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A insist�ncia daqueles chamados j� estava me enchendo
a paci�ncia (isto foi h� alguns anos). Toda a vez era a mesma voz infantil e a
mesma teimosia:
� Mas eu nunca vou � cidade, minha filha. Porque � que voc� n�o toma ju�zo e n�o
esquece essa bobagem...
A resposta vinha clara, pr�tica, persuasiva:
� Olha que eu sou um broto muito bonitinho... E depois, n�o � nada do que voc�
pensa n�o, seu bobo. Eu quero s� que voc� autografe para mim a sua "Antologia
Po�tica", morou?
Morar eu morava. � danadamente dif�cil ser indelicado com uma mulher, sobretudo
quando j� se facilitou um bocadinho. Aventei a hip�tese:
� Mas. . . e se voc� for um bagulho horr�vel? N�o � chato para n�s ambos? A
risada veio l�mpida como a pr�pria verdade enunciada:
� Sou uma gracinha.
Mnhum - mnhum. Comecei a sentir-me nojento, uma esp�cie de Nabokov
"avant-la-lettre", com aquela Lolita de araque a querer arrastar-me para o seu
mundo de ninfete. N�o, resistiria.
� Adeus. V� se n�o telefona mais, por favor. . .
� Adeus. Espero voc� �s 4, diante da ABI. Quando voc� vir um brotinho lindo voc�
sabe que sou eu. Voc�, eu conhe�o. Tenho at� retratos seus. . .
N�o fui, � claro. Mas o telefone no dia seguinte tocou.
� Ingrato . . .
� Onde � que voc� mora, hein?
� Na Tijuca. Por qu�?
� Por nada. Voc� n�o desiste, n�o �?
� Nem morta.
� Est� bem. S�o 3 da tarde; �s 4 estarei na porta da ABI. Se quiser dar o bolo,
pode dar. Tenho de toda maneira que ir � cidade.
� Malcriado. . . Voc� vai cair duro quando me vir.
Desta vez fui. E qual n�o � minha surpresa quando, �s 4 em ponto, vejo
aproximar-se de mim a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e
meio de mulherzinha em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho de cavalo,
rosto lavado, olhos enormes: uma gra�a completa. Teria, no m�ximo, 13 anos.
Apresentou-me sorridente o livro :
� P�e uma coisa bem bonitinha para mim, por favor?...
E como eu lhe respondesse ao sorriso:
� Ent�o, est� desapontado?
Escrevi a dedicat�ria sem dar-lhe trela. Ela leu atentamente, teve um muxoxo:
� Ih, que s�rio . . .
Embora morto de vontade de rir, contive-me para retorquir-lhe:
� �, sou um homem s�rio. E da�?
O "e da�" � que foi a minha perdi��o. Seus olhos brilharam e ela disse r�pido:
� Da� que os homens s�rios podem muito bem levar brotinhos ao cinema...
Olhei-a com um falso ar severo:
� Voc� est� vendo aquele Caf� ali? Se voc� n�o desaparecer daqui imediatamente
eu vou �quele Caf�, ligo para sua m�e ou seu pai e digo para virem buscar voc�
aqui de chinelo, voc� est� ouvindo? De chinelo!
Ela me ouviu, parada, um arzinho meio triste como o de uma menina a quem n�o se
fez a vontade. Depois disse, devagar, olhando-me bem nos olhos:
� Voc� n�o sabe o que est� perdendo. . .
E saiu em frente, desenvolvendo, para o lado da Avenida.
"Para uma Menina com uma Flor", Ed. do Autor � Rio de Janeiro, 1966, p�g. 167.
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