Alma Carioca




OS CARANGUEJOS

Paulo Afonso Teixeira

Fazia frio naquela manhã de outono, em 1995. Uma chuva fina insistia em atrapalhar o passeio dos adeptos da caminhada. Para compensar, os mercados estavam cheios, pois o tempo estimulava o apetite. E, sem ter o que fazer, vamos às compras.

Seria mais um sábado igual a tantos outros. Mesmo com chuva a turma dos bares não deixou de aparecer no horário de costume.  O sábado, esperado com ansiedade durante toda a semana, era o dia ideal para o sagrado ritual de beber alguns chopes, engordar uns quilos, aumentar a taxa de colesterol e reclamar do governo, do vizinho ou do companheiro ao lado. O importante era não ficar calado.

A turma do Diagonal lá estava, na época em que ainda se podia, democraticamente, beber de pé, encostado ao balcão, dividindo espaço com a mais rica fauna e flora da região.

Muita conversa rolou até o momento em que surgiu um daqueles vendedores de caranguejos. Era normal, para alguns daquela turma, entre os quais me incluo, comprar tudo o que aparecesse, desde queijos de procedência duvidosa mas de preço e sabor convidativos, até artigos "Made in Taiwan" legítimos, que duravam, quando muito, até o sábado seguinte. Mas caranguejos, e vivos, só com muito chope.

E foi o que aconteceu. Acabei comprando quatro ou cinco fieiras, pois já me preparava para ir embora e sabia o quanto minha mulher, como boa baiana, apreciava aquele crustáceo. Os bares nos ensinam o quanto é importante fazer uma média em casa para manter o habeas-corpus.

Caranguejos no tanque, libertos das cordas que os torturavam, um pouco d'água para mantê-los espertos, e vamos dormir para curar a ressaca.

O tempo passa, acordo refeito e mostro à minha mulher, esperando os elogios, o apetitoso presente que cuidadosamente trouxera para ela.

- Mas quem vai matar? Eu não mato. - disse decidida.

- Muito menos eu. - retruquei.

- Então vamos soltá-los! dissemos juntos.

Esperamos escurecer. A chuva, que começou logo cedo, continuava sem trégua. Conseguimos encontrar uma bolsa resistente e reunimos os mais de cinqüenta agitados bichinhos, com suas garras (apetitosas) vibrando no ar, procurando algo, assim como um dedo, para se agarrar.

E lá fomos nós para as margens da lagoa Rodrigo de Freitas, nas proximidades do Clube Caiçaras, libertar aqueles que, pela madrugada, morando em Magé, nem imaginavam que mudariam para a Zona Sul tão depressa.

Esta história ficou guardada por todos esses anos e só os que estavam naquela manhã no Diagonal talvez dela ainda se recordem. A poluição da Lagoa, com a mortandade que ocorre freqüentemente, me fez relembrá-la.

O que teria havido com aqueles caranguejos e seus descendentes? Teriam conseguido sobreviver desta vez?

Esta crônica é dedicada ao Biólogo Mário Moscatelli.

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