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Fui a S�o Paulo na semana passada para ver
as novidades em c�meras digitais. Pedi um assento na janela, do lado
direito, bem na frente do avi�o.
O detalhe do lado direito � muito
importante: h� poucos v�os t�o bonitos quanto a Ponte A�rea, mas
enquanto o pessoal do lado esquerdo s� v� um pedacinho de Niter�i e
muito de mar, quem vai do lado direito v� toda a ba�a, passa rente ao P�o-de-A��car,
acompanha as praias e, em dias claros, tem paisagem ininterrupta at� a
chegada.
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Ir bem na frente � menos importante, mas tamb�m tem suas vantagens,
sobretudo para quem gosta de fazer fotos a�reas, j� que n�o h� asa
atrapalhando a vista; al�m disso, o desembarque � mais r�pido, porque
nos fingers de Congonhas n�o se usa a porta traseira. Fingers,
voc�s sabem, � como se chamam aqueles corredores m�veis que se
encostam ao flanco dos avi�es, e que substitu�ram as escadas nos
aeroportos de quase todas as grandes cidades.
Antigamente eu achava os fingers o m�ximo da modernidade, uma
das grandes inven��es do engenho humano; mas n�o h� como continuar
gostando deles depois de ver as barbaridades que fizeram na parte nova do
Gale�o, em Guarulhos e em Congonhas. Pensados originalmente para
facilitar a vida dos passageiros, e tornar embarques e desembarques mais
r�pidos, aqui eles se transformaram em labirintos intermin�veis, que
funcionam exatamente ao contr�rio do que seria de se esperar. No dia em
que algu�m fizer a CPI da Infraero, vai se descobrir que foram
negociados a metro. N�o h� outra explica��o.
O resultado � que hoje chego a sentir ternura pelos pequenos aeroportos
� antiga, cada vez mais raros, e me assusto em pensar no que v�o fazer
com o Santos Dumont, que eu tanto amo. Cada vez que desembarco de volta,
olhando a nossa paisagem extraordin�ria atrav�s dos tubinhos
transparentes que cobrem as escadas, fico com o cora��o apertado.
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Os estrangeiros que v�m ao Brasil ficam bestas com a Ponte A�rea, e n�o
s� por causa da paisagem. H� poucos lugares no mundo em que ainda se
serve alguma coisa em v�os t�o curtos. Nos Estados Unidos, por exemplo,
onde as companhias a�reas j� eram mesquinhas antes do 11 de setembro,
corre-se atualmente o risco de se atravessar o pa�s sem se receber nada
al�m de um m�sero refrigerante.
Acho o m�ximo apresentar amigos de fora aos luxos da Ponte A�rea e ver
o seu ar de espanto diante das caixinhas de comida que as aeromo�as mal
t�m tempo de distribuir.
Pena que, na semana passada, estava sozinha. � que, dessa vez, at� eu
me espantei quando o comandante � sim, ele em pessoa! � nos informou
que havia uma surpresa para os passageiros no servi�o de bordo: fondue
de chocolate com frutas frescas.
Fondue?! Num avi�o?!
Minha curiosidade, por�m, demorou a ser satisfeita. A equipe come�ou a
servir os passageiros de tr�s para frente, e fui das �ltimas a ser
atendida. O fondue veio em duas caixinhas, uma com peda�os de fruta,
outra com chocolate amargo derretido. Delicioso!
Resultado: na volta, por causa desta maravilha da culin�ria a�rea, pedi
um lugar no fundo do avi�o (tamb�m do lado direito, com vista para a
restinga, as montanhas, o Maracan� e o cais do porto, com direito �
Ilha Fiscal lindamente iluminada ao anoitecer). Eu estava convencida de
que garantia, assim, um fondue com o chocolate pelando de quente.
Pois sim! Alguns mist�rios s�o insond�veis para o mortal comum, e
entre eles est� a ordem do servi�o de bordo � que nunca jamais
consegui acertar, em v�o algum. Este n�o foi exce��o, e come�ou,
claro, l� pela frente. Um dia, quem sabe, eu talvez adivinhe certo.
Sim, adoro comida de avi�o, mesmo quando n�o � t�o surpreendente. Nos
velhos tempos, a �nica pessoa que me entendia era o Luis Fernando Ver�ssimo,
um gourmet que n�o tem medo de confessar o que, para tanta gente, �
pura heresia gastron�mica. Agora, com a Internet, percebo que n�o
estamos sozinhos. A comida de avi�o tem uma legi�o de admiradores, cujo
ponto de converg�ncia � o util�ssimo site
<www.airlinemeals.net>, �nica e exclusivamente dedicado ao
assunto. L� o conhecedor pode se entreter com milhares de fotos de refei��es
de bordo, servidas por centenas de companhias a�reas, entre elas as
falecidas Braniff e Pan Am; as refei��es s�o minuciosamente descritas,
com notas dadas pelos passageiros ou tripulantes que as fotografaram.
S� do Concorde da British Airways h� 101 fotos; da Singapore Airlines,
universalmente considerada a melhor companhia a�rea do mundo, h� 661
fotos, acompanhadas das mais diversas manifesta��es de encanto e
prazer.
Nem preciso dizer que j� mandei para l� umas fotinhas do fondue de
chocolate da nossa Varig. Dei nota 10.
(O Globo, Segundo Caderno, 18.08.2005)
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