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Rog�rio Barbosa Lima
Tirante dois ou tr�s barezinhos nas proximidades da Rua Dom Pedrito, pras bandas
do Jardim de Al�, e o Clipper, em frente � garagem do 12, a maioria dos botequins
importantes do bairro, bem como os rar�ssimos restaurantes tidos como tais, ladeavam a
pracinha ou situavam-se mais para o final do Leblon, quase sempre ao longo da Av.
Ataulfo de Paiva.
Em frente ao Clipper, o neguinho Miquimbira fez-se de morto. Cobriram-no com
um len�ol surrupiado da casa do Paulo Perinha e cercaram a trouxa com velas acesas. Os
passantes olhavam consternados para o suposto defunto. Um ou outro, mais comovido,
indagava da causa do �bito e j� havia uma rodinha em volta, com as pessoas sussurrando
respeitosamente. Foi quando o Pestana, atropelando o script, enfiou por baixo do len�ol,
juntinho � cabe�a do "falecido" uma cabe�a-de-negro das grandes. No que o Miquimbira
ouviu aquele ssshhhh bem perto de sua cara, pulou igual tiziu no arame farpado, atirando
longe a mortalha e fugindo espavorido em dire��o � praia, a tempo de escapar do estrondo.
Os participantes do improvisado vel�rio, ao se darem conta do logro, j� estavam surdos e
envoltos em espessa n�voa, prometendo vigan�as terr�veis. A uma senhora mais assustada,
tiveram que acudir, trazendo cadeira e �gua com a��car.
Fora do eixo principal e igualmente merecedores de men��o espec�fica, havia o
Col�mbia e o bar do Hotel Leblon, na praia e, logo em seguida ao muro do 8o GMAC, o
Mem�ria, recentemente demolido para dar passagem � malfadada "Via dos
Rastaq�eras"
Foi no Mem�ria, not�vel pela decora��o neocolonial, que o Almir advogado,
empolgado com a narra��o dos pormenores de uma defesa do China, que ele presenciara,
pouco antes, na praia, tentou imit�-lo com movimentos de tal modo realistas, que acabou
por escorregar no ladrilho molhado, estatelando-se em plena cal�ada. No confuso trajeto de
seu involunt�rio v�o, atingiu de rasp�o uma garotinha que passava, levada pela m�o do pai,
ferindo-a levemente no rosto. N�o bastasse o salto estouvado e a inesperada colis�o, o
improvisado goalkeeper, atordoado, deixou-se ficar prostrado, de costas, no ch�o, as pernas
abertas, com os ovos bem vis�veis, escapulindo cada qual por um lado do diminuto cal��o
de banho, atemorizando ainda mais a crian�a. Otto, vendo Almir im�vel, julgou-o
desacordado, e toca a despejar sobre sua cabe�a copos e copos de cacha�a e de cerveja, no
intuito de despert�-lo. Coca, b�bado como os demais, por�m notando a parvo�ce do pai,
sem iniciativa diante de cena t�o pat�tica, tratou de puxar a menina para dentro, prestimoso
nos cuidados, exigindo do Portugu�s um caf� forte, sem a��car. Este, atarantado com a
bulha, derramou o l�quido fervente numa x�cara tirada diretamente do esterilizador, que
Coca, pessoalmente, muito pressuroso e um tanto tr�mulo, levou � boca da pequerrucha,
queimando-lhe os l�bios e fazendo-a chorar. Incomodada com a queimadura, o esbarr�o, a
dor intensa, a garota, em desespero, correu para fora do bar, agarrou-se ao pai ainda
embasbacado com a algazarra e suplicou-lhe:
- Pai, me tira daqui, que eles querem me matar!
As paredes dos botecos de ent�o eram valorizadas por pinturas sobre os azulejos,
compar�veis aos afrescos de Giotto, nas quais os Michel�ngelos locais despejavam uma
torrente de impress�es em pain�is enormes, colorid�ssimos, reproduzindo motivos
paisag�sticos que evocavam o torr�o natal dos orgulhosos propriet�rios dos
estabelecimentos. O mais inspirado dos artistas dispon�veis na pra�a era, na verdade, uma
firma, ilustre dupla, cuja assinatura remetia a um conluio heredit�rio: "Newton Bravo &
Pai".
Era o caso do Paraizo, ao lado do edif�cio Giglio, no qual moravam Rubinho e Ruth,
ponto de encontro da turma do Iapetec e da General Artigas, mas que, por fechar um pouco
mais tarde, recebia retardat�rios de todos os cantos, inclusive motoristas e trocadores das
linhas de �nibus que faziam ponto final na cal�ada oposta, junto ao armaz�m do pai do
Dario, do Neca e do Lilico. Vai um dia, o Ciranda, sem que ningu�m percebesse, amarra
fortemente a um �nibus a carrocinha de sorvetes do Manuel que, ap�s um dia estafante,
revigorava-se com gorda sopa de legumes, sem olhos para outra coisa que n�o fosse o rico
bocado. Alertado por um transeunte, viu seu instrumento de trabalho sair pelos ares
bamboleando, perseguindo surrealisticamente o coletivo, que se afastava em alta
velocidade, frustrando qualquer iniciativa do bom homem que, injusta e inesperadamente,
descarregou sua ira contra o belo caldo que, at� ali, sorvera satisfeito. E berrava:
- Esta sopa est� uma choldra!
De outra feita, o mesmo Lu�s Ciranda, valendo-se da distra��o do motorista, que
fora ao mict�rio, tomou o volante do 108, o Gostos�o e saiu fazendo estripulias pelas ruas
pr�ximas. A pol�cia, avisada pelo trocador, partiu ao seu encal�o. Na esquina da Rua
Afr�nio de Mello Franco com a praia, onde n�o havia degrau no cal�ad�o, o Chico Landi de
araque entrou com o ve�culo areia a dentro, tirou toda a roupa, fez fiau para os meganhas e
atirou-se ao mar, desembarcando, muito tempo depois, em frente a uma das ruas que
atualmente t�m nome de general sul-americano.
A Bibi, na pracinha, reunia, al�m das turmas do Gr�mio e do Monte Castelo, gente
das redondezas, menos dependentes do futebol, como os intelectuais Porf�rio, Reinaldo
Tirolo e Pat O'Brien. Ali, mais de uma vez, o Br�s, tendo ganho boladas no j�quei,
patrocinou excurs�es pelos principais rendez-vous do Rio, e os "fechava", para alegria dos
convivas, inclusive do Gast�o, cujas dificuldades locomotoras exigiam o concurso de dois
amigos para p�-lo a gosto sobre a atendente, quando ent�o berrava "larga" e contorcia-se
todo, que nem na dan�a de S�o Guido. Certa feita, o generoso Br�s presenteou cada mo�a
com uma geladeira - uma Kelvinator, das boas - e, a�, "fechou" a casa, a rua, quase
"fechou" o bairro inteiro. Nesse dia, Porf�rio, sob os efeitos do �lcool e da concupisc�ncia,
entendeu mal uma explica��o que Br�s lhe dera sobre uma partida de mercadorias
negociada com o governo federal e fez publicar, no dia seguinte, na "Tribuna da Imprensa",
onde trabalhava, um texto amb�guo sobre poss�vel suborno intermediado por dona
Santinha, a incorrupt�vel esposa do Presidente Dutra. Quase foi esganado. Por isso, talvez,
o Boni, que chegava ao bar fazendo cavalo de pau em seu Mercury Eight, para
impressionar Marilena, Adalgisa e as outras garotas, atirou no Porf�rio uma tremenda
cabe�a-de-negro, quase matando-o de susto. Este, que tinha acesso aos figur�es da
rep�blica, contactou, em Barbacena, o tio do terrorista, o pr�prio Jos� Bonif�cio,
denunciando o atentado perpetrado pelo sobrinho. S� muito mais tarde, o herdeiro do
abolicionista dar-se-ia conta de que Porf�rio dispunha de seu n�mero de telefone secreto,
particular, liberalismo excessivo, mesmo para o esp�rito de um Andrada.
Onde � hoje a Pizzaria Guanabara, ficava o Tr�s Vinte, do rec�m-chegado e imberbe
comim Chico Recarey. Chamava a aten��o geral a pontualidade com que o Sans�o exigia
seu jantar: �s sete em ponto, sob o olhar terno de seu dono Ivan Bundom, o descomunal
pastor alem�o lan�ava as patas sobre o balc�o, engolia de uma s� bocada o seu quinh�o e ia
lamber-se e co�ar-se satisfeito perto do hidrante. Um dia, Ivan Bundom, incomodado com o
atraso no cozimento do fil� e mais embriagado e desequilibrado do que de costume, cismou
que o animal tinha sede e merecia servi�o requintado, e porque o gar�om n�o ousava
aproximar-se da fera, encheu a pia, vedou o ralo de sa�da e arrancou-a da parede com sif�o
e tudo, levando-a at� o bicho, sob os protestos in�teis de Recarey, que implorava:
- A pia n�o, seu Bundom. A pia n�o, por favor.
Estava em voga �quela �poca uma prova de habilidades, � moda das gincanas, para
ver quem terminava mais rapidamente a sua tarefa. A um dos contendores tocava comer
duzentos gramas de queijo parmes�o, do leg�timo, bem farinhento e duro. O advers�rio
deveria tomar toda a cerveja entornada em um prato fundo, utilizando uma colherzinha de
caf�. O Mirandinha, de Copacabana, um dos raros estrangeiros bem-vindos, meteu-se numa
porfia na qual lhe coube dizimar o queijo e vencer o laureado Roberto Cabeleira, o que lhe
custou certa amarelid�o nos olhos e um mal-estar nas entranhas, n�o o impedindo,
entretanto, de consumir, em seguida, um pratarraz de ling�i�a com cebolas e algumas
canecas de vinho. O duelo teve lugar num botequim na esquina da Rua Aristides Esp�nola
com a Rua Dias Ferreira, que se convencionou chamar de Gat�o, em alus�o � vasta
bigodeira de seu gar�om principal. Naquele dia, abancou-se em mesa cont�gua � de nosso
glut�o uma gorda senhora que, de pronto, pediu sandu�che de pernil, caprichado. O
Mirandinha continuava a comer desbragadamente, quando lhe escapou um flato medonho,
devastador, se bem que inaud�vel. Neste exato momento, a digna senhora iniciava a
degusta��o de seu manjar. Surpreendida pelo odor repugnante que empestou o ambiente,
atirou ao prato, com asco, o rico pit�u e gritou para o gar�om:
- Mo�o! Este pernil est� podre. Pode devolver que eu n�o vou pagar.
Do outro lado da Dias Ferreira, no pr�dio em que morava Renato Soldon, situava-se
o La Molle do Sr. Francesco, que administrava as tr�s mesas da lojinha com o aux�lio da
mulher e de um rapazinho baixote, uma esp�cie de factotum, chamado Chico, que acabou
por ficar com a vi�va, o fundo de com�rcio e tudo o mais, transformado, gra�as ao seu
empenho, num rendoso neg�cio espalhado por v�rios pontos do Rio de Janeiro, e que,
agora, como todas as empresas franqueadas, terceirizadas e privatizadas segundo os
crit�rios adotados no pa�s, virou uma grossa porcaria, com produtos t�o abomin�veis quanto
o fast food dos Macdonalds da vida.
O Col�mbia, �nico bar da praia, pr�ximo ao Cinema Miramar, ocupava o t�rreo de
um pr�dio em que funcionou uma cl�nica m�dica e, mais tarde, o hotel de dona Raquel, no
qual se hospedavam jogadores do Flamengo, como Dequinha, e o t�cnico Kanela, que,
depois, se mudou para um pr�dio de luxo ao lado do cinema, ali abrigando, por algum
tempo, famosos craques do basquete, como Vlamir e Rosa Branca. Tratava-se de um
estabelecimento cosmopolita, com clientela mais refinada e tinha servi�o de melhor
qualidade. N�o se prestava � gaiatice das tascas, embora ali o Dr. Cat�o tenha sido
esfaqueado por um tal Zezinho Sapateiro, em meio a uma alterca��o por quest�es f�teis.
Em mat�ria de restaurantes, fora o citado La Molle, o Look, colado � pracinha,
ainda resiste; dele pode-se dizer que sempre serviu a contento e ainda mant�m as
caracter�sticas de restaurante das fam�lias e das pessoas idosas (n�o foi, nem � lugar para se
beber). O M�rio gar�om, apesar da carranca, � um bom sujeito, com a virtude maior de
torcer pelo Flamengo.
A principal casa de pasto, onde se preparavam as melhores comidas era, decerto, o
Recreio, do velho Manolo, pai da Generosa e do Luizinho que, muito mais tarde, conduziu
com brilho o Le Coin. O Recreio possu�a portas de vaiv�m a exemplo dos saloons dos
filmes de faroeste e reservados com mesas escondidas por tabiques de madeira escura,
sugerindo possibilidades de romance e conspira��o. A ampla parte cont�nua, com ch�o de
ladrilhos, tinha mesas e cadeiras de pau, cobertas por toalhas muito brancas e limpas. O que
impressionava mesmo, sem desdouro para os outros acepipes do sortido card�pio, era o filet
mignon, majest�tico, monumental. Para se ter uma id�ia justa das dimens�es carnais,
celestiais, sensuais de t�o famosa pe�a, basta dizer que, em 1955, quando o Flamengo
tornou-se tri-campe�o, superando o Am�rica por 1 X 0, gol de Evaristo, e, � sa�da do
Maracan�, uma multid�o incalcul�vel cantarolava uma par�dia de famosa marchinha de
carnaval ("Recordar � viver, o Flamengo n�o pode perder"), eu, Dario e outros caras, ap�s
uma luta insana para conseguir �nibus para o Leblon, ao desembarcarmos em solo p�trio,
decidimos que a �nica coisa que nos reconfortaria e, ao mesmo tempo, a �nica recompensa
capaz de sacramentar o triunfo seria o fil� do Manolo, sem bebida, sem mais nada; e
atiramo-nos a ele e o devoramos com vol�pia.
O cen�rio das hist�rias mais cabeludas foi, sem sombra de d�vida, o Ast�ria
(quando os invasores institu�ram os tais baixos, virou RA). Deu nome ao time de praia que
precedeu o Gr�mio, cujos jogadores e simpatizantes constitu�am o grosso de sua clientela,
juntamente com a rapaziada das redondezas. Era o ponto de refer�ncia do final do Leblon e
l�, na mesa principal, com sua sat�nica ubiq�idade, preponderava Amado Benigno. Outra
presen�a famosa era a de Frank, marido da Yara Vaz, bizarro, bo�al, mas extremamente
divertido. Seu apelido era Tarzan, porque, ao volante do lota��o, comia intermin�veis
cachos de bananas e falava aos passageiros aos grunhidos; tamb�m, s� parava onde lhe
dava na telha. Uma vez, estacionou o ve�culo no Jardim de Al� e cismou de cavalgar o
burrinho de aluguel que, obviamente, n�o suportou o peso de seu corpanzil. N�o se fez de
rogado; olhou firme para o animal e disse-lhe: "N�o me levas, levo-te eu". E saiu andando
com o bicho �s costas, e o pobre a ornear, zurrar, falto de for�a, rogando para apear. No
Ast�ria, Frank promovia perip�cias n�o menos prosaicas e grotescas: engolia um ovo
cozido inteiro, tomava por cima dois copos de cerveja, regurgitava e presto! L� vinha o ovo
de volta, inteirinho. Em seguida, pachorrentamente, comia-o, aos peda�os, acrescentando
algumas pitadas de sal. Em volta, alguns amigos vibravam, outros sofriam n�useas e
contra��es.
Quem se dispuser a verificar nos dicion�rios o significado do verbete "coprolalia" -
o que � recomend�vel antes de tomar ci�ncia do trecho que se segue - deve, caso se espante
com a defini��o, abster-se de l�-lo.
Eia, pois, valoroso Johann Faber, trate de amenizar o vigor da exposi��o para os que
se aventurarem a saber o que sucedeu ao Misgueti, mulato longil�neo, malandro da Lapa
que, circunstancialmente, circulava pelas redondezas do Ast�ria, sempre enfiado em
elegantes e coloridos ternos de linho, chap�u coco e sapato de duas cores, ao encontrar-se
com Peri, homossexual que desfilava pelas cal�adas com um cachorrinho mi�do no colo,
cheio de trejeitos efeminados (imitando os an�ncios das Casas Pernambucanas - "o tecido
que n�o encolhe"), jactando-se, em voz alta, de suas singulares virtudes:
- Peritot�, o c... que n�o alarga!
Fizeram pouco de suas habilidades, que n�o era capaz de encarar o Misgueti, cujos
atributos eram louvados em seca-e-meca. Sua resposta foi de um atrevimento s�:
- Quem duvida, perde a vida, come casca de ferida. Manda vir!
Diante da insol�ncia, Misgueti - que se orgulhava de ter tido seus "predicados" mais
de uma vez, recusados at� por mulheres experientes da Rua Alice -, topou a aposta. Noite
alta, as portas do bar arriadas, o c�ozinho dormitando no fundo da cozinha, uma d�zia de
pessoas cercava a cadeira em que Peritot� sentou-se no colo do outro e, ap�s ajeitar-se com
cuidado, provocou:
- Viu. Tirei de letra.
Irritado, Misgueti apoiou as m�os nos ombros do arrogante e puxou-o com for�a
para baixo. Mais impressionante do que o bramido lancinante de dor emitido por Peri, foi o
som cavo, estertorado que saiu da garganta do garanh�o, praguejando ao perceber as
manchas que se alastraram pelo imaculado terno rosa, emporcalhando as cal�as do c�s at� a
bainha. Teve de ser contido pela plat�ia para n�o esganar Peri, que mal se punha de p�,
l�vido, a um canto, reclamando, pelo amor de Deus, uma toalha limpa e compressas de gelo.
Alguns anos mais tarde, outra cena pat�tica enriqueceria o universo rodriguiano que
envolvia o Ast�ria. Ap�s uma noitada de muito palavr�rio e conhaques, uma comitiva
tr�pega deixou o bar caminhando em dire��o ao canal deserto, deparando-se, na esquina da
Rua Igarapava, com um alentado despacho de macumba. Hans, que bebera demais e nada
comera, atracou-se � farofa e arrematou a pinga inteira e, depois de vomitar tudo, caiu
b�bado no asfalto, engrolando uma algaravia tortuosa. Amado, a quem ele sempre recusara
a carna��o tropical de efebo, nunca o tivera t�o � sua merc�. Abaixou-se e beijou na boca
babada o seu anjo louro.
N�o se pense, no entanto, que tais personagens e todos os seus contempor�neos
viviam a pregar pe�as, a dizer chistes, a desafogar sua lubricidade a qualquer hora do dia,
ou que todos os freq�entadores dos bares tivessem uma hist�ria picante para contar. Cuidei
de acrescentar � narrativa flashes ilustrativos de epis�dios extravagantes, no intuito de
tornar mais acess�vel a excurs�o pelos bares de outrora, tentando contornar a aridez
descritiva. O relato da naturalidade dos comportamentos e desempenhos antes reflete a
espontaneidade e o descontraimento da trupe. Aqueles mesmos botecos, quando necess�rio,
revestiam-se de quieta��o de retiro para acolher uma troca de confid�ncias, para propiciar o
rito compat�vel com um pleito mais cerimonioso, ou, t�o somente, do sil�ncio apropriado �s
conversas descompromissadas, � consagra��o de uma cr�nica amena da vidinha singela que
compartilh�vamos, inclusive, com os outros caras do bairro, abst�mios, as mo�as, os
idosos, as crian�as, que encontr�vamos nas esquinas, na praia, no bonde. O importante �
que depend�amos somente de n�s mesmos. � isto: n�s nos bast�vamos; o mesmo cast, no
mesmo set de filmagem; ou, quem sabe, por ser assim.
O lacre foi violado nos anos sessenta com a invas�o da gente famosa. Longe de mim
criticar as qualidades profissionais, intelectuais, art�sticas, de t�o renomados m�sicos,
atores, literatos, intelectuais, que n�o � disto que trato aqui (ainda que alguns deles
procedessem como rematados babacas), mas o s�quito de tietes, bajuladores, mulheres
esgani�adas, falsos b�bados, moscas de padaria e quejandos, a pular de galho em galho,
falar alto, aporrinhar, acabou por fundar templos ex�ticos a cultuar h�bitos e valores que
nada tinham a ver com os dos abor�gines, e surgiram, ent�o, os Lunas, Antonios e Degraus.
Hoje, elegem o melhor botequim, o gar�om mais expedito, o chope mais gelado, o
quitute mais delicioso (a preocupa��o com comida em botequim � detest�vel) e, no dia
seguinte, est� l�, para conferir, o greg�rio com a mulher - que n�o gosta, mas segue a moda
- a sogra desorientada e os petizes contrafeitos (mulheres e crian�as s�o ador�veis em quase
todas as circunst�ncias, mas inoportunos em botequins; c�es e gatos, uma vez que
sosseguem, s�o toler�veis). � tudo t�o impessoal, que os chamados formadores de opini�o
determinam roteiros, estabelecem gloss�rios e a carneirada vai l� fingir que � feliz. Fossem
ao z�o, ao cinema, daria no mesmo. O parceiro do lado � o que menos importa.
A n�s, importavam os nossos, e quer�amos exclusividade, como a uma mulher
especial, uma conga amaciada, pra jogar bola, coisas que n�o se compram feitas. Fora dos
momentos de farra, sonh�vamos com um lugar sem rebuli�o, com amigos por perto, em que
pudesse cada um gozar seu isolamento como lhe aprouvesse, - simbolicamente ou n�o -
preparando-nos para a morte, optando entre cirrose, pancreatite ou insulto apopl�tico, sem
palpiteiros escolhendo por n�s, sem barulhentos a impedir a concentra��o. Quem apreciasse
a zoeira, a balb�rdia, comparecesse � Parada de 7 de setembro ou ao Maracan�. Depois, se
quisesse, vinha descrever. Ouvir�amos com a simpatia poss�vel e at� mostrar�amos
interesse, perguntando a respeito de um ou outro detalhe, desde que contassem sem
sonoplastia e, naturalmente, de forma sucinta.
O incensado Bracarense n�o existia. Posso me lembrar dele por volta de 1970, o
Jo�o Ubaldo (certamente a melhor aquisi��o do bairro), rec�m-desembarcado de Itaparica,
tomando umas biritas no hor�rio dos profissionais. Ainda era um boteco sofr�vel, tendo a
geri-lo um sujeito simp�tico, o Benjamin, que est� l� at� hoje, um velho idiota, que fez uma
grosseria inomin�vel com o Ronaldo Bon� e, por conta disso, recebeu o merecido corretivo
na forma de um bem aplicado telefone, e um terceiro, de nome Armando, conhecido como
"jumento com h�rnia", pela tridimensionalidade da deforma��o e pelas maneiras toscas ao
lidar com a freguesia. Este teve fim tr�gico e lament�vel, o que, todavia, n�o justifica a
sofreguid�o com que foi elevado �s alturas de um S�o Francisco das Garrafas por um
grupinho de id�latras que s� faltou ir a Roma pleitear sua beatifica��o. O que o �lcool n�o
faz com gente que leva a s�rio as empulha��es do "Fant�stico"!
Texto extra�do do livro "O ANTIGO LEBLON - Uma Aldeia Encantada - Cr�nicas" - Rio de Janeiro
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