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H� certas coisas no PT que v�m fazendo falta,
principalmente aos inclinados ao saudosismo, como eu. V�m marcando meu tempo, s�o
parte, queira eu ou n�o, da minha hist�ria. Ao contr�rio de muitos, ou�o dizer
que at� no governo, gostei, por exemplo, de ver a estrela vermelha no mai� da
primeira-dama, tenho sentido saudades daquele s�mbolo outrora t�o ostentado e
praticamente bras�o da esperan�a para tantos de n�s (desta vez, apesar dos
n�meros do segundo turno, menos, ou o presidente teria ganho no primeiro).
Mas a inova��o n�o cessa e creio que a coqueluche do momento (l� se se foi a moderniza��o da
linguagem para a Cuc�ia � velhice � uma desgra�a) s�o as cartilhas. Tudo faz
crer que eles gostam muito de uma cartilha e, volta e meia, lemos sobre alguma a
ser distribu�da a um grupo de felizardos ou a toda a popula��o. Umas n�o deram
muito certo, como a do politicamente correto, mas isso n�o � raz�o para
desacreditar o cartilhismo em geral. O ideal de muitos deles, creio at�, s�o
cartilhas para orienta��o da vida de todo brasileiro em seus m�nimos aspectos, e
talvez possamos esperar normas para a utiliza��o do banheiro, a pr�tica sexual,
a remo��o de melecas e outros tantos setores que padecem da aus�ncia de regras
claras e ben�ficas � coletividade.
Ningu�m me disse nada, mas claros sinais indicam que muitos setores do governo e do PT v�m
pensando numa cartilha para a imprensa. Revelam m� vontade os maldizentes que
sustentam que na verdade pretendem controlar ou arrolhar a imprensa de alguma
forma. Pelo contr�rio, eles querem � melhorar a imprensa, que freq�entemente
emite opini�es err�neas, ou seja, diferentes ou opostas �s deles, assim
prestando grave desservi�o � na��o. S�o s� certas observa��es que devem ser
levadas em conta, agora que, segundo a express�o, se n�o me engano, de um
pr�prio petista, eles podem �cuspir nas rotativas� que ajudaram decisivamente
sua ascens�o ao poder.
O ministro Tarso Genro varia um pouco � e n�o s�
quanto � imprensa �, acho que conforme as circunst�ncias que percebe. J� a
outro ministro que vou citar pe�o, honestamente, sinceras desculpas por ter
tido um branco, na hora de escrever o nome dele. Claro, podia pegar o telefone
ou o jornal e fazer uma consulta, mas quis registrar o fato de me ter dado o
branco. N�o � nenhum desapre�o por Sua Excel�ncia, � esquecimento de verdade.
E, juro a voc�s, do mesmo jeito que esque�o os nomes das capitais de alguns dos
novos estados, agora n�o estou nem seguro de que o homem � de fato ministro. �
o presidente do PT no momento, disso tenho certeza.
H� justificativas para meus lapsos de mem�ria,
al�m da avan�ada idade. � que, como todos sabemos, talvez haja mais ministros
no Alvorada do que cont�nuos, de maneira que a gente se esfor�a, mas n�o
consegue decorar os nomes deles todos. Temos vasta c�pia de ministros no
governo e existir�, talvez, gente que proponha uma adapta��o do repetid�ssimo
dito de Andy Warhol, segundo a qual, durante o presente governo, cada militante
do partido ou aliado do governo ser� ministro durante pelo menos quinze
minutos. No boteco � e claro que � brincadeira de boteco �, chegaram a anunciar
que havia o plano de nomear o chefe do servi�o do cafezinho do pal�cio ministro
do Fornecimento de Bebidas Estimulantes N�o-Alco�licas, mas parece que a id�ia
n�o foi adiante porque o sal�rio do chefe de servi�o no Alvorada, somado �s
vantagens, � maior do que o de ministro, de maneira que ficou tudo na mesma.
Gaiatice, gaiatice de boteco, com a justific�vel suspeita, por parte do leitor,
de que estou enrolando e j� est� na hora de pelo menos um chutezinho a gol.
Verdade. Dei a entender que tenho achegas a oferecer,
� elabora��o de uma cartilha para a imprensa. � somente um par de lembretes
inofensivos, mas qui�� necess�rios, quando a imprensa, apesar da aproxima��o
promovida pelo presidente, � vista at� com certo rancor e se buscam meios para �democratiz�-la�
(verbinho bom, � o que Bush usa para designar o que est� fazendo no Iraque).
Democratizem-na, pois. Ou seja, n�o se metam com ela, a n�o ser, naturalmente,
que ela cometa algum delito.
Foi dito pelo presidente do PT a um jornalista
que ele, jornalista, cuidasse da reda��o, que do PT cuidava ele, presidente do
partido. Est� errado, ele se distraiu. A imprensa toma conta das reda��es e
toma conta do PT, sim, partido que est� no poder e que deve satisfa��es o tempo
todo, assim como toma conta dos outros partidos e de tudo o que � p�blico. O
governo � que n�o toma conta das reda��es, pois a liberdade de imprensa devia
ser um galard�o que esse governo brandisse com orgulho e n�o algo a ser temido.
A liberdade de imprensa n�o foi presente do governo nem de partido nenhum, nem
� concess�o ou colher-de-ch�. (Deve ser repetido aqui, porque faz parte do
ritual, quando se trata deste assunto: claro que a imprensa comete erros, como
acontece em toda atividade humana, que outra novidade h� para contar?)
O Estado existe para servir ao cidad�o, n�o o contr�rio. Eu sou
obrigado � e aceito sem discutir � a ser governado desses governantes. Mas eles
tamb�m s�o obrigados a aceitar governados como eu e outros que divirjam deles.
Todos os minorit�rios t�m direito a tudo o que os majorit�rios t�m, mas apenas
uns poucos podem expressar pela imprensa suas opini�es. Eu posso e, portanto, �
praticamente minha obriga��o faz�-lo por quem n�o pode. E � obriga��o do Estado
democr�tico proteger o direito de express�o de quem discorda de seu governo.
N�s somos indispens�veis. E somos torcida a favor, apenas ficamos com medo de
as coisas n�o darem certo. Por exemplo, estamos prontos para assistir ao
espet�culo do crescimento, mas j� h� sinais de que o ingresso � muito caro e
continua, como sempre esteve, na m�o dos cambistas.
Cr�nica publicada no GLOBO, em 12 de novembro de 2006.
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