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Voc�s vejam como, em volteios e ironias, a vida
nos d� constantes li��es de humildade. Faz poucas semanas, argumentei aqui que
n�o havia golpismo nenhum no Brasil, a n�o ser numa cabe�a desvairada ou outra.
Gira o mundo, passam os dias, e agora me encontro na obriga��o de engolir
minhas palavras. Fosse l� no bom sert�o de onde vem o dr. Renan Calheiros,
talvez um coronel me obrigasse a literalmente comer o jornal, como � de
veneranda tradi��o regional. Pois n�o � que, num relampejo deflagrado pela
Provid�ncia, numa reprodu��o modest�ssima do estalo de Vieira, acaba de me
aparecer com grande vividez toda a verdade, em sua nudez t�o clara quanto
imunda? Mas � �bvio que h� golpismo, como asseveram os governistas. Mais que
isso, o golpe j� est� se desenrolando, com uma sorte e uma maestria sem rivais.
S� que o pessoal, o que, nas circunst�ncias, �
perfeitamente desculp�vel e compreens�vel, esqueceu de falar que o golpe n�o
vem do lado de c�, dos descontentes como eu e muitos outros, at� mesmo a odiosa
Zelite, que, ali�s, vai se dar bem como sempre, golpe ou n�o golpe. O golpe �
do governo mesmo. Sei que com esta afirma��o me arriscaria a ser acusado de
cal�nia. Mas n�o � cal�nia, porque est� tudo t�o bem feitinho, t�o arrumadinho,
vai ser tudo t�o dentro da lei e do apoio popular, que, ao dizer que o governo
est� dando o golpe, n�o o estou � o que caracterizaria cal�nia � acusando de
crime, estou � achando esse pessoal sabido que � danado.
Jornal � lido por gente de todo tipo e me
desculpo com aqueles que j� sabem o que vou resumir simplificadissimamente. O
Brasil tem um sistema bicameral, a C�mara de Deputados e o Senado Federal. A
C�mara representa a popula��o e, portanto, os Estados mais populosos t�m mais
deputados. Para evitar que esses Estados dominem inteiramente os minorit�rios,
o Senado tem um n�mero igual de membros para cada Estado. E cumpre fun��es
important�ssimas em nosso sistema. Entretanto, o dr. Berzoini, outro dia,
praticamente declarou como projeto do PT a extin��o do Senado. Sendo a cabe�a
do PT em S�o Paulo, a coisa ficaria muito facilitada, se n�o houvesse Senado.
Agora, num julgamento que se pode rotular de
clandestino, malocados como bandidos numa cafua em que a atmosfera mais se
assimilava a uma reuni�o da Cosa Nostra com direito a porrada na entrada, os
senadores, escondidos do povo que desrespeitam, envergonham, enganam, furtam
(ponham a� o �raras exce��es� de praxe, por favor, pois c� me impede
momentaneamente a n�usea) e atrai�oam, os senadores decidiram votar contra as
convic��es de praticamente toda a na��o. Ou seja, a esmagadora maioria do povo
brasileiro, tenho certeza, considera hoje o Senado n�o mais que uma furna de
parasitas, lar�pios incompetentes, negociantes da honra, hip�critas inexced�veis,
aproveitadores descarados e uma despesa desnecess�ria para o pa�s. O Senado, finalmente,
conseguiu firmar seu processo de putrifica��o e assim cumpre sua parte no
golpe. Tenho certeza de que, se n�o a maioria, parte muito significativa do
povo brasileiro votaria ou sairia � rua pela extin��o do Senado. Portanto, ele
est� cumprindo muito bem seu papel no golpe, esfor�ando-se ao m�ximo para
mostrar que s� serve para atrapalhar e vai continuar a atrapalhar, envolvido em
processos e dissens�es, para daqui a pouco o presidente dizer, com geral
concord�ncia p�blica, que o Senado n�o o deixa governar. D�-se um jeito, perfeitamente
legal e com feroz apoio popular, de acabar com o Senado.
Depois, acabar com a C�mara de Deputados � mole.
Sabe qualquer um que, se cuspir no ch�o fosse h�bito brasileiro para expressar
desprezo e repulsa, nadar�amos num mar de saliva, pois seria o que aconteceria
sempre que se falasse em deputado e senador. Na nossa Hist�ria recente, a
C�mara tem empreendido uma campanha sem quartel para tornar �deputado� e
�pol�tico� xingamentos desses de reagir com um murro na cara e um processo por
difama��o e inj�ria. O povo despreza todos eles com equanimidade (botem as
raras exce��es outra vez, � s� para n�o me prenderem com muita facilidade � j�
basta que o respons�vel por tudo o que estou atacando sou eu mesmo, como integrante
da famigerada m�dia) e muita gente tem de tomar um antiem�tico quando um deles
aparece na TV. Transforma-se (� f�cil, � s� dar um empreguinho aqui, uma graninha
l�, uma garota de programa acol�) a atual C�mara numa Assembl�ia Constituinte e
se aprova-se uma nova Constitui��o de truz. Nem � preciso trabalhar muito,
porque a de 37 est� a� mesmo, para ser copiada ou servir de modelo, retiradas
as partes mais progressistas. A admira��o do presidente Lula por Get�lio Vargas
vai ficar bem mais fervorosa.
Renan Calheiros, � custa de enorme desgaste
pessoal, desempenhou e certamente desempenhar� bravamente sua parte (n�o a sua
parte em dinheiro, que nada disso est� provado e � por fora � tirem esse bicho
da�!). Est� quase tudo feito para se demonstrar cabalmente que tanto o Senado
Federal quanto a C�mara de Deputados s�o desnecess�rios e mesmo perniciosos,
simulacros descart�veis de verdadeiras institui��es democr�ticas. Creio que a
maioria dos senadores e deputados continuar� colaborando, tendo � proa o brioso
senador Alo�sio Mercadante (que falou por si e assim sacrificou a biografia
pela causa, pois, como se ment..., quer dizer, como se sabe, o PT liberou os
votos de todos os seus membros) e aquela outra cujo nome ora me escapa, uma que
sempre me lembra uma recepcionista de gafieira com problemas sint�ticos.
E finalizo com um elogio aos antigos e �
sabedoria que atravessa os s�culos. Tudo isso me veio � mente quando me fiz a velha
pergunta romana, que tantos eventos j� esclareceu: Cui prodest? � a quem aproveita? A mim, no momento,
s� me ocorre um Grande Aproveitador. A voc�s ocorre quem?
Cr�nica publicada no GLOBO, em 16 de setembro de 2007.
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