A companheira

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

H� palavras que parecem ter sido criadas para determinadas pessoas. 

� o caso de �companheira� e da Professora Ruth Cardoso.

N�o a conheci. Nunca a vi, nem de perto, nem de longe. Nunca troquei palavra com ela, nem por telefone, nem por carta ou e-mail. O que sei dela, sei por ouvir dizer, por ler, por conversas com amigos que a conheceram. Perdi, para sempre, a oportunidade de apertar a m�o dessa mulher em todos os sentidos admir�vel. 

Da antrop�loga, professora, orientadora, organizadora e criadora de programas sociais relevantes, falam os que sabem falar disso melhor do que eu. A mim o que me comove sobremaneira � a capacidade dessa mulher em fazer a perfeita simbiose entre feminismo e feminilidade. 

Desde a campanha de Fernando Henrique at� o fim de seu governo, quando ela, a contragosto, esteve nas primeiras p�ginas dos jornais, percebemos nela essa caracter�stica verdadeiramente inestim�vel: Ruth Cardoso conseguiu ser a companheira de todas as horas, sem ser o papel carbono do marido. �Se tiver id�ia diferente, eu expresso. N�o tenho a mesma posi��o pol�tica s� por ser casada�. 

Era evidente seu desconforto com o poder. Mas cumpriu � risca o papel de mulher do Presidente da Rep�blica, honrando com seus modos, seus trajes e sua intelig�ncia coruscante, o nome do Brasil. 

Deixou de ser m�e e av� nos anos de poder? N�o. Assim como n�o deixou de ser companheira, m�e, av� e amiga em nenhum momento de sua vida. N�o precisamos de mais do que olhar fotos da fam�lia Cardoso, para perceber a uni�o, o amor, a rela��o forte entre eles.

A televis�o nos mostrou, agora, uma cena muito linda: ela e o Presidente, numa ponte, na Europa. Rindo, felizes, um casal bonito, ele diz para o cinegrafista: �Diga aos turistas que � uma cena da nova novela das oito�. E ela d� uma gargalhada gostosa. De mulher realizada e contente consigo mesma, e com a vida.

Vida constru�da pelos dois com grandes sacrif�cios: ir para o ex�lio com crian�as pequenas n�o deve ser f�cil. Mudar de casa, de bairro, de emprego, de amigos, de idioma, de cidade, de pa�s, adaptar as crian�as � nova rotina e ao mesmo tempo ganhar a vida... � quase que o d�cimo terceiro trabalho de Hercules. Ruth Cardoso ainda fez mais: teve brilho pr�prio, intelectualmente, mas nunca disputou com o marido quem iria brilhar mais. Foi, repito, feminina e feminista. Igualdade, sim. Superioridade, n�o. N�o queria ser o chefe. Poder, nem dentro de casa. 

Tenho para mim que ela n�o gostaria de certos coment�rios que andei lendo. Era profundamente ciosa dos direitos de todos e seria a �ltima a permitir compara��es absolutamente inconvenientes. Uma pessoa como Ruth Cardoso n�o surge do nada: nascida em Araraquara, estudou interna no Col�gio des Oiseaux, em SP, e depois cursou a USP. Sua intelig�ncia permitiu que n�o se tornasse dondoca, ou militante chata, ou feminista exaltada. Creio que ela detestaria tripudiar sobre quem quer que fosse e que diria: �Tive uma boa educa��o, tive oportunidades dadas a poucos e se m�rito houve, foi o de saber aproveit�-las�. E despacharia logo os puxa-sacos e maldosos. 

Ruth Cardoso foi uma grande mulher. D�i ver seu companheiro alquebrado, com os olhos profundamente tristes, mas nada mais natural, diante da perda que sofreu. O que vai ajud�-lo � a fam�lia forte e unida que sua Ruth criou com ele.


27 junho 2008 - Transcrito do Blog do Noblat

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13-out-2008