Filho de padre calabrês com uma adolescente, Rosária, que morreu no parto, Pasquale, meu avô, nunca se conformou com seu destino: a lacuna ao lado do nome do pai, ("di ignote"), o marcou para sempre.
Criado por uma família amiga, veio para o Brasil em busca de trabalho, ainda rapaz. E aqui conheceu e se casou com minha avó, Maria Antônia, italiana como ele. Tiveram nove filhos.
Sapateiro, vastos e negros bigodes, no Carnaval saía do sério e, acompanhado da indefectível maleta, chapéu e longa capa preta, transformava-se em médico.
O resto do ano, rígido com a educação dos filhos, tinha na vara de marmelo a sua melhor aliada.
Aos quarenta e poucos anos, adoeceu. Minha avó, grávida do nono filho, prestes a nascer, foi para o quarto contíguo ao do marido moribundo. E então, por cima das frágeis paredes que mal separavam os dois cômodos, eles se comunicavam em dialeto. Até o momento em que o filho nasceu e o pai, um dia depois, morreu.
No prego atrás da porta do quarto, no bolso do paletó simples, o dinheiro certo do aluguel da casa, única herança material.
Esta é uma história banal. Trajetória comum a tantas outras famílias simples. Mas, o fato de ser a do MEU avô, a faz única.
O exercício de recriação da cena final, a que me dedico a cada vez que tento imaginar sua vida, me traz uma tristeza imensa: neta não conhecida, que se ressente de não ter tido um avô para mimá-la e que se irmana nesta dor atemporal, da exclusão desde o nascimento, da lacuna da página que sangra...
E as cenas se repetem em minha mente...
Dois imigrantes que se amam, ela a trazer a Vida e ele a ser levado pela Morte...
Este antagonismo trágico reverbera até hoje, quase 100 anos depois, e como dói!
(para Clementina)
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