A consulta estava marcada para cinco horas.
Ainda havia tempo, ent�o!
A tarde fria convidava a um capuccino, na padaria sofisticada, inaugurada recentemente.
Pelo caminho, as vitrines me convidavam ao sonho de consumo, t�o distante, cada vez mais...
Sucumbo, vencida, diante de uma delas, e a� escuto:
"Fessora! Num t� mi conhecendu, n�o?"
Olho em volta e constato: s� h� dois mendigos!
E � um deles, justamente o mais novo, que me olha, sorrindo desdentadamente...
pele amarela, ressequida, olhos que saltam das �rbitas, cabelos emaranhados...
� ELE!
Reconhe�o-o de imediato! O aluno inquieto, desligado, que falava "de tr�s pra frente", que me deixava louca ao me questionar, boba que era, sobre os porqu�s...
Sim, era ELE!
Ele, que tempos atr�s eu encontrara no ponto do �nibus, muito magro e que se mostrara sem gra�a quando lhe dirigi a palavra, carinhosamente...
Era ELE!
O mendigo era o MEU aluno! A quem eu conhecia desde os dez anos, menino ainda...
"T� vendu? Eu num ti d�ssi? � a minha professora de franc�s!", ele continua, dirigindo-se ao companheiro.
Mal conseguindo me equilibrar, devido ao atordoamento que se apodera de mim, ajoelho-me a sua frente e come�amos a conversar.
(noto que as pessoas que passam denotam estranheza e apreens�o...)
E a� despejo uma torrente de perguntas sobre aquele ser fragilizado, aparentando 40 anos, quando deveria ter 25, no m�ximo!
E ele me conta a sua "vida".
Pergunto-lhe a forma pela qual posso ajud�-lo. Se posso voltar no dia seguinte com roupas e mantimentos, quem sabe tentar ver um emprego, sei l�
eu. Ele me revela um segredo: cada dia fica num lugar diferente, por estar sendo
perseguido... (Verdade? Mentira? Realidade? Fic��o?)
Uma vez por semana telefona para a m�e e a� combinam um local de encontro, para que ela lhe entregue alguma comida e dinheiro.
Me d�, ent�o, o telefone de uma tia.
Fico sem saber o que fazer, totalmente idiotizada. Pago-lhes um lanche e constato que, a estas alturas, j� est� na hora da minha consulta...
E volto, apressada! Do capuccino, me esqueci!
A emo��o me embota os sentidos, o peito parece que vai arrebentar.
Entro no consult�rio. O m�dico, amigo de longa data, constata algo de diferente em
mim. Questionada, desabo. Aos poucos, me recomponho e a consulta chega ao fim.
� noite, em casa, consigo com uma amiga o telefone de uma casa de apoio e � de posse deste n�mero m�gico, para mim, que ligo para a tia do meu aluno.
Que me atende desconfiada e s� se abre depois de muita insist�ncia minha.
Conta que tudo o que era poss�vel j� havia sido feito por ele. Mas que, a cada vez que a recupera��o parece estar pr�xima, ele retorna �s ruas e some por longo
tempo. Para depois reaparecer em total decad�ncia, dan�a macabra sem fim....
Agradece meu interesse, mas solicita que eu n�o lhe telefone mais. Aceita passar o n�mero da casa de apoio para a irm�. Pede que eu entenda a sua posi��o. E desliga.
E, como Chico, "eu fiquei sem verso, eu fiquei em v�o"...
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