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N�o, ainda n�o estou na Alemanha. Acho que vou ser dos �ltimos a chegar l�. N�o sei bem o que isso quer dizer, mas de vez em quando me
assalta o receio que me atribuam miss�es tais como escrever coment�rios sobre a atua��o dos gandulas. Subestimam temerariamente meus dotes
de comentarista futebol�stico, no que ser�o desmentidos pelos fatos, como se ver� no decorrer do prestigioso certame a ser conduzido na bela
na��o tedesca. Deverei entrar em a��o assim que chegar, e mal posso esperar o momento em que o Parreira me convidar� para dar uns palpites
na escala��o inicial e nas t�ticas a serem empregadas.
Mas estive fora uns dias. Compareci a uma solenidade em Fort Lauderdale, na Fl�rida, na qual diversas personalidades foram premiadas,
por sua atua��o junto �s comunidades brasileiras nos Estados Unidos ou pelo �conjunto da obra�, como brasileiros que de alguma forma
contribuem ou contribu�ram positivamente para a imagem do pa�s. Uma dessas premiadas foi a grande Hort�ncia, deusa do nosso basquete,
que j� tanto orgulho nos trouxe ao peito e que desfruta do reconhecimento merecido por uma das melhores atletas do mundo. Entrei em
natural abestalhamento de tiete, mas ela � muito simp�tica e hoje ostento em meu curr�culo pelos menos uns oito beijinhos no rosto dela,
a maior parte deles meio roubada, mas, de qualquer forma, n�o � proeza para qualquer um.
E tive minha primeira experi�ncia com uma �col�nia� brasileira no exterior. Antigamente n�o existia isso, pelo menos que eu saiba � e j�
morei nos Estados Unidos, em lugares diversos, algumas vezes. Havia sempre brasileiros, de estudantes a aventureiros por temperamento,
que costumavam formar grupos, promover uma eventual feijoada ou churrasco, dar festinhas de carnaval e coisas assim. Mas nada em grande
escala. O Brasil era um pa�s de imigra��o. Estrangeiros vinham para c� em busca de horizontes e trabalho, �s vezes de liberdade, e muitos
ajudaram e ajudam o pa�s a funcionar, ao menos no que ele ainda funciona. N�o existiam l� fora bairros brasileiros, com�rcio brasileiro,
publica��es brasileiras, organiza��es de brasileiros.
Agora, n�o. Agora s�o dezenas de comunidades, em v�rios pontos dos Estados Unidos, inclusive Fort Lauderdale. � uma sensa��o estranha,
pelo menos para um brasileiro de minha gera��o. Isso n�o ocorria, n�o entrava na cabe�a de quase ningu�m abandonar de vez o Brasil e
ir viver numa terra estrangeira, muitas vezes enfrentando dificuldades infernais. Agora, n�o. Agora, com uma certa melancolia, eu me
levanto no audit�rio da premia��o, na hora em que um coral come�a a cantar o Hino Nacional. Assisto a n�meros de canto e dan�a brasileiros,
vejo a for�a que eles fazem para n�o perderem de vez o seu pa�s, para orgulhar-se dele de alguma forma, por pequena ou modesta que seja.
Converso com diversos, ou�o hist�rias de lutas inacredit�veis. Uns poucos deixaram o Brasil para viver o �sonho americano� mitologizado
principalmente pelo cinema. Mas a maioria foi para l� por necessidade, porque aqui n�o tinha futuro, porque n�o suportava mais a viol�ncia
de que j� diversos tinham sido v�timas irrecuper�veis. A maioria enfrenta trabalho duro, condi��es de vida espartanas e, certamente, algum
preconceito. � poss�vel coligir uma hist�ria de bravura e coragem praticamente de todos os nossos emigrantes pobres ou remediados e dos que,
� custa de sete dias de trabalho por semana e feitos compar�veis, est�o hoje relativamente bem de vida.
L�em not�cias do Brasil, assistem a tev�s brasileiras, procuram acompanhar, sempre desiludidos, o que acontece aqui. N�o se sentem
americanos, n�o se sentir�o jamais. Agora na Copa, formar�o turmas nos bares brasileiros, outras na casa de quem tiver o melhor espa�o
ou a melhor tev�, v�o agitar bandeiras e vestir camisas da Sele��o, v�o sofrer mais do que os torcedores que est�o no Brasil, porque l�
n�o h� quem entenda seu comportamento e a solid�o dos guetos � um fantasma que sempre acompanhar� essas nossas �col�nias�. Dividir�o
despesas, talvez algu�m cozinhe um prato t�pico, v�o aparecer batucadas, o Brasil que eles n�o podem, nem querem, abandonar de todo,
estar� entre eles.
Na Europa os perfis certamente s�o diversos, mas o mesmo tipo de fen�meno ocorre. Houve gente que economizou at� o �ltimo centavo,
para poder sair do pa�s onde est� na Europa e ir at� a Alemanha, pelo menos a um jogo do Brasil. Aquelas bandeiras, faixas e estandartes
brasileiros que aparecem nos est�dios talvez sejam, em sua maior parte, desse pessoal. Sem perspectivas em sua terra, obrigados a emigrar
para sobreviver, n�o obstante desejam, precisam, preservar seu orgulho brasileiro.
�, n�o queria, mas acho que acabei escrevendo um texto triste. Pelo menos eu fico triste, quando vejo um pa�s rico como o nosso,
que podia abrigar mais gente e muito melhor, cuja natureza � t�o generosa, vendo seu povo gradualmente se transformar em fugitivos � e
muito mais gente gostaria de sair, mas n�o pode, por uma raz�o ou por outra. Depois de presenciar j� uma manifesta��o dessa di�spora
vergonhosa que possivelmente est� apenas come�ando e que, repito, n�o � maior porque o mundo das oportunidades n�o se abre facilmente,
vejo com outros olhos aquelas torcidas que sempre aparecem onde quer que o Brasil esteja numa disputa. Vejo brasileiros honestos,
trabalhadores, pessoas de que obviamente precisamos, condenadas, n�o a morar no estrangeiro propriamente, que pode n�o ser sacrif�cio
nenhum, mas a serem praticamente cuspidas pela m�e gentil, que, n�o obstante, se obstinam amorosamente em n�o perder.
Cr�nica publicada no GLOBO, em 4 de junho de 2006.
Fotos: Newark - Usa - por C.Ledo - Junho de 2002 - Comemora��o do penta.
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