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Foto de Paulo Afonso
Teixeira |
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Sou jornalista desde os 17 anos, ou seja h� quase 45. (Quando digo esse tipo de coisa, costumo ficar meio
assim, porque nunca esperei fazer 45 anos de nada, nunca passaria dos 30, sempre alegres, inteligentes,
sadios e namoradores, mas, agora que cheguei aqui, ainda quero mais unzinhos, mesmo que chatos, debil�ides,
enfermi�os e enviagrados). Meu pai, que nunca foi muito democrata dentro de casa, pois acho que gastava toda
a democracia dele fora, chegou um dia em casa e me mandou trocar de roupa para sair. Era para me levar a um
jornal, o extinto e saudos�ssimo 'Jornal da Bahia', onde eu deveria iniciar minha carreira como rep�rter.
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Naquele tempo n�o havia escolas de comunica��o, era tudo no tapa, e eu aprendi tudo no tapa, menos
diagrama��o, que requeria o uso de r�guas, geometria rudimentar e algum senso espacial, �rea em que
eu sempre fui classificado de cretino, inclusive por psic�logos profissionais.
Portanto, como acho que j� disse aqui, sou desses jornalistas capazes de sentar a uma mesa de bar e encher
a paci�ncia alheia alegando que j� fiz tudo em jornal, no que n�o estaria muito longe da verdade. At�
comunica��es internacionais eu fiz, pois sou do tempo da tesourapress, ou giletepress, que consistia
em recortar not�cias de outros jornais e colar em nossas laudas. Copidescava-se ou traduzia-se um
bocadinho de cada mat�ria, de forma que tenho grande parte da imprensa carioca e paulista, atual
ou defunta, em meu curr�culo, bem como jornais estrangeiros de prest�gio.
Mas certas experi�ncias eu nunca tive. N�o me refiro a cobrir eventos como alpinismo ou outros esportes,
antes n�o t�o abundantes, chamados hoje de radicais, pois sempre tive medo de chegar � sacada de qualquer
andar de edif�cio, quanto mais de me encarapitar em penhascos. Refiro-me a, por exemplo, suborno. J� dirigi
uma reda��o em que todo mundo se gabava de uma tentativazinha de suborno, notadamente nas �reas de pol�tica
e pol�cia. Eu ficava indignado, porque nunca fui objeto de uma tentativa de suborno que refletisse minha
auto-assumida import�ncia. Fiquei em dois epis�dios humilhantes. Um envolveu um u�sque nacional chamado
'King's Archer', que na �poca circulava nas piores biroscas e dizia o povo que o nome ('arqueiro do rei')
era porque o consumidor bebia um gole e tomava uma imediata flechada no f�gado, que recusei altivamente,
com um discurso a respeito de minha probidade profissional. Se fossem pelo menos umas seis garrafas, eu
ainda ficaria menos indignado, mas duas foram um rude golpe para meu ego.
A segunda tentativa foi a de um prefeito do interior, que roubou tudo o que podia e n�s come�amos a
noticiar. Ele a� apareceu na reda��o para me falar. Quando eu lhe mostrei as provas, hoje provavelmente
chamadas de 'dossi�' e me revelei irredut�vel, ele me perguntou se eu tinha filhos. O qu�? N�o sabia o
que aquilo se relacionava com nossa conversa, mas tinha, sim, tinha duas filhas. Ele piscou o olho,
me chamou com um dedo para mais perto de si e me perguntou, j� aos cochichos como sempre imaginei
que devem ocorrer os subornos, qual a idade das duas.
'Uma tem cinco, a outra vai fazer tr�s', cochichei de volta.
'Um velocipedezinho e uma bola para cada uma, hem, hem?', perguntou ele,
certo de que tinha acabado de botar o jornal no bolso, e mal compreendendo que fora expulso
de minha sala n�o tanto pela tentativa de suborno, mas pelo seu conte�do desmoralizante.
Dois veloc�pedes e duas bolas, francamente.
Nunca mais quiseram me subornar com nada, de forma que n�o posso contribuir para o folclore dos
jornalistas subornados que vigora no Brasil, onde todo mundo pensa que todo mundo toma dinheiro de
todo mundo, notadamente jornalistas, sempre de olho numa falcatrua qualquer. � assim que n�s vivemos,
segundo a opini�o de vasto contingente de pessoas. Pois sim. Se eu fosse depender de subornos, nunca
conseguiria manter o padr�o de vida que modestamente mantenho com o que me pagam oficialmente mesmo.
De censura tamb�m minha experi�ncia � quase nenhuma. Houve um tempo em que havia censores nas reda��es,
geralmente senhores de ar um tanto contrafeito e express�o sisuda, especializados, ao que parecia,
em 'ler nas entrelinhas'. O pessoal escrevia uma nota honest�ssima sobre um buraco na rua tal e ele
lia nas entrelinhas e vetava a not�cia. Dava um certo trabalho fechar o jornal, j� que os jornais baianos
n�o tinham, por exemplo, o peso do 'Estad�o' para dar trechos de 'Os Lus�adas' ou receitas de bolos
no lugar das not�cias cortadas. Mas a mim, pessoalmente, nunca pegaram.
Mudaram os tempos, mudou o regime, foi-se a censura. Mas o mundo d� voltas e, ao que parece, a censura
est� querendo voltar. Por vias judiciais e, portanto, legais, mas est� querendo voltar de qualquer
jeito. Imagino que a exce��o da verdade ainda valha (n�o valia, no tempo da linha dura), mas aconteceu
com o 'Correio Braziliense' e agora, ao que parece, acontece com o Artur Xex�o e o Mauro Rasi.
Falam por a�, n�o sei se � verdade, que a Governadora Garotinha estabeleceu toler�ncia zero para
cr�ticas, goza��es e assemelhados. Quando for acusa��o, � f�cil. Mas, quando for piada ou ironia,
n�o pode? Desta vez n�o fico de fora. Vou esperar o primeiro corte de cabelo ou o vestido da posse
para me incluir entre os exclu�dos. N�o se pode deter o progresso.
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