UM OVO � UM OVO, � UM OVO, � UM OVO

Jo�o Ubaldo Ribeiro

A ova��o de que foi alvo o ministro Serra n�o est� sendo valorizada da forma que merecia. N�o que eu seja favor�vel a que se jogue ovo em ningu�m, nem creia que manifesta��es desse tipo mostrem o caminho para a solu��o dos problemas nacionais, mas, ao contr�rio do que dizem, acho, sim, que isso mostra, embora de forma torta, que estamos chegando a uma democracia e que, em lugar de pensar em reviver, com novo nome art�stico, a Lei de Seguran�a Nacional (ali�s, brandida rancorosamente - quem diria e por quem se diria - faz pouqu�ssimos dias), dev�amos era comemorar discretamente o fato. Jogar ovos, tomates e tortas na cara de autoridades e pomposos variados � comportamento relativamente comum nas democracias mais consolidadas, com exce��o da americana, onde o pessoal prefere dar tiro mesmo.


A ova��o quer dizer que estamos deixando a �poca em que encar�vamos o Governo e seus componentes como patr�es acima de n�s, invertendo a elementar no��o de que s�o empregados. Claro, n�o se deve jogar ovos em empregados tampouco, mas nossa atitude geral para com a autoridade sempre foi de uma rever�ncia sabuja, que n�o tem a m�nima raz�o de ser. Quando, h� algum tempo, escrevi uma carta ao Presidente da Rep�blica, na qual dizia que n�o gostava dele, as rar�ssimas rea��es desfavor�veis, de modo geral, se centravam no "desrespeito" (que n�o cometi, antes pelo contr�rio, escrevi cheio de dedos) para com Sua Excel�ncia. J� ouvi xingamentos contra ele que jamais repetiria aqui, em todo tipo de circunst�ncia, desde rodas de boteco a festas de gente fina. Por tr�s, pode, pela frente, n�o, como manda a nossa secular hipocrisia e cultura do puxa-saquismo.

Pois pode. E deve. Certamente � muito chato levar uma ovada na cara, mas � melhor o governante levar uma ovada e assim sentir, de maneira indolor, um pouco do que o povo est� sentindo, do que presenciar a��es como as que v�m sendo, espero que em v�o, gestadas por a�, gra�as ao comportamento imperial e ao mesmo tempo t�bio de um Governo visto com desd�m pela maior parte dos governados. O Governo, ali�s, pode considerar-se uma entidade de sorte, porque o ponto a que permitiu (n�o por falta de repress�o, que acaba por n�o adiantar mais nada, mas por falta de a��o, sensibilidade e talento) que chegassem fen�menos como o MST j� poderia ter resultado numa trag�dia de conseq��ncias imprevis�veis. Uma ovada ou outra, por mais que, como ato em si, possa ser reprovada, tem efeito salutar.

Que sabe o Governo sobre n�s? Isolado em Bras�lia, mandando e desmandando, emaranhado em suspeitas, esc�ndalos, corrup��o e inefici�ncia, talvez nunca soubesse nada, se n�o fosse por umas ovadas. Seus membros, com uma ou outra exce��o, n�o podem sair � rua, porque a hostilidade � geral. A conversa � que se trata de "movimentos orquestrados", "a��es de grupos infiltrados" e outras designa��es, o que de novo mostra como os comunistas e afins fazem falta, j� que n�o se encontram com essa bola toda, no momento. N�o � nenhum movimento orquestrado, � o povo mesmo que ilustra a vergonheira que o vitima, vaiando e xingando sempre que uma alta autoridade aparece, tanto assim que poucas vezes se viram esquemas de seguran�a t�o truculentos e maci�os como agora.

Segundo leio, o dr. Ant�nio Carlos afirmou que se trata de um caso para o Ex�rcito. Fico surpreendido com isso, porque se trata, por mais que n�o queiramos, de um brinquedo perigoso. Primeiro falam na Lei de Seguran�a Nacional, dentro em breve levam o Ex�rcito para as ruas toda vez em que um ministro correr o risco de se arvorar a misturar-se com os governados e daqui a pouco - nada deve surpreender-nos - algu�m mais zeloso sugere que se edite a Medida Provis�ria Institucional n� 1, predecessora da segunda, da terceira, da quarta e, finalmente, da MPI-5, com conte�do semelhante a seu ancestral n�o t�o remoto, o AI-5.

N�o sei por que se espanta o Governo em ver seu chefe vaiado e acuado por tr�s de uma barreira policial digna de uma ditadura odiada e um de seus membros mais importantes tomar uma ovada na cara. O cidad�o comum, por outras raz�es, tamb�m n�o pode sair � rua, a n�o ser com medo de que o assaltem, matem ou estuprem, eis que a seguran�a p�blica, obriga��o basilar de qualquer governo, n�o existe e � tratada com displic�ncia ou incompet�ncia. � natural: quem s� sai cercado por batalh�es de seguran�a tende a achar que todos os outros est�o igualmente a salvo. N�o est�o, como sabemos e, gra�as a Deus, um ovo � um ovo e eu queria era ver era um ministro passeando de m�quina fotogr�fica, �culos escuros e camisa tropicalmente colorida, na noite de Copacabana. Ovo � moleza.

E, al�m disso, � um governo distante e absorto consigo mesmo, que n�o nos deu nem uma vis�o, ainda que cosm�tica ou quim�rica, do futuro que poder�amos almejar. Nem um sloganzinho motivador, do tipo "Nova Fronteira" ou "50 anos em 5", ele nos d�. Tentou um chocho e broxa "Avan�a Brasil", que, como j� observou Jaguar, parece mais comando a cachorro do que palavra de ordem para uma na��o. Muitos alegam que seu passado de lutas os credencia para o reconhecimento dos concidad�os. Passado pode credenciar, sim, mas n�o quando � renegado e at� se pede para ele ser esquecido. Na hora que interessa, lembrem meu passado; na hora que n�o interessa, esque�am-no. Infelizmente, n�o existe esse disjuntor m�gico. O que existe � um presente desanimado e c�nico, que, gra�as a Deus outra vez, se manifesta com ovadas. Na verdade, ergamos as m�os para o c�u porque n�o passamos de ovadas. Ou ent�o mandem o Ex�rcito massacrar o povo cuja farda veste e vamos ver o que acontece. N�o temos tido guerras, disseram inacreditavelmente, e achar-se-ia algo para o Ex�rcito fazer. Mas, sinceramente, n�o creio que o Ex�rcito se sentiria honrado, ao se definir como miss�o sua metralhar lan�adores de ovos brasileiros e desarmados. Enfim, j� que a raz�o est� com os homens e n�o com o povo, experimentem. Aposto em algumas surpresas, se isto acontecer.

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06-jun-2008