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A ova��o de que foi alvo o ministro Serra n�o est� sendo valorizada da forma que
merecia. N�o que eu seja favor�vel a que se jogue ovo em ningu�m, nem
creia que manifesta��es desse tipo mostrem o caminho para a solu��o
dos problemas nacionais, mas, ao contr�rio do que dizem, acho, sim, que
isso mostra, embora de forma torta, que estamos chegando a uma democracia
e que, em lugar de pensar em reviver, com novo nome art�stico, a Lei de
Seguran�a Nacional (ali�s, brandida rancorosamente - quem diria e por
quem se diria - faz pouqu�ssimos dias), dev�amos era comemorar
discretamente o fato. Jogar ovos, tomates e tortas na cara de autoridades
e pomposos variados � comportamento relativamente comum nas democracias
mais consolidadas, com exce��o da americana, onde o pessoal prefere dar
tiro mesmo.
A ova��o quer dizer que estamos deixando a �poca em que encar�vamos o Governo e seus
componentes como patr�es acima de n�s, invertendo a elementar no��o de
que s�o empregados. Claro, n�o se deve jogar ovos em empregados
tampouco, mas nossa atitude geral para com a autoridade sempre foi de uma
rever�ncia sabuja, que n�o tem a m�nima raz�o de ser. Quando, h�
algum tempo, escrevi uma carta ao Presidente da Rep�blica, na qual dizia
que n�o gostava dele, as rar�ssimas rea��es desfavor�veis, de modo
geral, se centravam no "desrespeito" (que n�o cometi, antes
pelo contr�rio, escrevi cheio de dedos) para com Sua Excel�ncia. J�
ouvi xingamentos contra ele que jamais repetiria aqui, em todo tipo de
circunst�ncia, desde rodas de boteco a festas de gente fina. Por tr�s,
pode, pela frente, n�o, como manda a nossa secular hipocrisia e cultura
do puxa-saquismo.
Pois pode. E deve.
Certamente � muito chato levar uma ovada na cara, mas � melhor o
governante levar uma ovada e assim sentir, de maneira indolor, um pouco do
que o povo est� sentindo, do que presenciar a��es como as que v�m
sendo, espero que em v�o, gestadas por a�, gra�as ao comportamento
imperial e ao mesmo tempo t�bio de um Governo visto com desd�m pela
maior parte dos governados. O Governo, ali�s, pode considerar-se uma
entidade de sorte, porque o ponto a que permitiu (n�o por falta de
repress�o, que acaba por n�o adiantar mais nada, mas por falta de a��o,
sensibilidade e talento) que chegassem fen�menos como o MST j� poderia
ter resultado numa trag�dia de conseq��ncias imprevis�veis. Uma ovada
ou outra, por mais que, como ato em si, possa ser reprovada, tem efeito
salutar.
Que sabe o Governo
sobre n�s? Isolado em Bras�lia, mandando e desmandando, emaranhado em
suspeitas, esc�ndalos, corrup��o e inefici�ncia, talvez nunca soubesse
nada, se n�o fosse por umas ovadas. Seus membros, com uma ou outra exce��o,
n�o podem sair � rua, porque a hostilidade � geral. A conversa � que
se trata de "movimentos orquestrados", "a��es de grupos
infiltrados" e outras designa��es, o que de novo mostra como os
comunistas e afins fazem falta, j� que n�o se encontram com essa bola
toda, no momento. N�o � nenhum movimento orquestrado, � o povo mesmo
que ilustra a vergonheira que o vitima, vaiando e xingando sempre que uma
alta autoridade aparece, tanto assim que poucas vezes se viram esquemas de
seguran�a t�o truculentos e maci�os como agora.
Segundo leio, o
dr. Ant�nio Carlos afirmou que se trata de um caso para o Ex�rcito. Fico
surpreendido com isso, porque se trata, por mais que n�o queiramos, de um
brinquedo perigoso. Primeiro falam na Lei de Seguran�a Nacional, dentro
em breve levam o Ex�rcito para as ruas toda vez em que um ministro correr
o risco de se arvorar a misturar-se com os governados e daqui a pouco -
nada deve surpreender-nos - algu�m mais zeloso sugere que se edite a
Medida Provis�ria Institucional n� 1, predecessora da segunda, da
terceira, da quarta e, finalmente, da MPI-5, com conte�do semelhante a
seu ancestral n�o t�o remoto, o AI-5.
N�o sei por que
se espanta o Governo em ver seu chefe vaiado e acuado por tr�s de uma
barreira policial digna de uma ditadura odiada e um de seus membros mais
importantes tomar uma ovada na cara. O cidad�o comum, por outras raz�es,
tamb�m n�o pode sair � rua, a n�o ser com medo de que o assaltem,
matem ou estuprem, eis que a seguran�a p�blica, obriga��o basilar de
qualquer governo, n�o existe e � tratada com displic�ncia ou incompet�ncia.
� natural: quem s� sai cercado por batalh�es de seguran�a tende a
achar que todos os outros est�o igualmente a salvo. N�o est�o, como
sabemos e, gra�as a Deus, um ovo � um ovo e eu queria era ver era um
ministro passeando de m�quina fotogr�fica, �culos escuros e camisa
tropicalmente colorida, na noite de Copacabana. Ovo � moleza.
E, al�m disso, �
um governo distante e absorto consigo mesmo, que n�o nos deu nem uma vis�o,
ainda que cosm�tica ou quim�rica, do futuro que poder�amos almejar. Nem
um sloganzinho motivador, do tipo "Nova Fronteira" ou "50
anos em 5", ele nos d�. Tentou um chocho e broxa "Avan�a
Brasil", que, como j� observou Jaguar, parece mais comando a
cachorro do que palavra de ordem para uma na��o. Muitos alegam que seu
passado de lutas os credencia para o reconhecimento dos concidad�os.
Passado pode credenciar, sim, mas n�o quando � renegado e at� se pede
para ele ser esquecido. Na hora que interessa, lembrem meu passado; na
hora que n�o interessa, esque�am-no. Infelizmente, n�o existe esse
disjuntor m�gico. O que existe � um presente desanimado e c�nico, que,
gra�as a Deus outra vez, se manifesta com ovadas. Na verdade, ergamos as
m�os para o c�u porque n�o passamos de ovadas. Ou ent�o mandem o Ex�rcito
massacrar o povo cuja farda veste e vamos ver o que acontece. N�o temos
tido guerras, disseram inacreditavelmente, e achar-se-ia algo para o Ex�rcito
fazer. Mas, sinceramente, n�o creio que o Ex�rcito se sentiria honrado,
ao se definir como miss�o sua metralhar lan�adores de ovos brasileiros e
desarmados. Enfim, j� que a raz�o est� com os homens e n�o com o povo,
experimentem. Aposto em algumas surpresas, se isto acontecer.
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