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Meu querido amigo, o finado Luiz Cui�ba sempre
me lembrava que d. Madalena, que foi minha professora em Itaparica, afirmava que eu tinha um
problema na id�ia. "N�o me venha com suas conversas malucas", dizia ele. "Se lembre de
que d. Madalena sempre sustentou que voc� tinha um problema na id�ia. Voc� sempre teve um
problema na id�ia e agora est� ficando pior, depois que leu livros demais e o miolo empedrou
ou amoleceu, n�o sei qual dos dois."
Considerando que Cui�ba, que pescou e brincou comigo at� praticamente
sua morte prematura, me conhecia a fundo e levando em conta que d. Madalena n�o emitia
ju�zos irrespons�veis, sou obrigado a reconhecer que, sim, tenho um problema na id�ia.
Ali�s, tenho a id�ia cheia de problemas. Esperava melhorar com o passar dos anos, mas a chamada
realidade nacional n�o ajuda e, com freq��ncia, depois de ler os jornais do dia, posso ser
visto, aqui no terra�o de meu tr�plex de luxo no Leblon, andando de um lado para o outro,
erguendo os bra�os para a est�tua do Cristo Redentor, franzindo a face em esgares dementes,
discursando para mim mesmo e cometendo outros atos claramente ditados por quem tem problemas
na id�ia.
Que recordo da leitura tr�mula dos jornais? Lembro que, apesar de todo mundo
saber que h� roubalheira por todos os cantos do pa�s, o presidente faz quest�o de que n�o se
instale uma CPI da corrup��o, em nome, acho eu, da governabilidade do pa�s. Quer dizer, melhor
governar corrompido do que n�o governar - como se, ali�s, algu�m estivesse governando. Lembro
que o dr. Ant�nio Carlos e o dr. Jader Barbalho est�o, embora discretamente, se aproximando.
Contam-me que quebrar o segredo do painel de vota��o do Congresso � coisa velha, manjada e
realizada praticamente desde que o painel existe. (O que, ali�s, me faz pensar duas vezes sobre
se os candidatos em que votei, nas nossas modern�ssimas urnas eletr�nicas, que humilham os
primitivos americanos, receberam mesmo meu voto; talvez tenham conseguido um brilhante
substituto da elei��o a bico-de-pena: a elei��o a clique de mouse.) Lembro que pr�dios
residenciais, delegacias, instala��es das pr�prias For�as Armadas, ag�ncias banc�rias,
aeroportos e qualquer outra coisa em que se pense s�o invadidos por bandos bem mais armados
do que a pol�cia, para n�o falar que, na pol�cia, todo dia aparece algu�m denunciado pela
pr�tica de ato il�cito. Lembro que o d�lar se encontra na estratosfera e as bolsas j� talvez
no subsolo, com a sinistra (para uns, que v�o saber antes, como das outras vezes, n�o; mas,
para n�s, sim) previs�o de que poder� haver uma maxidesvaloriza��o do real. Lembro os crimes
hediondos noticiados quase todo dia, a mis�ria que nos ronda - enfim, lembro tudo isso que
voc�s tamb�m lembram, mas n�o t�m jeito a dar, como eu tampouco tenho.
E agora vem a amea�a de racionamento de energia. N�o h� problema na id�ia
que resista, e o meu se agrava a cada segundo. Agindo com a habitual presteza, o governo est�
tra�ando planos para enfrentar a quest�o, que na verdade n�o foi causada por governo nenhum
(nem este, que est� a� h� seis anos, jogando conversa fora em v�rias l�nguas), mas por
S�o Pedro. Estou escrevendo antes deste domingo, mas n�o creio que, at� agora, tenha sa�do
o plano, embora j� tenha sa�do a perspectiva de que as exporta��es nacionais v�o baixar
vertiginosamente e o nosso d�ficit vai aumentar como sufl� em forno quente. Por enquanto,
a previs�o � de lampi�o e vela mesmo, at� porque estamos muito mal-acostumados com esse
neg�cio de energia el�trica (somos, dizem, a oitava economia do mundo e somos, tamb�m dizem,
o octog�simo-quarto pa�s do mundo em consumo de energia, patente demonstra��o de nossa esb�rnia
energ�tica). E apag�o, em qualquer esquema, significa que nem esses telefones que hoje
praticamente todo mundo tem em casa, com unidades m�veis, v�o funcionar, porque precisam
estar ligados na rede el�trica. Corrida a lojas para comprar telefones antigos, daqueles
que s� esticavam o fio, mas n�o podiam ser desplugados? Para n�o falar em bancos, sinais
de tr�fego e tudo o que depende de computadores, ou seja, tudo e ponto final.
Acho que posso enumerar algumas medidas em cogita��o:
1) convocar todos os magos, paj�s, pais-de-santo e assemelhados para fazer chover nos
reservat�rios antes do prazo fatal; 2) depois de protestos da Igreja Cat�lica, promover
prociss�es em todos os munic�pios do pa�s, com a finalidade de aplacar a f�ria seca de
S�o Pedro; 3) proibir expressamente que se comemore o dia de S�o Pedro em qualquer lugar
do pa�s; 4) criar a CPQV (Contribui��o Provis�ria - Permanente - de Queima de Velas),
a CPQP (Contribui��o Provis�ria - Permanente - de Queima de Pavios) e a CPUP (Contribui��o
Provis�ria - Permanente - de Uso de Pilhas), cuja arrecada��o ser� destinada a obter recursos
para o conserto do sistema nacional de produ��o de energia, embora, na verdade, o Governo
termine por precisar us�-las para tapar os rombos causados pelas roubalheiras na Sudene, Sudam
ou qualquer outra roubalheira no nosso vasto sortimento, que quem sempre paga somos n�s;
5) mandar todo mundo desligar o chuveiro el�trico e os boilers, depois de pagar a Contribui��o
Provis�ria - Permanente - para Desligamento de Chuveiro El�trico e Similares; 6) instalar
geradores nas casas e escrit�rios de todo mundo que seja do governo ou tenha parente no
governo, para evitar problemas sociais; 7) fazer vasta campanha publicit�ria otimista, com o
slogan "Escurece, Brasil!", mostrando as in�meras vantagens de ficar sem luz, em que voc�s
nunca tinham pensado; 8) provar como o Brasil � mais uma vez um exemplo para o mundo,
mostrando que energia el�trica e nada dessas besteiras tem realmente import�ncia, contanto
que o nosso presidente seja poliglota e proteste veementemente contra tudo o que o governo
dele fez.
Creio que poderia imaginar outras sugest�es que, tenho certeza, estar�o
sendo cogitadas no momento, mas o espa�o acabou e tamb�m preciso defender-me, porque meu
ganha-p�o estar� amea�ado. Algu�m por a� tem um computador a querosene para vender?
20/05/2001
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