Subs�dios para uma nova cartilha

Jo�o Ubaldo Ribeiro

Jo�o Ubaldo no Tio Sam - 23 set 06 - Paulo A. Teixeira             

H� certas coisas no PT que v�m fazendo falta, principalmente aos inclinados ao saudosismo, como eu. V�m marcando meu tempo, s�o parte, queira eu ou n�o, da minha hist�ria. Ao contr�rio de muitos, ou�o dizer que at� no governo, gostei, por exemplo, de ver a estrela vermelha no mai� da primeira-dama, tenho sentido saudades daquele s�mbolo outrora t�o ostentado e praticamente bras�o da esperan�a para tantos de n�s (desta vez, apesar dos n�meros do segundo turno, menos, ou o presidente teria ganho no primeiro).

Mas a inova��o n�o cessa e creio que a coqueluche do momento (l� se se foi a moderniza��o da linguagem para a Cuc�ia � velhice � uma desgra�a) s�o as cartilhas. Tudo faz crer que eles gostam muito de uma cartilha e, volta e meia, lemos sobre alguma a ser distribu�da a um grupo de felizardos ou a toda a popula��o. Umas n�o deram muito certo, como a do politicamente correto, mas isso n�o � raz�o para desacreditar o cartilhismo em geral. O ideal de muitos deles, creio at�, s�o cartilhas para orienta��o da vida de todo brasileiro em seus m�nimos aspectos, e talvez possamos esperar normas para a utiliza��o do banheiro, a pr�tica sexual, a remo��o de melecas e outros tantos setores que padecem da aus�ncia de regras claras e ben�ficas � coletividade.

Ningu�m me disse nada, mas claros sinais indicam que muitos setores do governo e do PT v�m pensando numa cartilha para a imprensa. Revelam m� vontade os maldizentes que sustentam que na verdade pretendem controlar ou arrolhar a imprensa de alguma forma. Pelo contr�rio, eles querem � melhorar a imprensa, que freq�entemente emite opini�es err�neas, ou seja, diferentes ou opostas �s deles, assim prestando grave desservi�o � na��o. S�o s� certas observa��es que devem ser levadas em conta, agora que, segundo a express�o, se n�o me engano, de um pr�prio petista, eles podem �cuspir nas rotativas� que ajudaram decisivamente sua ascens�o ao poder.

O ministro Tarso Genro varia um pouco � e n�o s� quanto � imprensa �, acho que conforme as circunst�ncias que percebe. J� a outro ministro que vou citar pe�o, honestamente, sinceras desculpas por ter tido um branco, na hora de escrever o nome dele. Claro, podia pegar o telefone ou o jornal e fazer uma consulta, mas quis registrar o fato de me ter dado o branco. N�o � nenhum desapre�o por Sua Excel�ncia, � esquecimento de verdade. E, juro a voc�s, do mesmo jeito que esque�o os nomes das capitais de alguns dos novos estados, agora n�o estou nem seguro de que o homem � de fato ministro. � o presidente do PT no momento, disso tenho certeza.

H� justificativas para meus lapsos de mem�ria, al�m da avan�ada idade. � que, como todos sabemos, talvez haja mais ministros no Alvorada do que cont�nuos, de maneira que a gente se esfor�a, mas n�o consegue decorar os nomes deles todos. Temos vasta c�pia de ministros no governo e existir�, talvez, gente que proponha uma adapta��o do repetid�ssimo dito de Andy Warhol, segundo a qual, durante o presente governo, cada militante do partido ou aliado do governo ser� ministro durante pelo menos quinze minutos. No boteco � e claro que � brincadeira de boteco �, chegaram a anunciar que havia o plano de nomear o chefe do servi�o do cafezinho do pal�cio ministro do Fornecimento de Bebidas Estimulantes N�o-Alco�licas, mas parece que a id�ia n�o foi adiante porque o sal�rio do chefe de servi�o no Alvorada, somado �s vantagens, � maior do que o de ministro, de maneira que ficou tudo na mesma. Gaiatice, gaiatice de boteco, com a justific�vel suspeita, por parte do leitor, de que estou enrolando e j� est� na hora de pelo menos um chutezinho a gol.

Verdade. Dei a entender que tenho achegas a oferecer, � elabora��o de uma cartilha para a imprensa. � somente um par de lembretes inofensivos, mas qui�� necess�rios, quando a imprensa, apesar da aproxima��o promovida pelo presidente, � vista at� com certo rancor e se buscam meios para �democratiz�-la� (verbinho bom, � o que Bush usa para designar o que est� fazendo no Iraque). Democratizem-na, pois. Ou seja, n�o se metam com ela, a n�o ser, naturalmente, que ela cometa algum delito.

Foi dito pelo presidente do PT a um jornalista que ele, jornalista, cuidasse da reda��o, que do PT cuidava ele, presidente do partido. Est� errado, ele se distraiu. A imprensa toma conta das reda��es e toma conta do PT, sim, partido que est� no poder e que deve satisfa��es o tempo todo, assim como toma conta dos outros partidos e de tudo o que � p�blico. O governo � que n�o toma conta das reda��es, pois a liberdade de imprensa devia ser um galard�o que esse governo brandisse com orgulho e n�o algo a ser temido. A liberdade de imprensa n�o foi presente do governo nem de partido nenhum, nem � concess�o ou colher-de-ch�. (Deve ser repetido aqui, porque faz parte do ritual, quando se trata deste assunto: claro que a imprensa comete erros, como acontece em toda atividade humana, que outra novidade h� para contar?)

O Estado existe para servir ao cidad�o, n�o o contr�rio. Eu sou obrigado � e aceito sem discutir � a ser governado desses governantes. Mas eles tamb�m s�o obrigados a aceitar governados como eu e outros que divirjam deles. Todos os minorit�rios t�m direito a tudo o que os majorit�rios t�m, mas apenas uns poucos podem expressar pela imprensa suas opini�es. Eu posso e, portanto, � praticamente minha obriga��o faz�-lo por quem n�o pode. E � obriga��o do Estado democr�tico proteger o direito de express�o de quem discorda de seu governo. N�s somos indispens�veis. E somos torcida a favor, apenas ficamos com medo de as coisas n�o darem certo. Por exemplo, estamos prontos para assistir ao espet�culo do crescimento, mas j� h� sinais de que o ingresso � muito caro e continua, como sempre esteve, na m�o dos cambistas.


Cr�nica publicada no GLOBO, em 12 de novembro de 2006.


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06-jun-2008