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No meu distante tempo de rapaz
falava-se muito em complexo de inferioridade e superioridade. Caiu de moda, n�o
sei bem por qu�. Talvez seja at� politicamente incorreto dizer que algu�m tem
complexo, essas quest�es ficam cada vez mais complicadas. Mas, naquele tempo, n�o.
Todo mundo tinha complexo, se bem que fosse uma condi��o de diagn�stico
problem�tico, porque se alegava que quem ostentava ares de melhor que os outros
estava, na verdade, mascarando um complexo de inferioridade e, por seu turno,
quem agia com excessiva humildade e timidez era no fundo um descomunal
arrogante, que temia exibir sua convic��o de que pairava muito acima do
semelhante. No meu caso pessoal, jamais houve consenso, embora, em retrospecto e
a julgar pelo meu desempenho em namoros e correlatos, tendo a crer que nem
complexo de inferioridade eu tinha realmente - era inferior mesmo, condi��o
enfatizada com acabrunhante regularidade pelas mo�as que tentava cortejar.
Quanto aos brasileiros em
geral, contudo, o complexo de inferioridade era reconhecido quase com
unanimidade. Segundo nossa vis�o, n�o val�amos nada, tudo de fora era melhor
e Deus se mostrara injusto conosco, fazendo-nos nascer aqui. Em comportamento t�pico
do complexado, ensai�vamos alguns esfor�os para nos livrarmos disso, desde
escrever livros mostrando como �ramos aben�oados, a proclamar convic��es
exaltadas de que t�nhamos as mulheres mais elegantes do mundo, os melhores
pilotos de avi�o, os melhores arquitetos e at� a melhor gente, cort�s,
alegre, hospitaleira e despida de preconceitos. Mas a verdade � que o complexo
se manifestava o tempo todo. Nada fabricado no Brasil, por exemplo, funcionava
direito, a ponto de ter havido casos pat�ticos, como brasileiros trazendo do
exterior produtos de marca estrangeira, mas fabricados aqui mesmo e exportados.
E qualquer coment�rio estrangeiro sobre o Brasil, por mais imbecil�ide,
ganhava manchetes na imprensa, tratava-se de opini�o sempre relevant�ssima,
que nos engrandecia no concerto das na��es ou, bem mais comumente, nos
recolocava no nosso lugar apropriado, ou seja, a quinta ou sexta categoria.
Agora olhamos em torno e vemos
que, embora n�o usemos a palavra, continuamos complexad�ssimos. N�o nos
expomos mais a espet�culos rid�culos, tais como o deslocamento maci�o de
torcedores fan�ticos para concursos de misses aos quais ningu�m, a n�o ser n�s,
dava import�ncia e j� reconhecemos que algumas das coisas produzidas aqui s�o
de boa qualidade, mas persistimos numa postura de rabo entre as pernas. Sou
veterano em congressos, conclaves, semin�rios e quejandos internacionais e j�
assisti, entre deprimido e envergonhado, a brasileiros ouvindo, cabisbaixos e
contritos, serm�es de representantes de povos muito mais desenvolvidos (o que l�
queira dizer isto) do que n�s, a respeito, por exemplo, das mortes de crian�as
de rua no Brasil. Claro, o problema das crian�as de rua � s�rio e vergonhoso,
mas n�o se podem aceitar palavras santimoniais de quem, t�o adiantado e
desenvolvid�ssimo, j� matou crian�as em escala industrial e sistematicamente.
O mesmo ocorre em praticamente todas as �reas. Fala-se em favelas, outra
vergonha, mas esquecem-se os guetos raciais, religiosos ou econ�micos do pa�s
de quem est� falando. Continuamos inferiores e nem a nossa l�ngua presta, como
se observa em toda parte e como � manifestado em coment�rios de que ela �
inexpressiva, n�o serve para cinema e, mesmo na m�sica, o ingl�s soa
melhor.Nossas lideran�as e nossos formadores de opini�o (o que l� seja isso
ou-tra vez) agem de conformidade com o complexo. Basta um porreta americano
qualquer fazer uma classifica��o econ�mica do Brasil negativa para
esquecermos que isto � regido pelos interesses e crit�rios dele, as bolsas
ficarem nervos�ssimas, os comentaristas financeiros alarmados e o Governo cada
vez mais disposto a se comportar bem, ou seja, de acordo com o que l� de fora
querem que fa�amos. Do contr�rio, afundaremos em abismo perp�tuo e talvez at�
acabemos como na��o, transformados num bando de miser�veis definitivos, o
buraco negro de Calcut� da Humanidade. Temos de nos enquadrar, ou as conseq��ncias
ser�o apocal�pticas.
Temos de nos enquadrar p.
nenhuma, a verdade � completamente oposta. Quem precisa de n�s � o grande
capital internacional e n�o n�s dele, primordialmente. A economia brasileira,
cujo controle fazemos tudo para entregar de m�o beijada ou at� pagando,
representa mais de 40% daquela da Am�rica Latina toda, inclusive o M�xico.
Estou chutando um pouco, mas creio que a economia da Am�rica Central inteira
cabe no bolsinho pequeno da grande S�o Paulo, num bairro talvez. O Brasil n�o
s� n�o vai quebrar (pode apenas tomar sustos intencionalmente pregados, para
que cedamos a interesses imediatistas ou epis�dicos, o que � normalmente o
caso), como n�o pode quebrar e n�o deixar�o jamais que quebre, � tudo careta
para assustar complexado. Se quebrar, para come�ar o resto da Am�rica Latina
vai para a cucuia em coisa de dez a quinze minutos. E v�o para a cucuia
investimentos internacionais de arregalar os olhos de qualquer brasileiro, pois
todo mundo, menos brasileiro, investe cada vez mais aqui. Tudo besteira, essa
empulha��o que nos enfiam goela abaixo para obter vantagens descabidas, quando
n�s somos - surpresa - at� um dos maiores mercados de cosm�ticos, eletrodom�sticos
e comunica��es do mundo. Ali�s, somos um dos mercados mais importantes do
mundo e ponto final. Sexta ou s�tima popula��o do mundo tamb�m, com todo o
potencial em cima. Ningu�m nos pode ignorar, sob pena de quebrar a cara.
"Eles" sabem disso, mas n�o lhes interessa que saibamos, e mantemos o
p�ssimo h�bito de prestar aten��o no que eles falam, n�o no que fazem. S�
quem n�o sabe somos n�s, a come�ar pelo Governo. Ningu�m nos faria favor
nenhum em nos paparicar e o complexo tem que, finalmente, acabar. De minha
parte, como imagino que da sua, quero ser paparicado bastante e, quando der,
acredito tamb�m que prefiramos nossa parte em dinheiro.
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