Alma Carioca - Rio Antigo

Leblon - Corrida de automóveis - Circuito da Gávea  

Foto gentilmente cedida por Rogério Barbosa Lima,
autor do livro "O ANTIGO LEBLON - Uma Aldeia Encantada"

O "Circuito da Gávea", inaugurado em 1933, foi planejado com o auxílio do automobilista Manuel de Teffé, recém-chegado da Europa, onde obtivera certo êxito. A pista, idealizada para fugir da mesmice das retas e partes planas, estendia-se por uma variedade de pisos de paralelepípedo, asfalto, terra e cimento, a partir do Hotel Leblon, subindo a Av. Niemeyer, contornando o morro Dois Irmãos, via Rocinha e Estrada da Gávea e retornando pela Marquês de São Vicente até desembocar outra vez no canal da Visconde de Albuquerque, a reta principal, a reta final. Um trajeto empolgante, com uma sucessão de rampas acentuadas, precipícios e curvas de raio fechado, como o famoso "S", em cujas proximidades os corredores alternavam, subindo ou descendo, dezesseis curvas perigosas.

O pavilhão de chegada, em frente ao hotel, abrigava o serviço de cronometragem, os juízes, as comissões técnicas, autoridades e convidados. A poucos metros dali ficavam os boxes de abastecimento e reparos das baratinhas.

O percurso, de início, previa vinte voltas de onze mil, cento e sessenta metros, totalizando duzentos e vinte e três quilômetros e duzentos metros. Na primeira temporada oficial, o vencedor foi Manuel de Teffé, dirigindo um Alfa-Romeo, com o tempo de três horas, dezenove minutos, vinte e cinco segundos e um quinto.

Há registros de mortes trágicas, como as dos brasileiros Nino Crespi, que em 1934 bateu sua Bugatti contra um poste, e Irineo Corrêa, em 1935, e, também, de participações femininas, surpreendentes para a época, a cargo das francesas Hellé Nice, em 1936, e Mme. Daniel Foutonis, no ano de 1954.

Além dos troféus, eram oferecidos prêmios em dinheiro, que variavam de quarenta a cento e vinte mil-réis, e, à medida que a prova ia-se tornando mais conhecida no exterior, diminuíam as chances dos nacionais no cotejo com os estrangeiros, sobretudo por causa da inferioridade das condições técnicas, o que não impediu, todavia, Chico Landi de sair-se vencedor por duas vezes.

Nos anos que antecederam a II Grande Guerra, o nome principal foi o de Carlo Pintacuda, italiano, tríplice coroado, que virou substantivo comum denotativo de rapidez ("...sou mo-mo-mole pra falar, mas sou um pintacuda pra beijar") e travou excitantes duelos com o alemão Hans Stuck.

Participaram dessa importante prova anual outros nomes ilustres, como Casini, que venceu em 1952, e, antes, Marinoni, Ascari e Villoresi, mas nenhum deles proporcionou show tão espetacular quanto aquele que envolveu o argentino Coppoli e a avigorada Senhora Dona Emília das Neves. O piloto perdeu a direção e investiu contra a multidão concentrada no início da subida, obrigando os espectadores a recuar, às pressas e desordenadamente, em direção ao areal, resultando dessa embrulhada que aquela respeitabilíssima dona de casa, que prendera a sola do tamanco numa tiririca, e um entregador de armazém, que assistia ao espetáculo plácida e distraidamente encavalado em sua bicicleta, despencaram de borco no canal, por sorte um curso de águas límpidas, diferente do cagaçal em que se transformou, decorrência das porcarias despejadas pela imensa sentina que é a coleção de espigões erigidos no que eles chamam de "Alto Leblon".

Sorte maior que, com a maré alta, a corrente, dando água pelo pescoço, atenuou o impacto da queda e ainda conduziu o assustado par até as comportas da primeira ponte, permitindo ao jovem ciclista safar-se lépido como um sagüi. A bicicleta, o dono do empório lançou a fundo perdido. Já a gorda matrona deu mais trabalho. Populares associaram-se numa empreitada solidária que envolveu cordas, carretilhas, roldanas e um enorme cesto de vime, de dentro do qual, após exaustivos esforços e ansiosa demora, emergiu, parecendo um robusto bebê, a rica senhora, mais aplaudida pela emocionada platéia do que o campeão da temporada.