Fazia
frio naquela manh� de outono, em 1995. Uma chuva fina
insistia em atrapalhar o passeio dos adeptos da caminhada. Para
compensar, os mercados estavam cheios, pois o tempo estimulava o
apetite. E, sem ter o que fazer, vamos �s compras.
Seria
mais um s�bado igual a tantos outros. Mesmo com chuva a turma dos bares
n�o deixou de aparecer no hor�rio de costume. O s�bado,
esperado com ansiedade durante toda a semana, era o dia ideal para o
sagrado ritual de beber alguns chopes, engordar uns quilos, aumentar a
taxa de colesterol
e reclamar do governo, do vizinho ou do companheiro ao lado. O
importante era n�o ficar calado.
A
turma do Diagonal l� estava, na �poca em que ainda se podia,
democraticamente, beber de p�,
encostado ao balc�o, dividindo espa�o com a mais rica fauna e flora da
regi�o.
Muita
conversa rolou at� o momento em que surgiu um daqueles vendedores de caranguejos.
Era normal, para alguns daquela turma, entre os quais me
incluo, comprar tudo o que aparecesse, desde queijos de proced�ncia
duvidosa mas de pre�o e sabor convidativos, at� artigos "Made in
Taiwan" leg�timos, que duravam, quando muito, at� o s�bado
seguinte. Mas caranguejos, e vivos, s� com muito chope.
E
foi o que aconteceu. Acabei comprando quatro ou cinco fieiras, pois j� me
preparava para ir embora e sabia o quanto minha mulher, como boa baiana,
apreciava aquele crust�ceo. Os bares nos ensinam o quanto � importante
fazer uma m�dia em casa para manter o habeas-corpus.
Caranguejos
no tanque, libertos das cordas que os torturavam, um pouco d'�gua para
mant�-los espertos, e vamos dormir para curar a ressaca.
O tempo passa,
acordo refeito e mostro � minha mulher, esperando os elogios,
o apetitoso presente que cuidadosamente trouxera para ela.
- Mas quem vai matar? Eu n�o mato. - disse decidida.
- Muito menos eu. - retruquei.
- Ent�o vamos solt�-los! dissemos juntos.
Esperamos
escurecer. A chuva, que come�ou logo cedo, continuava sem tr�gua.
Conseguimos encontrar uma bolsa resistente e
reunimos os mais de cinq�enta agitados bichinhos, com suas
garras (apetitosas) vibrando no ar, procurando algo, assim como um
dedo, para se agarrar.
E
l� fomos n�s para as margens da lagoa Rodrigo de Freitas, nas
proximidades do Clube Cai�aras, libertar aqueles que, pela madrugada,
morando em Mag�, nem imaginavam que mudariam para a Zona Sul t�o depressa.
Esta
hist�ria ficou guardada por todos esses anos e s� os que estavam
naquela manh� no Diagonal talvez dela ainda se recordem. A polui��o da
Lagoa, com a mortandade que ocorre freq�entemente, me fez
relembr�-la.
O
que teria havido com aqueles caranguejos e seus descendentes? Teriam
conseguido sobreviver desta vez?
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