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Como qualquer pessoa que mora no Rio, eu tamb�m n�o
ag�ento mais ler, dia ap�s dia, not�cias sobre a viol�ncia sempre crescente na
cidade. Quando a gente acha que pior do que est� n�o pode ficar, acontece um
caso como este terr�vel mart�rio do menino Jo�o H�lio, que nos parte o cora��o
j� despeda�ado. � o fundo do po�o? N�o d� para saber: escrevo na ter�a-feira, e
n�o sei o que poder� acontecer entre este momento e aquele em que o leitor ter�
o jornal em m�os. Nosso po�o n�o tem fundo. H� sempre outro, mais fundo, at� o
inferno.
Dessa vez, por�m, algo se sobrep�e ao sentimento de impot�ncia
que me toma a cada nova atrocidade. Al�m do horror diante dos assassinos, sinto
um desgosto absoluto com os que defendem o famigerado estatuto da crian�a e do
adolescente, com os que se recusam a discutir a redu��o da idade penal e, mais
ainda, com os que, contritos de sacristia, batem no peito, abrem a boca suja na
ret�rica das entrevistas, e atribuem a culpa da barb�rie � "sociedade". � qual,
� evidente, n�o pertencem.
Jogar uma estupidez dessas sobre pessoas de
bem, que trabalham duro e pagam os impostos mais altos do mundo para
sustent�los, a eles, sim, os magnatas do legislativo e do judici�rio,
respons�veis diretos uns pela feitura das leis, outros pelo seu cumprimento, �
dar uma bofetada nesses pobres diabos que somos todos n�s, idiotas a que se pede
que aceitem que os estuprados n�o educaram bem os estupradores.
Est�o solicitando de n�s o pior que h� em em n�s mesmos. O mais santo dos cidad�os
come�a a rever suas id�ias sobre pena de morte, sobre cidadania que s� atinge
criminosos, at� mesmo sobre desforra f�sica. E chegamos l�: afinal, pelo menos
em pensamento, somos todos b�rbaros. Todos, claro, exceto os inocentes do
bom-mocismo, lemingues sem consci�ncia que, por isso mesmo, dirigem seus carros
blindados direto para o abismo.
Se um dimenor (express�o jocosa e sinistra para menores de 18 anos) n�o pode ser punido porque � uma pessoa em
forma��o, como � que se d� a esse mesmo dimenor o direito do voto?! Se ele n�o
est� preparado para assumir plenamente as suas responsabilidades de cidad�o,
como � que pode exercer o direito m�ximo da cidadania, que � a escolha de quem
vai dirigir o pa�s? Eu gostaria muito que qualquer desses g�nios da sociologia e
da jurisprud�ncia, que defendem tratamento especial para criminosos de 16 anos,
me explicasse essa contradi��o. De prefer�ncia dona Ellen Gracie: uma senhora
sempre t�o bem maquiada, que t�o bem sabe explicar porque os seus coleguinhas
merit�ssimos precisam daqueles aumentos salariais, haver� de ter uma explica��o
perfeitamente compreens�vel para uma distor��o dessas.
Como seria de se esperar, todos voltam a bater, mais uma vez, nas teclas da educa��o e da
impunidade. A educa��o � a base de qualquer sociedade saud�vel, mas � uma medida
de longo prazo. Deve-se falar em educa��o sempre. Deve-se cobrar melhores
condi��es de ensino e de aprendizado dos governantes e, sobretudo, exemplos mais
edificantes do que os que nos s�o oferecidos diariamente no mar de lama e de
corrup��o em que se transformou o pa�s. Mas falar em educa��o quando n�o podemos
mais sair �s ruas � mais ou menos como falar em preven��o a inc�ndios quando j�
tem gente saltando l� de cima e passando pela nossa janela, enquanto as chamas
chegam ao p� da cama. Precisamos � chamar os bombeiros, os "bravos centuri�es do
fogo", se eles tamb�m n�o estiverem ocupados nas mil�cias.
Quanto � impunidade: ela �, �bvio, a causa de uma quantidade de crimes que poderiam ser
evitados, inclusive os mais graves de todos, aqueles que desviam fundos p�blicos
destinados a escolas, hospitais (e ambul�ncias!), infra-estrutura e tantas
outras coisas necess�rias � vida de todo dia. � muito bom que afinal seja
discutida e, sobretudo, que se tomem provid�ncias reais para
coibi-la.
Mas � �bvio tamb�m que um caso como este, que chocou o pa�s,
est� longe de ser conseq��ncia da impunidade generalizada. Sem puni��o as
pessoas roubam mais, assaltam mais, at� matam mais � mas n�o � a falta de
puni��o que gera monstros como os que arrastaram Jo�o H�lio, como os que tocaram
fogo nos �nibus cheios passageiros, como a Richtofen que matou os pais, como os
filhinhos fam�lia que queimaram o �ndio em Bras�lia ou como tantos outros nos
quais j� desapareceu qualquer sinal de humanidade.
Chegamos ao mal absoluto, aquele que n�o tem explica��o. N�o estamos falando mais de criaturas
ressocializ�veis. Estamos falando de monstros. A pris�o para criaturas assim �
menos uma puni��o do que uma garantia de seguran�a para a popula��o. N�o pode
ser calculada em tr�s ou trinta anos; � caso de trancar a cadeia e jogar a chave
fora.
Em tempo: tamb�m j� n�o ag�ento mais ver tarjas evitando que o
rosto dos assassinos "mirins" seja reconhecido quando sabemos que, no primeiro
indulto, estar�o nas ruas matando novamente! O que precisamos � colocar tarjas
no rosto das pessoas de bem, para que n�o sejam reconhecidas pelos
dimenor.
(O Globo, Segundo Caderno, 15.02.2007)
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