PRAIA, O NOSSO MELHOR LUGAR COMUM

Zuenir Ventura

O rep�rter da r�dio paulista quer saber como vai ser este ver�o, e liga n�o para o Servi�o de Meteorologia, mas para mim, no dia em que entrou em vigor a nova esta��o. Pergunta se j� est� fazendo muito calor, como vai ser a moda, como ser�o os biqu�nis, quais os principais points e que dicas de restaurantes, passeios, bares eu daria a um turista.

Quer saber tamb�m como foram os outros, os que n�o voltam mais, qual o melhor, o mais emocionante, o inesquec�vel e, a prop�sito, "quantos ver�es" eu carrego nessa minha outonal carca�a.

Sei que � uma reportagem-mico, mas sinto pena da afli��o do colega. Para n�o deix�-lo sem ter o que levar ao ar, vou respondendo, na medida do poss�vel, com a ajuda da mem�ria e do que tenho lido e do que tenho visto aqui nas areias de Ipanema.

A primeira coisa que me ocorre, e n�o sei nem se disse isso para ele, � que at� na moda esses moribundos, quase finados anos 90, parecem ter vergonha de seus feitos e efeitos. Sem imagina��o, eles resistem a enfrentar o futuro e preferem, como em tudo, a nostalgia e a c�pia. S� assim se explica que se v� voltar a usar neste ver�o as tangas estilo anos 70 com tomara-que-caia dos anos 40/50. Tudo enfeitado por velhas mi�angas, pode?

Al�m disso, e sem falar nos horrorosos sung�es e bermud�es, os biqu�nis v�o cobrir mais �reas do corpo feminino. Como � contradit�ria a moda. Desnuda a mulher at� o limite do poss�vel, at� a satura��o, e depois, para obter mais sensualidade, passa a cobri-la de novo, aos poucos.

Alguns estilistas falam que o c�qui vai dominar o ver�o, mas outros mais sensatos argumentam com raz�o que o c�qui � na verdade a nossa cor da pele, n�o da roupa. Esse ton-sur-ton aqui n�o pega.

Com medo de cair naquele rid�culo papo de velho saudosista - "Ah, n�o se fazem mais ver�es como os de antigamente" - n�o me detive muito nas recorda��es do memor�vel ver�o da virada de 67 para 68, nem daquele das dunas da Gal, nem o do fio dental ou o da inesquec�vel esta��o da abertura em fins dos 70/in�cio dos 80: da anistia, da volta dos exilados, quando o pa�s fez a travessia democr�tica, quando Gabeira arrasou com sua tanga lil�s e quando os jovens, livres da ditadura, descobriram a liberdade de comportamento e inauguraram a amizade colorida.

N�o d� para n�o dizer "Bons tempos aqueles pr�-aids!". esses, sim, d�o saudades. Outro dia, conversando com jovens, me dei conta de que a gera��o de 17, 18 anos praticamente n�o sabe o que � sexo sem camisinha, pelo menos quando est� a fim de seguran�a. A revolu��o sexual dos anos 60, quem diria, foi derrotada por uma peste tendo por s�mbolo o que, logo depois da p�lula anticoncepcional, parecia t�o anacr�nico quanto uma galocha: a camisinha.

Mas n�o era isso que o entrevistador paulista queria saber, e acho que nem voc�s. Era que dicas eu tinha para dar. Do meu terra�o eu via a areia coalhada de corpos dourados e o mar, manso, manso. Uma brisa amenizava os 40 graus que devia estar fazendo e l� no horizonte preparava-se a chuva que est� se repetindo todas as tardes.

Pode ser que me engane, mas esse ver�o n�o vai ser igual ao outro que passou, o do El Ni�o. Quando nada porque � o ver�o de La Ni�a, de �ndole amena, mas inconstante e incerto como os tempos que estamos vivendo.

Acabei recomendando o �bvio ao turista acidental: quando a chuva deixar, um mergulho nas praias de Ipanema. Em seguida ao qual ele deve estirar-se ao sol e evitar todo esfor�o, a n�o ser o de esticar o pesco�o para ver uma bela mulher passar ou de ir ao cal�ad�o tomar �gua de coco. E � tarde se preparar para o p�r-do-sol no Arpoador, a que se deve assistir como se assiste a uma missa.

Como v�em, nada de original, tudo lugar-comum. Mas, pensando bem, a praia � o nosso melhor lugar-comum.

26/12/1998

Zuenir Ventura - Cr�nicas de um Fim de S�culo - Editora Objetiva Ltda

Cronista das grandes cidades, o jornalista Zuenir Ventura traz em seu texto saboroso e inteligente os conflitos e sonhos do homem comum. Na virada do s�culo, uma reflex�o sobre a exist�ncia humana: o homem e seus medos urbanos.