|
Heloisa Seixas
As pedras na praia do Arpoador tinham desaparecido, mais uma vez. As areias
tamb�m. E igualmente o sol. A paisagem n�o era mais aquela velha conhecida: j�
n�o havia a beleza do mar transparente, deixando entrever as pedras e sua verdura
submarina, nem a espuma rosada quebrando mansa na praia. Agora, era s� vento e
frio � e f�ria.
Empurradas pelo sopro sudoeste, as vagas erguiam-se como cabe�as de v�boras, atirando-se
em sucessivos botes contra a amurada. Dava para sentir o ch�o estremecer.
-- Parece um terremoto -- disse algu�m.
As pessoas, escondidas atr�s dos quiosques, encolhidas em seus agasalhos de
n�ilon, apreciavam o espet�culo da ressaca. Havia nos semblantes um misto de
excita��o e medo. A cada onda que explodia como o jorro de um g�iser, os
borrifos d��gua impregnavam o ar, encharcando roupas e cabelos. Mas ningu�m ia
embora.
De repente, alguma coisa inchou no seio do
mar. L� fora, para al�m da ponta do Arpoador, formou-se uma onda gigantesca,
fechada em si mesma, parecendo a corcova de um monstro submarino, que afinal se
ergueu, mostrando os dentes de espuma amarelada. E a massa colossal atirou-se
contra a amurada com enorme estrondo.
Foi tudo muito r�pido.
O troar das ondas confundiu-se com o ru�do de
cimento e pedra sendo rasgados, desfeitos, criando o som de centenas de
trov�es, enquanto na cal�ada larga as pedras portuguesas pareciam prestes a
saltar do ch�o, tal a trepida��o. Os corrim�es de madeira da rampa de acesso �
praia ainda se agitaram por um instante acima da superf�cie, como num �ltimo
aceno, antes de serem tragados pelo mar furioso. E junto com eles a pr�pria
rampa.
Em poucos segundos, tudo tinha desaparecido na
boca do monstro.
As pessoas, assustadas, dispararam em dire��o � rua, mas sem tirar os olhos do
mar. Hipnotizadas ante tamanho poder, n�o conseguiam dizer nada.
At� que um rapaz, muito jovem, falou:
-- Nunca vi uma ressaca assim.
E um velho, com m�os de pescador, que estivera todo o tempo espiando de longe,
cauteloso, concordou:
-- Jogaram tanta imund�cie que o mar decidiu se vingar.
|