Alfabetizadora atenta aos problemas de sua turma, percebeu que algo não ia bem com aquela menina frágil. Sabia, por ser amiga da família, que a relação dos pais estava passando por uma fase ruim. Resolveu, então, intervir, tentando uma reconciliação entre eles.
Traçou o seguinte plano: comprou duas entradas para uma peça de teatro famosa na época. A aluna deveria dizer à mãe que as havia achado na rua, na volta do colégio e, aí, quem sabe?
No dia estipulado, script decorado e uma dose extra de coragem, lá veio a garotinha da escola com um envelope na pasta, QUEIMANDO! (Ao entrar em casa, preferia ter morrido na véspera, conhecedora que era da posição inflexível da mãe em relação a mentiras.)
Nervosamente, então, entrega as entradas e começa a desempenhar o seu papel, sem grande convicção. A mãe se surpreende.
-- Como alguém ia perder isso sem perceber?
Pergunta imprevista, só Deus sabe o que foi respondido. E o interrogatório continuou...
Depois de algum (pouco) tempo, premida tanto pela autoridade materna quanto pela fragilidade dos seus sete anos, sucumbiu e, chorando, confessou a verdade! Terrível verdade!
Imediatamente, a reação: a menina deveria entregar as entradas de volta à professora, que morava perto! Agradeceria e, pronto, tudo resolvido! Tudo?
E lá foi ela, de volta, com o bendito envelope na mão, (QUEIMANDO!)
Pela segunda vez, naquele curto espaço de tempo, preferiu a morte na véspera!
Foi andando, cabisbaixa...
Tento reconstituir seu percurso, estes passos, num tão pequeno espaço físico, inversamente proporcional ao tempo psicológico, implacável.
O fato de ter MENTIDO já lhe bastaria. Acrescentava- se, a ele, a revelação de um segredo da SUA professora, a quem adorava. Além disto, o ter que enfrentá-la, depois de tê-la traído.
E as entradas, QUEIMANDO, na mão...
Passo a passo, penosamente, se aproxima da casa...
Quantos quilômetros percorreu ela?
Nunca se saberá!
Mas, com certeza, os ecos destes passos são ouvidos até hoje...
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