Rola, sobe, desce, voa. Viaja pelo espaço
e cai em pés hábeis; gira, conduzida por chuteiras firmes e rápidas,
calçadas em pés ágeis nos quais se apóiam pernas musculosas e
miraculosamente bailarinas; deixa adversários para trás, evita-os, foge
ao seu alcance e vai, inapelavelmente, irresistivelmente, alcançar a
rede.
A bola anda e conduz o sonho. Da bola
castigada, de couro vagabundo ou simplesmente feita de meia, tocada nos
campinhos de várzea, à bola brilhante, cara, expressão da qualidade
das marcas notórias, jogada por craques ricos e famosos - todas as
bolas, qualquer bola leva sonhos.
Os sonhos de uma vida melhor se
confundem com a torcida pelo time, e se agigantam, confundindo-se
inevitavelmente com a nacionalidade. É o Brasil encarnado em futebol,
vestido de verde e amarelo, comemorando a vitória.
A bola conduz o sonho; a vitória
ultrapassa os limites do campo e invade corações e mentes. Alienação?
Certamente, mas insubstituível como mote para a alegria represada diante
da miséria, das dificuldades, da violência, da falta de trabalho....
Espetáculo acintosamente comercial? Sem dúvida, mas deliciosamente
eficaz quando mostra olhos marejados, braços que se agitam, sorrisos
escancarados que deixam para trás todas as censuras, lançando quase
todo mundo numa dimensão onírica onde a vitória é certa e saborosa.
Rola, quica, gira, voa a bola. Com ela
rolam e voam sonhos de milhões de brasileiros. Não sonhos megalomaníacos
de conquistas guerreiras; sonhos de vitória no campo mágico do futebol,
onde o Brasil se destaca, na ginga, na malemolência, no jeitinho posto a
serviço da felicidade coletiva.
Gente que se mobiliza; milhões, em
casa, na rua, na praça, que volta a ser do povo. Gente sorrindo
desdentada ou vestida de farrapos; gente que sofre, vibra, chora na iminência
de derrotas; mas, gente que ganha cada jogada, faz cada gol, ergue cada
taça, sentindo o gosto da vitória.
Bandeiras do Brasil perdem saudavelmente
sua aura de artificialidade oficial; viram panos belíssimos em seu
colorido; tecidos cuja marca simbólica passa a envolver corpos suados na
batida do samba. Rostos pintados de verde-amarelo se misturam na euforia
coletiva: crianças, jovens, adultos antes compenetrados e velhos antes
alquebrados, todos se pintam no ritual, pagão mas sacrossanto, do êxito
conquistado nos gramados.
Brasil campeão do mundo. Pentacampeão,
numa conta fácil de fazer até mostrando apenas os dedos das mãos, que
se agitam, empunham bandeiras, que apertam outras mãos, igualmente
brasileiras, igualmente campeãs.
Brasil da vitória. Brasil dos abraços,
beijos, danças - das comemorações difíceis de igualar por qualquer
povo.
É hora de gozar a vitória, Brasil.
Quase tudo pode, quase tudo vale. A taça conterá um néctar dos deuses
para quem adora futebol, ou apenas uma bebida deliciosa para os
relativamente poucos que apenas arriscam uma olhada aqui e ali nas telas
de TV, levados de roldão pela euforia geral. Taça erguida por um mulato
brasileiro depois de subir irreverentemente no pódio improvisado,
elevando o país do futebol ao topo do mundo.
Aproveite, Brasil. A bola rola, voa e
invade caprichosamente as traves austeramente germânicas, estufando,
engravidando as redes adversárias e gerando o grito de gol. Um grito
represado, contido nas gargantas, e que agora se liberta na catarse de um
país belo, generoso e apaixonado.
Amanhã? É outro dia. O cotidiano da
labuta, das obrigações, do sofrimento, da miséria, das dívidas parece
estar a anos-luz deste momento saboroso e inesquecível.
Hoje é o dia do sonho, que a bola
conduz, voando por cima de cada cidade, grande ou pequena; por sobre os
casebres ou habitações luxuosas; sobre condomínios e favelas; na
caatinga, no serrado; por sobre montes, rios, lagos, plantações,
estradas, fábricas, lojas; sobre tudo, enfim. Hoje é dia de um sonho
embalado pela conquista.
Brasil pentacampeão! Valeu, craque no
Japão! Valeu, humilde torcedor! Os sonhos voam com a bola. E sonhos
jamais acabam.
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