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Com esse sucesso todo, o melhor do repert�rio da rec�m criada Bossa Nova chegava at� a Am�rica. Com o meu grupo "Bossa Rio"
e o do Sergio Mendes, abr�amos espa�o no gosto do americano e tivemos a chance de pisar em palcos muito importantes dos Estados
Unidos como o Hollywood Bowl e o Greek Theatre, em Los Angeles, o Carnegie Hall e o Lincoln Center, em New York. Era uma loucura
a aceita��o do p�blico, aprend�amos muito da Am�rica excursionando pelos EUA e sabore�vamos o que a m�sica do meu pa�s causava nas pessoas.
Viajamos por muitos pa�ses, chegamos at� o Jap�o, onde o sucesso do nosso grupo "Bossa Rio" na inaugura��o da grande feira mundial
Expo 70, superou at� o pr�prio conjunto do Sergio, Brazil 66 (ele n�o sabia se ficava contente, ou, enciumado...) e nos rendeu um
convite para permanecer 3 meses excursionando por Osaka, Kyoto e Tokyo, al�m do lan�amento de 2 Lps no Jap�o, sendo um deles o nosso
show ao vivo, na Expo.
Foi muito importante para mim fazer parte desse processo, me sentir um pioneiro, levando como um embaixador do Brasil a nossa cultura
musical.
Era um momento incrivelmente f�rtil na hist�ria musical do Brasil contempor�neo e que sacudiu com todas as for�as a cultura americana.
A m�sica brasileira veio oferecer um frescor e sabor novos ao que j� estava cristalizado aqui. A contribui��o que a Bossa Nova deu ao
pr�prio jazz, foi imensa. Eu diria mesmo que foi uma sa�da. Um f�lego novo ao j� riqu�ssimo - mas um tanto ap�tico - repert�rio
americano, carente de alguma coisa que proporcionasse o que aconteceu naquele momento: despertar um interesse novo nos seus m�sicos.
Surgiram caminhos novos mel�dicos e harm�nicos para o improviso, t�o peculiar na cultura musical americana.
Jo�o Gilberto era o grande nome que se firmava e modificava todo o formato do que at� ent�o era a m�sica brasileira. Jo�o mudou tudo!
At� a m�sica americana.
Claro que Antonio Carlos Jobim com o sucesso de "Garota de Ipanema" era o nome que mais crescia no mercado e com ele o repert�rio
que aos poucos ia tomando espa�o no gosto dos apreciadores de uma nova m�sica e um novo g�nero. As m�sicas de Vin�cius de Moraes,
Carlos Lyra, Roberto Menescal, Tito Madi iniciavam o caminho maravilhoso que a m�sica brasileira iria percorrer. A Am�rica descobre
o talento do grande violonista e compositor Luiz Bonf� em "Manh� de Carnaval", tema do premiado filme "Orfeu do Carnaval", tornando-se
um dos maiores hits aqui e o filme, uma refer�ncia cult entre os cin�filos americanos. A Bossa Nova era a m�sica de um pa�s chamado Brasil.
Assim fui assistindo chegar aqui uma primeira leva de m�sicos da melhor qualidade, que aos poucos iam "furando" o mercado e conquistando
seus espa�os, merecidamente. O Sergio colocou muitos deles trabalhando em seu conjunto: Jorge Ben, Ti�o Neto, Oscar Castro Neves, Dom
Um Rom�o... Foram muitos a fazer sucesso, e o mais importante, a plantar na Am�rica as sementes de uma cultura musical brasileira
geradora de muitos frutos a partir da�. Mas, s� vou poder comentar alguns...
Antes da minha chegada, Walter Wanderley, pianista e organista, estourou com o "Samba de Ver�o" do Marcos Valle e Paulo Sergio Valle.
M�sica que puxou o seu disco instrumental, "Summer Samba", levando-o ao 1o lugar do Hit Parade da Billboard. Tal fa�anha jamais
foi alcan�ada por outro artista brasileiro. O sabor dos seus improvisos deixavam os m�sicos americanos que o assistiam, simplesmente
"babando". Tenho orgulho ter a minha m�sica "Bossa na praia" inclu�da neste disco.
A for�a do nosso ritmo abriu espa�o para muitos bateristas/percussionistas brasileiros. Nan� Vasconcelos, � um dos mais badalados:
instrumentista revolucion�rio, audacioso, enlouquece a plat�ia. Airto Moreira, excelente percussionista, m�sico especialmente criativo,
tem participado dos �lbuns dos mais renomados artistas americanos, assim como Paulinho da Costa (d� uma olhadinha na ficha t�cnica dos
seus discos: um deles voce encontrar�). Semana passada eu assisti o Airto como convidado especial duma apresenta��o da Orquestra Filarm�nica
de Boston. Deu um show com seus instrumentos ex�ticos! Casado com a Flora Purim, cantora brasileira que aos poucos consolidou seu trabalho
no mundo do jazz, a ponto de ser apontada como a melhor cantora de jazz dos EUA, pela Billboard.
Mas, o que realmente consolidou a m�sica brasileira no mercado americano foi o disco "Francis Albert Sinatra and Antonio Carlos Jobim",
em 1967. Sinatra fez quest�o da participa��o de Jobim no disco. A partir da�, realmente o grande p�blico tomou conhecimento da Bossa Nova.
Ouvia-se Bossa Nova nas festas ao lado da piscina nos filmes de Hollywood e at� nos elevadores.
Num segundo disco do Tom com o Sinatra, Jobim trouxe do Brasil mais um grande talento: Eumir Deodato, pianista, arranjador e compositor.
Eumir veio e ficou. Nessas �ltimas duas d�cadas, do seu est�dio em New York tem sa�do muitos sucessos para o hit parade americano, pois
Eumir n�o limita seu trabalho � m�sica brasileira, tendo produzido Roberta Flack, Stevie Wonder, entre outros. O arranjo que o lan�ou
para o estrelato americano foi o da can��o inclu�da no filme "2001 uma Odiss�ia no Espa�o": o tema "Assim falava Zaratustra". O resultado
foi bomb�stico!
Um que chegou quando eu estava voltando pro Brasil em 71, foi o Oscar Castro Neves, guitarrista excepcional, participou em 15 discos do
Sergio Mendes, al�m de trabalhar sempre com os mais importantes artistas americanos. Considerado um dos melhores arranjadores e produtores
de disco do mercado americano, o seu trabalho de arranjador e produtor do �lbum "Soul of the Tango" com o maior cellista da atualidade,
Yo-Yo Ma, recebeu este ano o maior pr�mio da m�sica americana, o Grammy, e, permanece como destaque da conceituada revista Billboard,
h� mais de um ano.
Nos anos 80, a m�sica brasileira ganha refor�o no mercado com a chegada de novos talentos.
T�nia Maria, genial int�rprete, vinda de
muito sucesso na Fran�a, se muda para o Village (N.Y.) e arrasa nos festivais de jazz com sua performance muito livre e criativa.
Baden Powell passa a viver na Europa e conquista seu espa�o no diversificado cen�rio musical europeu. Milton Nascimento e os baianos
Caetano Veloso e Gilberto Gil colocam a Am�rica em seu roteiro internacional. Gal Costa passa a ser convidada por Jobim para outras
apresenta��es ap�s o sucesso duma noite no Carnegie Hall. A pianista Eliane Elias ganha as capas das mais importantes publica��es
como revela��o musical brasileira. Hoje � considerada o que h� de melhor no jazz americano.
Jo�o Gilberto domina de tal forma o cen�rio que se d� ao luxo de resgatar a obra de compositores brasileiros de fase bem anterior � Bossa:
Dorival Caymmi, Ary Barroso e meu pai, Herivelto Martins (sua grava��o de Izaura, � uma del�cia!). Quincy Jones descobre a riqueza da
obra de Ivan Lins e a impulsiona no mercado americano.
O pr�prio Roberto Carlos come�a a se dedicar a uma carreira internacional, tornando-se �dolo da m�sica rom�ntica latina, abrindo
caminho para artistas como Jos� Augusto, Simone e at� mesmo para Caetano Veloso, que no final dos anos 90 viria conquistar o mercado
latino com o disco "Fina estampa", com cl�ssicos da m�sica latina, cantados em espanhol. E n�o podemos esquecer, Nelson Ned, �dolo
pioneiro nesse mercado.
Nos anos 90 o leque vem se abrindo... novas sonoridades entram no universo conquistado pela Bossa Nova. Paul Simon grava com o grupo
baiano Olodum e faz uma apresenta��o apote�tica com eles no Central Park de N.York colocando-os definitivamente no circuito de shows
(temos o mesmo empres�rio americano e sei que agora em setembro vieram fazer 18 shows nos EUA). O m�sico David Byrne vai ao Brasil
buscar o tropicalista Tom Z� (que com simplicidade declara nunca ter feito uma viagem internacional...) e lan�a um �lbum
de Tom Z�
muito bem recebido pela cr�tica americana, abrindo uma carreira internacional para um artista que estava totalmente fora do mercado
em sua terra natal. E hoje j� se discute na m�dia americana a Tropic�lia.
As gravadoras brasileiras come�am a acordar para esse cen�rio e a investir internacionalmente em alguns artistas. A baiana Daniela
Mercury eletriza as plat�ias americanas com sua ax�-music. Carlinhos Brown recebe de sua gravadora um lan�amento de super star na
Europa. A cantora Marisa Monte j� divide a sua agenda nacional com o mercado externo. E at� o pagodeiro Alexandre Pires, do grupo
S� pra Contrariar, come�a a tocar nas r�dios hispanas, atrav�s da bem armada parceria com a deusa Gloria Estefan.
E est�o chegando mais... Vin�cius Cantu�ria mudou-se para N. York onde come�a a abrir um espa�o. Um amigo meu do Rio desenvolveu
um selo instrumental aqui e j� vendeu mais de 60 mil c�pias do disco lan�ado pelo instrumentista Torquato Mariano. Cesar Camargo
Mariano tamb�m mudou-se para os arredores de N. York e est� dividindo o seu trabalho entre o Brasil e as trilhas sonoras para
jingles da TV americana e filmes. Eu, como bom carioca, ao voltar a viver nos EUA, preferi as praias de Miami e me divido entre
a minha agenda no Brasil e minhas apresenta��es em espa�os conceituados como o Sculler's de Boston e o Blue Note de N. York, nos
�ltimos 3 anos.
Assim cada vez mais a m�sica popular brasileira vem se firmando, seguindo um caminho de muito respeito e credibilidade, acima de
qualquer outra �poca do passado, a ponto de ter conquistado espa�o na mais importante premia��o do mercado musical americano, o
Grammy, para os talentos de Gilberto Gil, neste ano, e, em anos anteriores, Milton Nascimento, Sergio Mendes, Roberto Carlos. Sem
falar em alguns que j� foram nominados, mas n�o chegaram ao pr�mio m�ximo, como foi o caso de Dori Caymmi, com o lind�ssimo
�lbum
"Brazilian Serenade". Dori se mudou para Los Angeles desde que a convite do Sergio Mendes foi produzir um dos �ltimos �lbuns da
divina Sarah Vaughan.
E a academia tamb�m premiou a Tom Jobim, numa homenagem p�stuma. Mesmo n�o tendo sido com seu melhor trabalho, o importante foi o
reconhecimento dado � sua genialidade. Afinal, Tom Jobim � o compositor mais cultuado dos �ltimos 30 anos nos Estados Unidos.
E me vem � cabe�a claramente uma lembran�a... eu j� era um rapaz nos meus 19 anos de idade. Minha m�e, Dalva de Oliveira recebia na
�poca tratamento de estrela m�xima da sua gravadora, a Odeon. Tinha sempre os melhores profissionais como Radames Gnatalli, Leo Peracchi,
Francisco Canaro. O produtor que estava trabalhando com ela no seu disco do momento, lhe sugeriu dar uma chance a um novo arranjador e
compositor que estava surgindo no cen�rio art�stico. Ela concordou. Assim, numa tarde eu fui abrir a porta para um rapaz que chegaria em
nossa casa em Jacarepagu� no Rio, timidamente se apresentou, sentou no piano e come�ou a trabalhar com minha m�e. Dele e do Newton Mendon�a,
ela gravou neste disco a can��o "Teu castigo" e fez muito sucesso com o seu arranjo de "Neste mesmo lugar" de Klecius Caldas.
Eu havia aberto a porta de casa para o Tom Jobim. E Dalva abria a porta do mundo para Tom.
27/setembro/1999
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