|
Senhor Presidente,
Antes de mais nada, quero tornar a parabeniz�-lo
pela sua vit�ria estrondosa nas urnas. Eu n�o gostei do resultado,
como, ali�s, n�o gosto do senhor, embora afirme isto com respeito.
Explicito este meu respeito em dois motivos, por ordem de import�ncia.
O primeiro deles � que, como qualquer semelhante nosso, inclusive
os milh�es de miser�veis que o senhor volta a presidir, o senhor
merece intrinsecamente o meu respeito. O segundo motivo � que o
senhor incorpora uma institui��o basilar de nosso sistema pol�tico,
que � a Presid�ncia da Rep�blica, e eu devo respeito a essa
institui��o e jamais a insultaria, fosse o senhor ou qualquer
outro seu ocupante leg�timo. Talvez o senhor nem leia o que agora
escrevo e, certamente, estar� se lixando para um besta de um assim
chamado intelectual, mero autor de uns pares de livros e de uns
milhares de cr�nicas que jamais lhe causar�o mossa. Mas eu quero
dar meu recadinho.
Respeito tamb�m o senhor porque sei que meu respeito, ainda que
talvez seja relutante privadamente, me � retribu�do e n�o o faria
abdicar de alguns compromissos com que, justi�a seja feita, o
senhor h� mantido em sua vida p�blica - o mais importante dos
quais � com a liberdade de express�o e opini�o. O senhor,
contudo, em quem antes votei, me traiu, assim como traiu muitos
outros como eu. Ainda que obscuramente, sou do mesmo ramo
profissional que o senhor, pois ensinei ci�ncia pol�tica em
universidades da Bahia e sei que o senhor � um soci�logo med�ocre,
cujo livro O Modelo Pol�tico Brasileiro me pareceu um amontoado de
obviedades que n�o fizeram, nem fazem, falta ao nosso pensamento
sociol�gico. Mas, como dizia antigo personagem de J� Soares, eu
acreditei.
O senhor entrou para a Hist�ria n�o s� como nosso presidente,
como o primeiro a ser reeleito. Parab�ns, outra vez, mas o senhor
nos traiu. O senhor era admirado por gente como eu, em fun��o de
uma postura �tica e pol�tica que o levou ao ex�lio e ao
sofrimento em nome de causas em que acredit�vamos, ou pelo menos n�s
pens�vamos que o senhor acreditava, da mesma forma que hoje acha
mais conveniente professar cren�a em Deus do que neg�-la, como
antes. Em determinados momentos de seu governo, o senhor chegou a
fazer cr�ticas, �s vezes acirradas, a seu pr�prio governo, como
se n�o fosse o senhor seu mandat�rio principal. O senhor, que j�
passou pelo rid�culo de sentar-se na cadeira do prefeito de S�o
Paulo, na convic��o de que j� estava eleito, hoje pensa que � um
pol�tico competente e, possivelmente, tem Maquiavel na cabeceira da
cama. O senhor n�o � uma coisa nem outra, o buraco � bem mais
embaixo. Pol�tico competente � Ant�nio Carlos Magalh�es, que
manda no Brasil e, como j� disse aqui, se ele fosse candidato,
votaria nele e lhe continuaria a fazer oposi��o, mas pelo menos
ele seria um presidente bem mais macho que o senhor.
N�o gosto do senhor, mas n�o tenho �dio, � apenas uma diverg�ncia
hist�rico-glandular. O senhor assumiu o governo em cima de um plano
financeiro que o senhor sabe que n�o � seu, at� porque lhe falta
compet�ncia at� para entend�-lo em sua inteireza e hoje, levado
em grande parte por esse plano, nos governa novamente. Como j�
disse na semana passada, n�o lhe quero mal, desejo at� grande
sucesso para o senhor em sua pr�xima gest�o, n�o, claro, por sua
causa, mas por causa do povo brasileiro, pelo qual tenho tanto amor
que agora mesmo, enquanto escrevo, estou chorando.
Eu ouso lembrar ao senhor, que tanto brilha, ao falar franc�s ou
espanhol (ingl�s eu falo melhor, pode crer) em suas idas e vindas
pelo mundo, � nossa custa, que o senhor � o presidente de um povo
miser�vel, com umas das mais in�quas distribui��es de renda do
planeta. Ouso lembrar que um dos feitos mais memor�veis de seu
governo, que ora se passa para que outro se inicie, foi o socorro,
igualmente a nossa custa, a bancos ladr�es, cujos respons�veis
permanecem e permanecer�o impunes. Ouso dizer que o senhor n�o fez
nada que o engrande�a junto aos cora��es de muitos compatriotas,
como eu. Ouso recordar que o senhor, numa demonstra��o inacredit�vel
de insensibilidade, aconselhou a todos os brasileiros que fizessem
check-ups m�dicos regulares. Ouso rememorar o senhor chamando os
aposentados brasileiros de vagabundos. Claro, o senhor foi
consagrado nas urnas pelo povo e n�o serei eu que terei a arrog�ncia
de dizer que estou certo e o povo est� errado. Como j� pedi na
semana passada, Deus o assista, presidente. Paradoxal como pare�a,
eu tor�o pelo senhor, porque tor�o pelo povo de famintos,
esfarrapados, humilhados, injusti�ados e desgra�ados, com o qual o
senhor, em seu pal�cio, n�o convive, mas eu, que inclusive sou
nordestino, conhe�o muito bem. E ouso recear que, depois de
novamente empossado, o senhor minta outra vez e traga tantas ou mais
desditas � classe m�dia do que seu antecessor que hoje vive em
Miami.
J� trocamos duas ou tr�s palavras, quando nos vimos em
solenidades da Academia Brasileira de Letras. Se o senhor, ao por
acaso estar l� outra vez, dignar-se a me estender a m�o, eu a
apertarei deferentemente, pois n�o desacato o presidente de meu pa�s.
Mas n�o � necess�rio que o senhor passe por esse constrangimento,
pois, do mesmo jeito que o senhor pode fingir que n�o me v�, aho mesma coisa posso eu fazer. E, falando na Academia, me ocorre agora
que o senhor venha a querer coroar sua carreira de gl�rias entrando
para ela. Sou um pouco mais mocinho do que o senhor e n�o tenho
nenhum poder, a n�o ser afetivo, sobre meus queridos confrades.
Mas, se na ocasi�o eu tiver algum outro poder, o senhor s� entra l�
na minha vaga, com direito a meu lugar no mausol�u dos imortais.
|