BROTINHO IND�CIL

Vinicius de Moraes

A insist�ncia daqueles chamados j� estava me enchendo a paci�ncia (isto foi h� alguns anos). Toda a vez era a mesma voz infantil e a mesma teimosia:

� Mas eu nunca vou � cidade, minha filha. Porque � que voc� n�o toma ju�zo e n�o esquece essa bobagem...

A resposta vinha clara, pr�tica, persuasiva:

� Olha que eu sou um broto muito bonitinho... E depois, n�o � nada do que voc� pensa n�o, seu bobo. Eu quero s� que voc� autografe para mim a sua "Antologia Po�tica", morou?

Morar eu morava. � danadamente dif�cil ser indelicado com uma mulher, sobretudo quando j� se facilitou um bocadinho. Aventei a hip�tese:

� Mas. . . e se voc� for um bagulho horr�vel? N�o � chato para n�s ambos?
A risada veio l�mpida como a pr�pria verdade enunciada:

� Sou uma gracinha.

Mnhum - mnhum. Comecei a sentir-me nojento, uma esp�cie de Nabokov "avant-la-lettre", com aquela Lolita de araque a querer arrastar-me para o seu mundo de ninfete. N�o, resistiria.

� Adeus. V� se n�o telefona mais, por favor. . .

� Adeus. Espero voc� �s 4, diante da ABI. Quando voc� vir um brotinho lindo voc� sabe que sou eu. Voc�, eu conhe�o. Tenho at� retratos seus. . .

N�o fui, � claro. Mas o telefone no dia seguinte tocou.

� Ingrato . . .

� Onde � que voc� mora, hein?

� Na Tijuca. Por qu�?

� Por nada. Voc� n�o desiste, n�o �?

� Nem morta.

� Est� bem. S�o 3 da tarde; �s 4 estarei na porta da ABI. Se quiser dar o bolo, pode dar. Tenho de toda maneira que ir � cidade.

� Malcriado. . . Voc� vai cair duro quando me vir.

Desta vez fui. E qual n�o � minha surpresa quando, �s 4 em ponto, vejo aproximar-se de mim a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e meio de mulherzinha em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho de cavalo, rosto lavado, olhos enormes: uma gra�a completa. Teria, no m�ximo, 13 anos. Apresentou-me sorridente o livro :

� P�e uma coisa bem bonitinha para mim, por favor?...

E como eu lhe respondesse ao sorriso:

� Ent�o, est� desapontado?

Escrevi a dedicat�ria sem dar-lhe trela. Ela leu atentamente, teve um muxoxo:

� Ih, que s�rio . . .

Embora morto de vontade de rir, contive-me para retorquir-lhe:

� �, sou um homem s�rio. E da�?

O "e da�" � que foi a minha perdi��o. Seus olhos brilharam e ela disse r�pido:

� Da� que os homens s�rios podem muito bem levar brotinhos ao cinema...

Olhei-a com um falso ar severo:

� Voc� est� vendo aquele Caf� ali? Se voc� n�o desaparecer daqui imediatamente eu vou �quele Caf�, ligo para sua m�e ou seu pai e digo para virem buscar voc� aqui de chinelo, voc� est� ouvindo? De chinelo!

Ela me ouviu, parada, um arzinho meio triste como o de uma menina a quem n�o se fez a vontade. Depois disse, devagar, olhando-me bem nos olhos:

� Voc� n�o sabe o que est� perdendo. . .

E saiu em frente, desenvolvendo, para o lado da Avenida.

"Para uma Menina com uma Flor", Ed. do Autor � Rio de Janeiro, 1966, p�g. 167.