En Passant

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

General Augusto Heleno - Foto de Fabio Rossi

Um amigo virtual � um dos efeitos preciosos da Internet � enviou-me pequena cr�nica de Simon Leys, pseud�nimo de Peter Ryckmans, escritor e sin�logo belga. Nela o autor descreve uma manh� num caf� onde tentava escrever. O barulho das conversas, o r�dio que despejava o tempo todo sucessos do momento, cota��es da bolsa, resultados dos jogos, not�cias sobre a febre aftosa que atacara o gado, tudo isso, nas palavras do escritor, �que escorria, como �gua meio morna, de uma torneira mal fechada�, dava-lhe uma id�ia de atividade, a atividade que sua pregui�a lhe roubava.

De repente, por uma raz�o qualquer, os primeiros compassos do �Quinteto para clarinete�, de Mozart, m�sica sublime, inundaram o pequeno caf�. Os clientes, at� ent�o ocupados em bater papo, jogar cartas, ou ler os jornais, se entreolharam, intrigados. Fez-se sil�ncio, o que provava que, afinal, n�o eram surdos. Mas logo um deles, mais expedito, levanta-se e vai at� o r�dio trocar a esta��o, restabelecendo, de imediato, o ru�do familiar e tranq�ilizador que todos podiam ignorar calmamente.

O autor comenta ent�o que aquilo lhe fez ver que os verdadeiros filisteus n�o s�o as pessoas incapazes de reconhecer a beleza; ao contr�rio, eles a reconhecem instantaneamente, e se apressam em abaf�-la para que ela n�o venha a se sobrepor ao seu universal e familiar imp�rio da fei�ra. �Porque a ignor�ncia, o obscurantismo, o mau gosto, a estupidez, n�o s�o o resultado de simples car�ncias, s�o for�as ativas, que se afirmam furiosamente em todas as ocasi�es, e que n�o toleram que se tente anular sua tirania. O talento � sempre um insulto � mediocridade. E se isso � verdade no que se refere ao padr�o est�tico, o � muito mais no que se refere ao padr�o moral�.

E Leys encerra assim sua cr�nica: �Mais que a beleza art�stica, a beleza moral parece ter o dom de exasperar nossa triste esp�cie. A necessidade de tudo rebaixar ao nosso n�vel miser�vel, de sujar, de debochar, de degradar tudo que possa nos dominar com seu esplendor, � provavelmente um dos tra�os mais desoladores da natureza humana�.

Fiquei tocada por essas palavras. As cidades pichadas, os monumentos quebrados, as ruas esburacadas, a sujeira, o mau cheiro... claro que nenhum de n�s gosta de viver nisso. Mas quanto � falta de simpatia, de empatia, de compaix�o? Quanto � indiferen�a com o outro? Estar�o os dois padr�es intimamente ligados?

Estaremos condenados a ser sempre assim miser�veis, pequenos, �nfimos? Ser�?

Machado de Assis, em �Quincas Borba� (1891), relata uma anedota que parece ter sido escrita para ser lida hoje: �Fique desde j� admitido que, se n�o fosse a epidemia das Alagoas, talvez n�o chegasse a haver casamento; donde se conclui que as cat�strofes s�o �teis, e at� necess�rias. Sobejam exemplos; mas basta um contozinho que ouvi em crian�a, e que aqui lhes dou em duas linhas. Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona � um triste molambo de mulher � chorava o seu desastre, a poucos passos, sentada no ch�o. Sen�o quando, indo a passar um homem �brio, viu o inc�ndio, viu a mulher, perguntou-lhe se a casa era dela. / � � minha, sim, meu senhor; � tudo o que eu possu�a, neste mundo./ � D�-me ent�o licen�a que acenda ali o meu charuto?".

Apesar das evid�ncias, eu n�o desanimo. Penso que sempre haver� algu�m tentando mudar de esta��o, tentando transmitir afeto e afastar a indiferen�a. Os palanques j� montados e com p�blico cativo s�o maioria, � verdade. Os oradores n�o precisam nem pensar: � s� repetir a mesma ladainha, de norte a sul, de leste a oeste, que o p�blico vai aplaudir. Tal qual na cr�nica que citei, esse � o barulho com o qual est�o habituados. � a trilha sonora da mediocridade.

Mas, de repente, o r�dio resolveu transmitir palavras de um brasileiro que n�o se acostumou com o desamor. E o que ele reclama? Que n�o fatiem o Brasil, que n�o entreguem peda�os imensos de nossas terras, que cuidem melhor do que � nosso, e dos brasileiros de origem ind�gena. At� agora, fez o mesmo efeito que o �Quinteto para clarinete�. J� mudaram a esta��o. N�o querem ouvir o talento. Isso incomoda. Isso perturba. Mas, e se ele insistir?

E se, por um milagre, o Lula do tempo do �menas laranjas�, que errava no que falava mas n�o errava na alma, vencer o Lula �en passant�? Milagres acontecem. E para ajud�-lo a combater o bom combate, vou oferecer-lhe outro chav�o: �Pourvu que �a dure�... (*) c�lebre coment�rio de outra Let�cia, a Bonaparte, m�e do outro Imperador, o Napole�o.

Sabe, presidente? Durou pouqu�ssimo. Muito pouco mesmo.

 

* Pourvu que �a dure - "Tomara que isso dure"

18 abr 2008 - Transcrito do Blog do Noblat com autoriza��o da autora e do Noblat.

Foto: General Augusto Heleno, Comandante Militar da Amaz�nia - Foto de Fabio Rossi - O GLOBO

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06-jun-2008