NEGRINHO
Maria Angélica Monnerat Alves
Minha infância traz a marca indelével do Negrinho.
Alto, magro, calmo, sedutor, garbo de manequim. Era a sensação da Praça São
Salvador. Disputado pelas meninas mais
medrosas e tímidas, que viam nele a segurança garantida. Só aparecia nos finais
de semana, o que me deixava desolada. Se chovia, tristeza: não viria, na certa.
Um dia, alvoroço inusitado naquelas férias
monótonas: Negrinho tinha sido atropelado por um ônibus 77 e corria risco de
vida! Angústia geral! Levaram-no para a bica dos Bombeiros e, lá mesmo, a
primeira higiene foi feita.
Eis que, então, surge uma figura gigantesca, meu
pai. Acostumado com os remédios caseiros, já que criado em fazenda, se aproxima
e oferece seus préstimos, prontamente aceitos.Sob o olhar atônito de todos,
pega um grande alfinete de fralda e, com ele, aproxima as duas bordas da
ferida. Passa um remédio no local , enfaixando com firmeza a barriga do
pobrezinho.
Um mês sem ver o Negrinho! Mas as notícias trazidas pelo seu José eram cada vez
melhores, o que conferia a meu pai (e a mim, por tabela), um certo ar superior!
Certo dia, o convite inesperado: querem ver como o
Negrinho está? E lá fomos nós, rua Alice acima, até chegar ao sítio do seu
José, perto da boca do túnel. Meu amigo, ao me ver, demonstrou uma imensa
alegria. Felicidade era pouco para traduzir meus sentimentos...
Voltamos lá várias vezes, até que um dia ele reapareceu! Todos o mimamos e observamos sua surpreendente
recuperação. E nos
rendemos, mais uma vez, ao seu encanto.
O tempo foi passando, Seu José morreu e, depois
dele, nunca mais ninguém trouxe cavalos para a pracinha. Mas eu juro que, às
vezes, quando passo por lá, ainda vejo
o Negrinho trotando com a sua elegância ímpar!
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