Alma Carioca


Tia Tilinha

Maria Angélica Monnerat Alves

'Pour Elise'...

Esta música é, para mim, a síntese de sua existência.

Morava no Carmo (RJ), com minha avó, Lindoca.

Ao entrar na sua rua, ouviam-se,  já,  os sons do piano. A combinação exata do sol, dos odores das plantas, da cor dos flamboyants e do incrível número de borboletas, configurava um certo ar de magia ao local. E, ao fundo,  infalivelmente, 'Pour Elise'...

Aberto o velho portão, sua presença se impunha: nos muros,  pregadas,  latas de sardinha se transformavam em originais vasos de 'rosa mariquinha' e 'onze horas'. Flores, muitas flores, sempre!

Este ambiente de filigranas contrastava com sua figura avantajada e alta, incomum para uma mulher de sua época. Os cabelos levemente grisalhos, feitos em trança e recolhidos atrás, um olhar de beatitude infinita e um sorriso...ah! que sorriso!  Bondade na sua mais pura essência!

Os alunos se aproveitavam de suas breves idas à cozinha para driblar sua vigilância, pulando exercícios. Porém, com sua enérgica candura, ela os corrigia de imediato, por entre panelas e temperos... E praticamente todos os carmenses aprenderam a tocar piano com a D. Tilinha.

Solteira, aninhava à sua volta as crianças da família. E era a elas que, candidamente, sentada à cabeceira da mesa, pedia que lhe coçassem a cabeça. E, assim, dormitava ela, feliz.

No Natal, se excedia. Montava um presépio com o qual até hoje me pego sonhando! Empilhava assimetricamente vários caixotes e os cobria com uma espécie de lona escurecida. E aí espalhava os personagens do nascimento de Cristo. Nas suas mãos, bois, vacas, pastores e ovelhas adquiriam vida própria! Alpiste era colocado previamente sobre algodão umedecido para se tornar verdadeiro matagal. Espelhos, agora lagos profundos, refletiam a beleza dos cisnes...  E o musgo? Era o detalhe principal para mim: recolhido pacientemente por ela e algumas crianças nos fundos da casa, era colocado sobre a lona, fazendo-a pedra úmida. E todos os parentes, e todos os vizinhos apareciam para ver aquela obra prima.

Além de organista e “filha de Maria”, tinha, também, a seu encargo, a tarefa de confecção das hóstias da Igreja Matriz. Era o nosso Nirvana!  Após o corte circular, sobravam as preciosas arestas, que nos eram oferecidas... E o misto de medo e prazer que nos envolvia, ao saber que estávamos comendo hóstias, mesmo sabendo-as não consagradas ainda? (E se, ao mordê-las, elas sangrassem, como se afirmava naqueles tempos?)

À noite, preocupada com nossa saúde (sempre!), fazia, em minutos, uns biscoitos celestiais, losangos cortados com a carretilha de costura, pincelados com gema e salpicados de açúcar cristal....

Assim, docemente, nossa doçura vivia para, um dia, nos deixar órfãos...E quantos o somos!

Até hoje, porém, inesquecível, continua em nossos corações, auxiliando a todos que a ela acorrem em seus momentos de dificuldade...

Para você, que gostaria de tê-la conhecido, é simples, basta ouvir 'Pour Elise'.

(para Geraldinho)

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