua prote��o que eu quero paz/ e no dia que Zambi chamar, sofrimento tem fim,/ pois maldade no mundo � demais para mim" (Ka� Xang�); "Foi numa festa de santo/ quando eu cantei pra Xang�/ Calunga baixou e falou:/ Pra mim voc� n�o cantou!" (Promessa pra Calunga); "Sai da frente,/ deixa eu queimar tuia/ pra acabar demanda" (Can��o da demanda).

Uma novo ciclo musical que falava em nag�, e era desinibido e exteriorizado em outros temas, mais alegres: Garota da minha cidade, Decis�o, Eu e o crep�sculo - da trilogia iniciada em Eu e a brisa. Agora os sonhos est�o desvendados. Uma volta ao estudo de m�sica erudita, pensando em montar um musical inteiro - os sonhos se transportam e se materializam. Algumas recompensas: Oscar Peterson, pianista de jazz, assistiu a um de seus shows em S�o Paulo. Lalo Schifrin, o arranjador, gravou Rapaz de bem, "s� instrumental".

Nos �ltimos tempos, guardou tamb�m algum dinheiro, que, por exemplo, o desobrigou de aderir ao conjunto de guitarras, por imposi��o de uma gravadora, na �poca da Jovem Guarda. E, mais que um sonho, uma vit�ria quase despercebida do per�odo longo de dif�cil liberta��o:

- Posso dizer que fiz alguma coisa um pouco antes do resto do pessoal.


Recomendar com o Google +1: Recomendar esse artigo a um amigo Email

Artistas brasileiros:
Vera Fischer
Xuxa Meneghel

Cantores internacionais:
Madonna
Michael Jackson

M�sica Brasileira:
Bossa Nova
Rio, ber�o do choro

 

P�gina inicial do ALMA CARIOCA
Se��es:
Rio de Janeiro
Turismo no Brasil e Viagens Nacionais
Turismo e Viagens Internacionais
Esportes
Olimp�adas Rio 2016 - Jogos Ol�mpicos e Paraol�mpicos
Copa do Mundo Brasil 2014
V�deos musicais nacionais
V�deos musicais internacionais
V�deos clips de m�sicas cl�ssicas
Clipes musicais de filmes e trilhas sonoras
Melhores Sambas Enredo de Todos os Tempos
V�deos de Mantras para Relaxamento e Medita��o
V�deos de m�sicas rom�nticas internacionais e nacionais
Desenhos animados antigos da tv
Seriados antigos da tv
Trailers de filmes
Trailers de filmes cl�ssicos de maiores bilheterias
Restaurantes, receitas e gastronomia
Cr�nicas
Bossa Nova
Rio Antigo
Hist�ria Geral
Hist�ria do Brasil
Geografia, Biomas brasileiros e ecossistemas
Artistas e celebridades

comments powered by Disqus

Pol�tica de Privacidade - Fale conosco
� 2001-2017 - Copacabana Internet