Lisboa dispõe de bucólicos atrativos arquitetônicos, decorrentes de miscigenada influência de diversas culturas que a povoaram. A capital portuguesa mantém uma atmosfera cativante, atraindo crescente leva de turistas do mundo inteiro. A gastronomia lusitana, regada a saborosos vinhos originários das aldeias tradicionais, reserva delicioso manjar dos deuses aos paladares mais exigentes, uma doçura para deixar qualquer visitante com água na boca. O ‘pastel de Belém’
(ou ‘pastel de nata’), iguaria com marca registrada há quase 200 anos, é referência ‘copiada’ no mundo inteiro, porém jamais ‘igualada’, segundo o merchandising local,cujo segredo é guardado a sete chaves na ‘Antiga Confeitaria’ da Rua Belém, 84 a 92, bairro homônimo mais típico da capital lusa, à margem do rio Tejo.

Os famosos pastéis de Belém
A história ‘oficial’ do Pastel de Belém remonta ao ano de 1837, quando um monge do Mosteiro dos Jerônimos repassou a receita aos donos de um loja de doces registrada, desde a época, como “Antiga Confeitaria de Belém Ltda”. Os atuais proprietários, da família Clarinha, são descendentes dos fundadores: Pedro( pai), Miguel(filho) e Penélope(sobrinha) e revezam-se na administração da casa, cujo lema é “Pastéis de Belém, o sabor da tradição”. Convenhamos que você encontrará deliciosos pastéis de nata em diferentes cafés e pastelarias lisboetas(e do mundo inteiro), sem que se igualem, entretanto, aos ‘originais’, servidos ainda quentinhos, povilhados com canela e açúcar.

A disputa por essa maravilha portuguesa é constante
REVOLUÇÃO ‘LIBERALIZOU’ O PASTEL DE
BELÉM
A chamada ‘Revolução liberal do Porto’, em 1821, ensejou nova realidade sociopolítica a Portugal, inclusive com o retorno da Corte a Lisboa, desde 1808 instalada no Rio de Janeiro. O movimento pôs fim ao histórico ciclo absolutista das elites no país, em particular a Igreja Católica e seu braço de ferro do Santo Ofício. Os monastérios perderam prerrogativas, por exemplo, de domínio espiritual e temporal sobre os cidadãos, auferindo subsequentes lucros. A receita do ‘pastel de Belém’, originária do mosteiro dos Jerônimos (fechado em 1834), acabou vendida por um monge pasteleiro ao negociante português Domingos Rafael Alves, então chegado do Brasil, que passou a comercializar a ‘santa’ iguaria, até então um produção de exclusividade clerical, atividade até hoje mantida pelos descendentes.
Belém e Lisboa separavam-se, até o século XVIII, por um canal da Fo do Tejo, e barcos transportavam transeuntes de uma margem a outra. De um lado, os belenenses, com sua imponência econômica e religiosa, e do outro, os lisboetas. A história dos pastéis de Belém, a partir da Revolução Liberal, passou a ser escrita além das paredes vetustas dos mosteiros, ganhando as ruas e preferência popular. O crescente acesso dos moradores de Lisboa e de outras terras ao Mosteiro dos Jerônimos e à Torre de Belém contribuiu para consolidar a fama e o sabor inigualável dos pastéis de nata e sua receita ‘misteriosa’. Embora esse tipo de pastel seja fabricado na maioria dos cafés de Portugal, o legítimo(e patenteado), ‘sempre imitado,mas nunca igualado’, é o da ‘Antiga Confeitaria de Belém Ltda’.

A preparação dos Pastéis
A RECEITA, UM ‘SEGREDO DE ESTADO’
Cento e quarenta funcionários da ‘Antiga Confeitaria’ trabalham diariamente na produção de 15 mil pastéis, cuja receita é hoje preservada a sete chaves pelos mestres Carlos Martins, Ramiro e Vítor Domingos, em quase bissecular acordo de confidencialidade., celebrado sob juramento, entre as quatro paredes da ‘ Oficina do Segredo’, proibido o acesso a estranhos. Há pouco, em 2011, o Pastel de Belém foi eleito como uma das sete maravilhas da gastronomia portuguesa.
Os atuais donos da marca, decididos a manter a mística do ‘verdadeiro’ pastel de Belém, resistem espartanamente à possibilidade de expansão de sua loja(que dispõe de 500 lugares para o público), através de filiais ou franquias, a fim de evitarem a formação de outros mestres no compartilhamento do histórico segredo. Todavia, a família Clarinho projeta a instalação de um museu, nas dependências da loja, para exibição do acervo de antigos equipamentos na produção da iguaria.
CURIOSIDADE ATROPELADA
Conta-se que um cliente da ‘Antiga Confeitaria’, de nome Mário Dias, alegando indisposição estomacal após consumir meia dúzia dos apetitosos pastéis, dirigiu-se por escrito aos proprietários, pedindo-lhes a receita do produto, a fim de detectar qual o ingrediente que lhe fizera mal.
Em sutil e definitiva resposta, a empresa afirmou que “em toda a nossa história(desde 1837) não temos qualquer registro de algum cliente indisposto por ter-se empanturrado com os Pastéis de Belém. Nosso pastel é composto por ovos, farinha e leite. Fazemos votos por suas rápidas melhoras e esperamos uma próxima oportunidade para melhor servi-lo.”
E mais não foi adiantado ao cliente metido a esperto, que teria voltado ao estabelecimento e consumido generosas porções do Pastel de Belém, sem qualquer consequência gastrointestinal.
Créditos:
Matéria de Antônio Júnior com exclusividade para o site Alma Carioca
* Antônio Júnior, jornalista, é nosso correspondente na Europa.
|