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H� 34 anos, em 25 de abril de 1974, o regime ditatorial portugu�s, iniciado em
1926, � desmontado sem um tiro sequer, com os jovens capit�es rebelados sendo
recebidos pela juventude de Lisboa com os belos cravos vermelhos que vieram
batizar a Revolu��o.
Conclamados pela transmiss�o radiof�nica de uma bela
can��o de Zeca Afonso, �Grandola Vila Morena�, eles sa�ram dos quart�is para
receber o abra�o do povo portugu�s exausto com os anos de persegui��o pol�tica e
com a sangria, em vidas e dinheiro, das guerras coloniais portuguesas.
Contado assim, parece filme americano da d�cada de 40, com aquele happy end
obrigat�rio e trilha sonora ao fundo. N�o se v�, nem poderia ser visto, o que
significaram aqueles 48 anos de governo forte, cruel, censor, violento.
Ningu�m negava que Portugal vivesse sob uma ditadura, nem mesmo seus
dirigentes. Sua pol�cia pol�tica � a PIDE , Pol�cia Internacional de Defesa do
Estado � e a ideologia que decretava ser imprescind�vel a manuten��o das
prov�ncias ultramarinas, foram de uma crueldade infinita. Salazar, para
justificar seu pensamento caduco, come�ou a tentar incutir no povo a no��o do
�orgulhosamente s�s�, j� que a maioria do mundo civilizado criticava abertamente
seu governo.
Como toda ditadura, foi burra. Conheci Portugal em 1960. Com amigos
fraternais em Lisboa e Aveiro, fam�lia enorme, com jovens e velhos, participei
de muitas discuss�es nas casas deles: os pr�-Salazar, mais velhos e maioria, e
os anti-Salazar, mais jovens e minoria. Foi-me incutido na alma que ali, dentro
das casas deles, tudo bem, podia falar o que quisesse, mas nas ruas, sil�ncio
obsequioso, �se faz favor�...
A censura era rid�cula. Filmes, pe�as, livros, os mais velhos pareciam sa�dos
de livros dos fins do s�culo XIX. Os mais jovens, como nunca a censura consegue
ser perfeita, gra�as aos C�us, sabiam dos filmes, das pe�as e dos livros que
queriam ver e ler e que lhes era negado. At� as m�sicas eram censuradas, a
come�ar pelo grande poeta Zeca Afonso, que depois foi t�o homenageado no 25 de
abril. O mais jovem de todos os amigos de l�, e que � da minha idade, no ano
seguinte teve que fugir para a Fran�a, onde morou at� a mais linda das
Revolu��es, a dos Cravos.
Passei pela Espanha tamb�m, nesse mesmo ano, mas sem fam�lia onde ficar,
guardei na mem�ria apenas o medo da c�lebre e onipresente Guardia Civil, com
seus capacetes de verniz preto e que eu sabia muito bem ser a respons�vel pela
morte de Garcia Lorca. N�o senti o mesmo horror que senti em Portugal porque n�o
convivi com nenhum jovem que j� tivesse sido preso ou perseguido pela pol�cia de
Franco. Estava de turista e turista deslumbrada com as maravilhas da Espanha.
Na Europa de ent�o, mais do que hoje, a diferen�a entre o Brasil atrasado e a
Europa civilizad�ssima, era gritante. Para uma estudante com 23 anos
incompletos, foi, confesso, com uma ponta de orgulho que pensei: n�s n�o temos
nada disso. Podemos ver todos os filmes, ver todas as pe�as, ler todos os
livros.
Quem cospe para o alto... diz o velho ditado. Menos de uma d�cada depois,
est�vamos na mesma situa��o e quando as espingardas portuguesas recebiam os
cravos vermelhos, �ramos n�s as v�timas das pris�es arbitr�rias, da censura, da
viol�ncia.
Zeca Afonso era cantado nas ruas e Chico Buarque era censurado aqui. N�o foi
� toa que o brasileiro cantou �Sei que est�s em festa, p�, fico contente, e
enquanto estou ausente, guarda um cravo para mim�.
Comemoro o 25 de abril com os portugueses que ainda guardam na mem�ria os
anos tristes do per�odo salazarista. E guardo na mem�ria os anos horr�veis do
nosso per�odo negro. N�o quero de volta, para o meu pa�s, nenhuma quebra da
democracia. O que n�s precisamos � votar e fiscalizar. Votar e avaliar. Votar e
reclamar. Votar e, sempre que necess�rio, vaiar.
Exigir do Congresso Nacional, atrav�s dos homens e mulheres que n�s colocamos
l�, que se fa�a respeitar. O equil�brio entre os 3 poderes � o mais alto bem
pol�tico ao qual podemos aspirar; dele depende nossa vida de cidad�os. Chega de
ver um Congresso submisso a um Executivo que foi eleito como um dos trip�s de
uma Rep�blica e n�o como Monarquia Absoluta.
A temperatura dos debates pol�ticos come�a a ferver exageradamente. A ponto
de estarmos com raiva at� dos artistas e de suas obras. O que � isso? Fico
desapontada por n�o ver o Chico criticar o governo Lula no que ele tem de
critic�vel, mas isso � problema meu, de imaturidade. Suas m�sicas continuam a
ser as obras-primas que sempre foram. Precisamos aprender a separar as coisas.
Fiquei muito decepcionada com o Ziraldo, mas n�o vou negar que ele � um
desenhista e tanto e que suas hist�rias para crian�as s�o maravilhosas.
Se fosse assim, n�s n�o poder�amos admirar o magn�fico document�rio da
cineasta nazista Leni Riefensthal, �O Triunfo da Vontade�; os poetas W. B.Yeats
e Ezra Pound, facistas os dois, nunca mais deveriam ser editados; Bertolt
Brecht, marxista, autor de bel�ssimos textos teatrais, Poeta com P mai�sculo,
n�o deveria ser lido por quem n�o comunga das id�ias de Marx. Sei n�o, acho que
o mundo ficaria muito pobre se n�s come��ssemos a censurar os artistas que n�o
pensam como n�s.
Lembro sempre de uma tarde no velho Cinema Ast�ria, em Ipanema, uma das
v�timas do �progresso" do Rio de Janeiro. Em 1958, estreou l� um filme russo
chamado �Quando Voam as Cegonhas� (1957). Chorei copiosamente com a hist�ria do
casal apaixonado que foi separado pela guerra e pelos desencontros do destino.
Filme ultra rom�ntico, feito mesmo para o espectador chorar. Quando as luzes se
acenderam, no corredor, caminhando lentamente porque a sess�o estava cheia, ou�o
duas amigas, senhoras de uns 50 anos mais ou menos, dizerem uma para a outra:
�Filme chato, russo n�o entende nada de amor�. E a outra responder: �Comunista,
ent�o...�.
Do 25 de abril de 1974, at� o 25 de abril de 2008, que viagem... Papo de
velha, mesmo...
25 abr 2008 - Transcrito do
Blog do Noblat com autoriza��o da autora e do Noblat.
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