A Mágica Chama
Maria Angélica Monnerat Alves
Era sábado de Carnaval. Tardinha...
Os enfeites coloridos, agora iluminados, davam uma aparência irreal à cidade.
O ônibus rodava com dificuldade por entre os blocos de foliões anônimos,
irmanados
em mais uma alegria fugaz.
Sentado atrás de nós , ia um casal conversando. O rapaz, eu o conhecia de vista, filho
de uma cantora lírica do bairro. Ela, não cheguei a ver seu rosto. Ia para a
Tijuca, casa de um parente, talvez. Ele, a uma festa no clube Ginástico, no
centro do Rio.
A conversa aguçou a minha curiosidade. Começou lá pelos lados do Catete, quando
ela pegou o 401 e sentou-se ao lado dele. Falou-se de trivialidades, comentou-se
a animação do Carnaval e ambos se confessaram apaixonados por Direito:
ele, já
formado e ela, quartanista.
Ao chegar ao Passeio Público, onde deveria saltar, ele não o fez. E passou a se
auto-analisar: introvertido, à eterna procura de alguém que o entendesse. O
rompimento recente de um noivado havia
deixado marcas, que agora começavam, aos poucos, a cicatrizar. Ela se dizia
cética em relação ao casamento.
E o ônibus rolava pelo asfalto colorido. E o casal, naquela catarse repentina, tão
paradoxal num dia como aquele!
Ao chegarmos ao ponto final, saltamos logo atrás deles. Formavam um bonito
casal: ele, moreno, bem mais alto do que ela. Ficamos, então, a observá-los
caminhar pela rua Conde de Bonfim, lado a lado, conversando não se sabe mais
sobre que assunto, ilhas numa multidão extasiada.
E depois?
Terminava ali aquele relacionamento? Ou ali germinava uma
comunhão maior?
Nunca saberei. Minha observação captou, apenas, a imagem
final dos dois, a caminhar lentamente...
Já a minha imaginação se permitiu ir mais longe, suspeitando
afinidades cada vez maiores.
O fato de, talvez, ter presenciado o início de uma integração profunda entre dois seres, me
comoveu e fez com que refletisse sobre o momento mágico, inesperado e,
paradoxalmente, tão intrincado, que é o nascer de um casal.
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