SIM, MAS QUEM N�O �?

Jo�o Ubaldo Ribeiro

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Vejam voc�s, o sujeito pensa que j� viu tudo, tendo nascido na primeira metade do s�culo passado, e se tornado foca (involunt�rio � meu pai n�o era moleza e me meteu numa reda��o de jornal sem me consultar e eu que voltasse para casa rejeitado, porque destino mais ameno teria quem embarcasse para a Cor�ia por volta daquela �poca) aos 17 anos e militado em tudo que � tipo de coisa em reda��o de jornal, no tempo em que se berrava e fumava nas reda��es, s� tinha uma mulher ou outra, assim mesmo considerada meio anormal, ou de comportamento sexual aberrante ou v�tima de dist�rbios mentais, e bastava aprender a pilotar uma Remington para tentar se dar bem.

Viu nada. Por exemplo, eu achava que sabia a lista completa do que o camarada que escreve em jornal e quer evitar aporrinha��o desnecess�ria e in�til deve abordar somente quando as circunst�ncias imp�em. Se n�o for estritamente necess�rio, longe delas. N�o � uma lista, digamos, coerente, pois n�o obedece a nenhum crit�rio l�gico, pelo menos que eu tenha percebido. E n�o vou dar exemplos concretos, at� porque, dando-os, estaria violando minhas pr�prias regras. H� categorias, dos mais diversos tipos, que n�o podem ser mencionadas absolutamente, sob pena de choverem cartas de tudo quanto � tipo, �s vezes semanas seguidas. N�o tem santo, por exemplo, que me fa�a mencionar os issos. Os aquilos, ent�o, nem pensar. Entre os aquilos tem uma categoria terr�vel, que ainda me persegue, apesar de agora muito esparsamente, h� mais de 40 anos. E tudo o que eu fiz foi mencion�-la, sem elogi�-la ou desaprov�-la ou mesmo qualific�-la (que coisa horr�vel esses ��-las� a�, hein? � os senhores editores t�m todo o direito de escoimar do texto essas sonoridades desagrad�veis; perd�o, leitores). Nunca mais toco no nome deles, nem seus derivados, n�o h� santo que me fa�a, a n�o ser que ele seja ministro e seja pegado com um sacol�o de d�lares inexplic�veis.

Pois �, pensava que j� sabia tudo, mas Deus pune a soberba. Eis que se revela, pujante e combativo, o pessoal do entrelinhismo, que se mobilizou extraordinariamente contra meu desejo de que n�o me leiam nas entrelinhas. A maior parte se ofendeu, de tal forma que, arrependid�ssimo, digo que estamos numa democracia e defendo o seu deles, bem como o seu de voc�s, direito de ler nas entrelinhas o que bem entenderem. Bem, quase tudo, para ser sincero, porque pode ser que uma entrelinhista qualquer revele imagina��o fora do comum e me atribua posi��es de embara�osas a comprometedoras. Tirando isso entrelinhem � vontade, Deus me defenda de amea�ar esse direito sagrado.

Entrelinhem, pois, o que quiserem para o que vou dizer, embora eu mesmo n�o esteja entrelinhando nada, a n�o ser numa despretensiosa ironia ou outra que possa escapar-me. � que eu j� estou sinceramente acreditando que devemos come�ar a botar a lenha no forno, porque a pizza vai ser grande. Na verdade, se levadas aos extremos a que v�m sendo levadas, as investiga��es acabar�o por envolver todo mundo, inclusive n�s. E n�o � fantasia louca minha, n�o. Muita gente j� foi executada erroneamente, muita gente j� passou a vida em cana, no lugar do verdadeiro criminoso, de maneira que n�o � fantasioso imaginar que, se esse neg�cio continuar interminavelmente, como parece que vai continuar, acabar�o pegando a mim e, lamentavelmente, a encantadora leitora e o gentil leitor. Ser�, por exemplo, que j� n�o somos laranjas de algum esquema, sem saber?

Ou seja, todo mundo culpado, ningu�m culpado. Claro, cumprir-se-� alguma esp�cie de cerim�nia votiva com alguns pequenos sacrif�cios e depois o melhor � que fique tudo por isso mesmo. O homem (quase escrevo �dr. Lula�, porque sempre dou esse t�tulo a quem est� no poder, mas, no caso, o entrelinhismo poderia vir a ser-me diria mesmo fatal e n�o quero curtir com a cara do presidente, quero s� dizer o que penso mesmo) j� se explicou, daquela forma arrebatada, mas se explicou, � na��o. E, em seguida, o PT pediu desculpas, profusas desculpas, ao povo brasileiro. Que � que querem mais, que v�o lavar o ch�o das cozinhas dos pequenos-burgueses que se indignam � coisa mais atrasada n�o cobrem os c�us � e adotam esse falso moralismo s� para atrapalhar um governo que faz, que realiza, que empreende, que inova, que abre frentes pioneiras, que reduz a pobreza, que afirma renhidamente a soberania nacional e a coloca��o dos interesses do Brasil acima dos interesses da banca internacional? J� causaram estrago suficiente com essa babaquice e que querem mais? Querem cabe�as, � isso, querem cabe�as, insuflados pela m� imprensa, praga respons�vel por tudo.

Concordo integralmente. Matem-se os devidos bodes expiat�rios, assim at� mesmo satisfazendo anseios at�vicos de pr�ticas religiosas primitivas t�o arraigadas no inconsciente brasileiro, e depois continua tudo como antes no quartel de Abrantes, fica o dito por n�o dito, n�o se toca mais no assunto, por n�s o caso est� encerrado, cairemos duros para tr�s se acontecer alguma coisa a algu�m mais, �guas passadas n�o movem moinhos, aquele que n�o pecou atire a primeira pedra, j� n�o est� mais aqui quem falou, o que n�o tem rem�dio remediado est�, pior seria se pior fosse, errar � humano, ningu�m � infal�vel, todos merecem uma segunda oportunidade e assim por diante. Devemos, pois, s�rio mesmo, acender logo o forno dessa pizza, � quest�o de sobreviv�ncia coletiva. Vamos acabar com essa hist�ria de querer que o PT seja n�o s� um partido de vestais, quando todo mundo nos outros se locupleta mas a elite quer tirar-lhe essa prerrogativa tradicional, como tamb�m um partido de esquerda. O pr�prio presidente disse que n�o � de esquerda, para n�o falar, como j� murmura a voz do vulgo, que, no Brasil, nem a esquerda � direita.