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Com mais de mil notifica��es por dia, pe�o desculpas, mas a dengue continua a
ser - e n�o s� para quem mora no Rio - o assunto mais importante. � consternador
ver nesta condi��o uma das maiores e mais belas cidades do mundo. Cada vez mais
convivem nela, grotescamente, a era neol�tica e a alta tecnologia, a civiliza��o
e a barb�rie, a alegria e o medo, tudo com o denominador comum da mais completa
inseguran�a e do quase completo desamparo. Dengue, uma doen�a considerada
erradicada h� d�cadas, marca eloq�ente de degrada��o, descaso e atraso. Nada
mais natural que os cariocas, assim como seus parentes que vivem em outras
cidades, entrem em p�nico gradualmente, vendo em si mesmos, seus vizinhos ou
membros da fam�lia, que n�o se trata de onda da imprensa ou explora��o pol�tica,
mas da morte cujas formas mais agressivas atingem principalmente as crian�as,
transportada e entregue por um bichinho de asas que pode estar em qualquer
parte. Morte mais de 20% acima do tolerado pela OMS.
Ai, Deus nosso, em que podemos pensar? Imagino que devamos ser compreensivos e
caridosos com o prefeito. Compreensivos porque h� os que dizem que ele � maluco,
embora eu n�o tenha condi��es de comprovar e muito menos endossar o diagn�stico.
E caridosos porque certamente tem problemas um prefeito que passa o tempo todo
diante do computador e, contra todas as evid�ncias de uma epidemia com mais de
mil notifica��es por dia at� agora, nega airadamente sua exist�ncia. E, quanto a
ele n�o aparecer na rua, pode haver explica��es bastante singelas e de certa
forma aceit�veis. Ele n�o sai porque o mosquito n�o gosta de ar-condicionado e
ele n�o quer pegar dengue, � claro, tinha gra�a ele pegar dengue num ano
eleitoral - nem tudo � como a gente pensa, a posi��o dele requer manobras muito
sutis.
Al�m disso, n�o estamos utilizando a famosa criatividade nacional, talvez porque
se desenrolem no momento as complicadas manig�ncias envolvendo d. Dilma,
imperdo�vel ex-pedetista rejeitada pelo partido, que - isto digo eu, podem
anotar na conta de besteira, s� que n�o � besteira -, se pensa que � candidata
de Lula � sucess�o, est� muito enganada (isto, repito, digo eu), porque est� na
cara (ele talvez pense que tudo n�o est� estampado na cara dele; para quem j�
viveu uns 50 anos, est� tudo escritinho l�) que o candidato � sucess�o de Lula �
ele mesmo. N�o assim direto, na grossura, mas com categoria, como, ali�s, j�
andei prevendo aqui. E como mais ou menos sugeriu o vice-presidente (que de fato
tem raz�o ao dizer que n�o merece o ''de'' que �s vezes lhe metem no nome),
entrando qui�� para a Hist�ria como o primeiro vice-presidente leg�timo a
sugerir um golpezinho. A tentativa de queimar d. Dilma com o tal dossi� veio l�
de dentro. Quem quiser que se engane, ela est� tomando cafezinho com o inimigo.
Mas, cala-te, boca, h� caro�o demais nesse angu para tratar dele com brevidade
excessiva. Podem deixar que esse terceiro mandato s� n�o rola se n�o der mesmo,
e pode perfeitamente dar, est� ficando muito bem armadinho, sob certos
aspectos.
Voltando � dengue, � dif�cil resistir - e nem tento - a soltar um bocadinho a
imagina��o, � luz de nossa experi�ncia como brasileiros. Claro que, se as
condi��es no Rio n�o melhorarem muito e rapidamente, a epidemia vai
intensificar-se. Como a doen�a n�o tem vacina, n�o se pode imunizar quem viaja.
Al�m disso, h� um per�odo de incuba��o, durante o qual os sintomas n�o se
manifestam. O camarada pode viajar aparentemente sadio e assim permanecer dias,
at� a doen�a se declarar. Se isso acontecer com um n�mero significativo de
viajantes (para n�o falar em quem viajar� com dengue ou n�o, para ver mam�e, ou
nos mosquitos turistas dos quais h� vastos contingentes que gostam muito de um
avi�o) e houver uns aedes dando sopa nos destinos deles, a coisa pode ficar feia
no Pa�s todo, at� porque n�o � somente o Rio que tem um n�mero incont�vel de
focos de mosquito. A mis�ria e a indiferen�a com o pr�ximo vivem em todas as
cidades brasileiras.
Dir�o voc�s: ent�o o neg�cio � fumigar avi�es, �nibus, paus-de-arara, tudo.
Talvez, mas n�o h� a m�nima condi��o t�cnica, a n�o ser aqui e ali. E ia ficar
chato ver os cariocas descendo na Ponte A�rea para serem imediatamente
engolfados por nuvens de fumac�, o tem�vel Baf�o Nove de Julho. Sairia barato,
porque o n�mero de volunt�rios ia exceder o de vagas. Claro que haveria
retalia��o, com os cariocas recebendo entusiasticamente os paulistas a
mangueiradas de uma mistura horrenda, o Chopes Quentes Japon�s. O clima se
alastraria por todo o Pa�s e terminaria em guerra civil, a tremenda Guerra do
Borrifo, na Bahia complementada por borrascas de farofa de dend� e pipoca.
Mas a� � que est� o aspecto positivo para vencer logo a epidemia, porque
bastaria muito pouco para o Nosso Guia resolver tudo com praticamente um s�
gesto. Podia ser na hora em que Bush lhe estivesse telefonando para cumprimentar
o excelente m�todo de controle demogr�fico posto em pr�tica pelo Brasil, at�
porque morriam principalmente pobres, assim tamb�m aliviando as despesas que
eles vivem dando.
Nada disso. Nosso Guia, aproveitando sua conhecida ascend�ncia sobre o
presidente americano, lhe daria outro esbregue. ''Olhe aqui, � panaca, ou voc�
manda logo resolver esse pepino aqui, ou � guerra. N�s j� temos dengue de
destrui��o em massa e lhe dou uma semana pra quebrar este galho aqui.''
- Sim, senhor - responderia Bush, j� pegando outro telefone para mandar um vasto
contingente militar americano vir aqui, vencer a dengue. Talvez depois
resolvesse permanecer por um tempo indeterminado, mas isso j� � outro problema,
uma coisa de cada vez.
Cr�nica publicada no GLOBO em 06 de abril de 2008
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