Desvendado o segredo do servi�o de bordo

Cora R�nai

Vejam voc�s como � imprevis�vel essa vida de cronista. Na semana passada pensei muito antes de escrever a respeito dos aeroportos, dos mist�rios do servi�o de bordo e do maravilhoso fondue de chocolate da Ponte A�rea. Com o pa�s atravessando a pior crise pol�tica da sua hist�ria recente, quem � que ia se interessar por comida de avi�o?! Por outro lado, crise ou n�o crise, a vida segue � e o fondue me pareceu n�o s� digno de registro, como um bom gancho para falar sobre duas ou tr�s coisas a respeito de avi�es e aeroportos. Para minha surpresa, a repercuss�o foi enorme. Descobri que muita gente gosta de comida de avi�o; e, atrav�s do Luis Fernando Verissimo, descobri o porqu�.

Na cr�nica de domingo, ele matou a charada: �O importante n�o � a comida, � estar comendo a caminho de algum lugar.� Como � que eu n�o tinha pensado nisso?! � claro, o segredo das bandejinhas est� mais no significado do que no conte�do � embora um fondue de chocolate possa se dar ao luxo de dispensar qualquer significado.

J� o grande segredo do servi�o de bordo, que sempre come�a pela outra ponta do avi�o, me foi gentilmente esclarecido por passageiros observadores, e confirmado por tripulantes: �O servi�o come�a no meio, com duas equipes de comiss�rios, que se dirigem �s pontas�, escreveu a comiss�ria Danielle Rayol. �Dessa forma, tanto quem est� na frente quanto quem est� atr�s � servido por �ltimo... Quem est� no meio � que se d� bem. Tamb�m, j� est�o em cima da asa, pelo menos v�o comer primeiro, n�?� Faz sentido, sem d�vida alguma �- e explica porque � que eu, que sempre vou bem na frente ou bem atr�s, estou quase sempre entre as �ltimas pessoas a serem servidas. Ana Gomes, outra comiss�ria da Ponte A�rea, completou a informa��o: quando h� menos de 60 passageiros, ou seja, meio avi�o, o servi�o come�a pela frente.
 


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Devo dizer, ali�s, que fiquei extremamente comovida com a quantidade e com o teor dos e-mails que recebi de comiss�rios de bordo e comandantes da Varig, muitos deles j� aposentados. � vis�vel que, para essa turma t�o simp�tica, a Varig n�o � apenas um emprego, mas um grande motivo de orgulho, apesar dos tempos dif�ceis.

�Se um dia fizerem a CPI da Infraero, vai se descobrir que provavelmente n�o s� os fingers foram constru�dos a metro, mas concreto e asfalto tamb�m s�o um grande neg�cio�, escreveu Bruno Gelmi a respeito de outro t�pico da cr�nica, o exasperante comprimento desses t�neis nos aeroportos brasileiros. Ele se deu ao trabalho de observar alguns aeroportos no Google Earth, programa que � um perfeito retrato da Terra, e descobriu diferen�as chocantes entre o que se faz no Brasil e o que se faz no chamado mundo civilizado. Pelas fotos nota-se claramente que economia de espa�o e de recursos � coisa de paisinhos que pensam pequeno, como, digamos, a Alemanha ou os EUA. Para os f�s do Google Earth, a� v�o algumas coordenadas enviadas pelo Bruno: Gale�o 22 48� 54,62� S / 43 14� 52,92� W; Frankfurt 50 02� 50,04� N / 8 34� 31,12� E; e Los Angeles 33 56� 48,59� N / 118 24� 14,44� W.
 

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Al�m dos fingers esdr�xulos, outro crime est� sendo cometido com a reforma dos aeroportos: todos est�o perdendo os terra�os panor�micos. Quem me chamou a aten��o para isso foi Daniel Carneiro, que pertence a uma esp�cie ainda mais estranha do que a dos gourmets voadores, a dos spotters , que gostam de apreciar pousos e decolagens. Esta turma, que leva o hobby a s�rio e faz fotos maravilhosas de avi�es, est� perdendo o seu espa�o.

�Voc� deve ter acompanhado a festa que era, anos atr�s, uma chegada do Concorde ao nosso Gale�o�, observou. �Centenas de pessoas se amontoavam no (ent�o aberto) terra�o do aeroporto para apreciar o pouso da bela ave. Bons tempos que n�o voltam mais, pois o Concorde deixou de voar e os terra�os foram reduzidos e fechados com vidra�as escuras...�

Para avaliar o que se est� perdendo com o fim dos terra�os, basta dar uma olhada nas magn�ficas cole��es de imagens do Daniel, em <dcpics.notlong.com> e <dcpix.notlong.com>.
 


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J� minha apreens�o com o que est� por acontecer ao Santos Dumont encontrou eco no cora��o de Ricardo Freire, cronista da ��poca� e viajante tarimbado. Na �ltima p�gina da revista desta semana, ele prop�s a cria��o de um movimento contra a constru��o de fingers no �aeroporto mais charmoso do planeta�. O Santos Dumont � pequeno e n�o precisa de obras fara�nicas; s� precisa que o deixem em paz. Afinal, descer do avi�o por uma escadinha com vista para o P�o-de-A��car, sentindo o cheiro da maresia, � uma felicidade que n�o tem pre�o, e que faz da chegada ao Rio algo �nico e deslumbrante.

Nem preciso dizer que apoio incondicionalmente o movimento. Vamos lutar pelo tombamento do nosso aeroporto querido, antes que seja tarde!


(O Globo, Segundo Caderno, 25.08.2005)