A F� N�MERO ZERO

Jo�o Ubaldo Ribeiro

- Voc� me desculpe eu sentar assim em sua mesa sem ser convidada, mas eu sei que voc� � um homem simples e, al�m de tudo, uma figura p�blica. Uma figura p�blica tem de aceitar esse tipo de coisa. Estou interrompendo sua conversa?

- Bem, para ser sincero, est�. N�s...

- Eu n�o vou tomar seu tempo absolutamente, � s� para aproveitar a oportunidade de estar com voc� em pessoa e falar umas duas coisinhas, n�o vou interromper nada, pode ficar tranq�ilo. � que eu sou sua f� n�mero 1, pode ter certeza. N�mero 1, n�o, n�mero zero! Tenho a maior admira��o por voc�, n�o perco nada do que voc� escreve. E olhe que eu tenho horror de baiano!

- Eu sou baiano.

- Exatamente! Eu sei, � por isso que minha admira��o � inacredit�vel, porque realmente n�o tolero baiano, acho um povo insuport�vel, mas sou sua f� n�mero zero, n�mero zero!

- Muito obrigado. Fico contente em saber disso, obrigado.

- Mas tem uma coisa que eu quero tomar a liberdade de lhe dizer, � s� uma observa��o. Posso lhe fazer uma observa��o de car�ter pessoal?

- Bem, acho que...

- � simples, mas importante. � que eu estava prestando aten��o na sua conversa aqui e ouvi voc� dizer um palavr�o muito feio. Qualquer um diz palavr�o em boteco, mas confesso que fiquei um pouco chocada. Eu queria lhe pedir que n�o falasse mais assim, � muito chocante para uma admiradora sua, como eu. N�o fica bem um palavr�o desses em sua boca, decepciona seus admiradores.

- Desculpe, eu n�o sabia que a senhora estava prestando aten��o em minha conversa e eu estava quase cochichando.

- Ah, perd�o, mas voc� est� se fazendo de ing�nuo. Como � que uma figura p�blica como voc� vai esperar cochichar numa mesa de boteco sem que os outros prestem aten��o? Perd�o, mas n�o posso acreditar nisso. Claro que voc� sabe que as pessoas prestam aten��o em voc�. E n�o s� em sua conversa como em seu comportamento. Voc� est� tomando u�sque, n�o est�?

- N�o, por acaso n�o estou, isto aqui � guaran� diet com gelo.

- Ha-ha-ha-ha! Guaran� diet com gelo, n�o �? Ta�, essa � das melhores piadas que eu j� ouvi. Guaran� diet com gelo, ha-ha-ha-ha! Posso dar uma bicadinha para comprovar?

- N�o, isso n�o.

- Por qu�? Fica com medo de que eu saiba de seus segredos? Sua vida � t�o escabrosa que voc� tem medo de que os outros saibam seus segredos?

- N�o � isso, � uma quest�o de higiene mesmo. Afinal de contas, n�o conhe�o a senhora e n�o acho uma pr�tica muito recomend�vel deixar que outras pessoas bebam do meu copo.

- Queria voc� ter a sa�de que eu tenho! Ali�s, eu tamb�m ia falar nisso. Bebendo desse jeito, estragando sua sa�de, voc� n�o tem esse direito! � uma figura p�blica, que n�o tem o direito de p�r em risco sua pr�pria vida.

- Eu j� disse que estou bebendo guaran�. E, mesmo que n�o estivesse, n�o � a senhora que est� pagando e eu n�o tenho que lhe dar satisfa��es.

- Pois fique sabendo que tem. Voc� � uma figura p�blica, deve satisfa��es a todos e tem a obriga��o de dar o bom exemplo.

- Eu n�o tenho obriga��o nenhuma, a n�o ser as que a lei me imp�e. Nunca pedi voto nem � senhora nem a ningu�m e n�o exer�o cargo p�blico.

- A� � que voc� se engana. Voc� deve tudo a seus leitores. Se n�o fosse por seus leitores, voc� n�o era nada. � a mesma coisa que exercer um cargo p�blico, n�o h� diferen�a.

- Eu gosto de meus leitores, mas tamb�m n�o pe�o a ningu�m para ler o que eu escrevo, l� quem quer.

- O senhor est� � se lixando para seus leitores.

- Eu n�o estou me lixando para leitor nenhum, eu s� disse que n�o for�o ningu�m a ler o que escrevo, l� quem quer.

- Nunca esperei uma atitude t�o arrogante de sua parte, realmente � uma decep��o.

- Eu n�o estou sendo arrogante, eu estou somente...

- Est� sendo arrogante, sim! Ainda mais sendo um escritorzinho de cr�nica mixuruca, muito inferior a outros a quem a m�dia n�o d� cartaz. Quem faz voc� � a m�dia, est� sabendo? A m�dia e os leitores que ela cria. E agora fica com essa banca toda, como se fosse realmente algu�m de grande valor.

- Tudo bem, a senhora tem raz�o, mas agora me d� uma licencinha e me deixa continuar minha conversa?

- Mas com todo o prazer! Se arrependimento matasse, eu j� tinha ca�do dura para tr�s por ter sentado em sua mesa para ser tratada dessa forma grosseira. Eu tinha raz�o, baiano n�o vale nada mesmo, j� mudei de id�ia a seu respeito, voc� n�o � exce��o, � igual a toda essa baianada nojenta que vive por a� e devia voltar l� para sua porcaria de terra, onde s� tem negro e macumba. E se prepare para a decad�ncia, hem? Um dia a casa cai, bichinho! Passar bem, nunca mais me dirija a palavra! � porque eles n�o publicam, sen�o eu escrevia uma carta ao jornal, denunciando seu comportamento indigno. Mas um dia a casa cai, bichinho, j� caiu para gente muito melhor que voc�! Passar bem, bichinho!

P.S. - Eu sei que voc�s pensam que estou exagerando, mas n�o estou. Estou at� atenuando, para n�o parecer mentiroso, embora tenha muitas testemunhas.

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