Pode ser suave, e apenas roçar os pêlos
do braço, como um carinho inesperado. Mas pode também ser violento,
brutal, e arrancar casas de seus alicerces e árvores centenárias dos
lugares onde esperavam ficar até fenecer.
O vento é assim: belo, poderoso,
imprevisível, contraditório.
Sentir o vento é sentir a vida. Nosso
alento é ar movido pelos deuses para dentro de nossos pulmões - um
sopro delicado, âmago da criação. É comovente observar o sobe e desce
cadenciado da respiração movendo o peito da mulher ou do homem amados,
adormecidos e presas da languidez inevitável que sobrevém depois do ato
de amor. Este é o vento manifestado em paixão.
Ouvir o vento assoviar nas frestas da
janela em noites de chuva é como ouvir uma sinfonia magistral executada
pela natureza. Eis o vento em solo vigoroso fazendo penetrar em nossos
ouvidos a música composta para se escutar com a alma em longas e solitárias
madrugadas.
Dá gosto ver o vento brincalhão, o
vento-menino, que tira a folha outonal lá de cima do último galho da árvore
e dança com ela uma linda valsa de movimentos suaves, sobre ondas invisíveis,
e leva-a até ao chão, onde a deposita com o cuidado e a delicadeza de
que só são capazes os querubins.
Coisa belíssima é ver o vento enfunar
a vela de um barco que singra o mar numa dessas manhãs de inacreditável
azul. O pano da vela finge resistir ao irresistível; o mastro parece
fazer um esforço imenso para não vergar, enquanto o panejamento da vela
se enche; desse duelo vem a força que move o barco com determinação e
leveza sobre a superfície espelhada das águas translúcidas.
Dá medo ver a violência do vento
convertido em furacão. Dir-se-ia que é um louco em fúria destruidora,
e nada há que resista: tudo é arrastado, se parte, se arranca; o vento
mostra-se, então, uma força terrível que age em nome de uma natureza
vingadora.
Há um vento maroto e impudico que
levanta a saia das mulheres, vento cúmplice dos olhares de desejo. O
tecido leve nunca se ergue à primeira lufada; não, ele vai subindo um
pouco de cada vez, driblando as mãos que inutilmente tentam (às vezes
sem muita convicção e vontade) evitar o movimento que desnuda.
Finalmente, sobrevém a vitória do vento sem-vergonha, e as partes
ocultas pelo pudor se mostram, eternizando o jogo libidinoso que dura
desde a expulsão do paraíso...
Que dizer do vento-poeta? Esse vaga, com
olhos brilhantes de amor, pelos jardins. De repente, pára ao encontrar
uma rosa rubra e de pétalas ainda úmidas do sereno da noite. Com elegância,
tal vento apaixonado pelas musas vai despetalando delicadamente a flor,
enquanto versos inaudíveis ecoam no peito de todos os amantes.
Existem ainda os ventos de tão longo
alcance que envolvem a Terra em sua amplidão. O astro azul mantém-se
agasalhado graças aos ventos, que fazem circundar pelo planeta as nuvens
brancas, imensas e alvas, longuíssimos mantos a proteger a morada dos
homens em sua vertiginosa viagem pelo espaço infinito.
Vento amigo ou vento ameaçador; de vida
ou de morte; forte ou suave. Maravilha que assovia de encontro ao
arvoredo; que lança as ondas contra os rochedos; que nos acaricia o
rosto nas manhãs de outono, lembrando-nos como é gostoso poder sentir,
como é maravilhoso poder viver.
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