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Heloisa Seixas
Eu estava na praia quando caiu o temporal. Era
um meio de tarde, n�o mais de quatro horas, e lembro-me de que estava deitada
de frente para o mar do Leblon, lendo. De repente, senti uma chicotada nas
costas. A areia me fustigou com tal viol�ncia que a revista me foi arrancada
das m�os. Tapei os olhos, esperando que a ventania passasse. Mas n�o passou.
Depois de me levantar com dificuldade, enquanto o vento me empurrava em dire��o
ao mar, recolhi minhas coisas como pude e virei-me em dire��o � rua �
justamente de onde vinha o vento. Enfrentei-o, caminhando quase agachada e
ouvindo a algazarra dos banhistas que, sem exce��o, corriam para se abrigar.
Num brev�ssimo
intervalo entre duas lufadas, olhei para cima. O c�u, por tr�s dos pr�dios, era
de um negro profundo, parecia sa�do de um filme de fic��o cient�fica. Um raio e
um trov�o simult�neos me fizeram baixar a vista e apertar o passo.
N�o tinha ainda
alcan�ado o outro lado da Delfim Moreira quando a chuva caiu. Uma chuva
desalmada, de instintos assassinos, que me ensopou em segundos.
Corri para uma das
ruas transversais, procurando abrigo. A rua estava deserta, ningu�m � vista.
Nem qualquer lugar que pudesse me servir de ref�gio. No Rio, os pr�dios se
cercaram todos de grades de ferro e suas marquises ficaram para al�m das lan�as
pontiagudas, em territ�rio proibido. J� n�o servem a ningu�m em dia de chuva.
Eu estava a poucos
quarteir�es de casa, mas �gua e vento me batiam com tamanha viol�ncia que eu
mal podia caminhar. N�o havia alternativa a n�o ser parar em algum lugar e
esperar passar a tormenta. Lembrei-me, ent�o, do pequeno largo, um recuo, do
lado direito da rua, que imaginei abrigado, sen�o da chuva, pelo menos da for�a
do vento. Ainda com dificuldade e sentindo a �gua me a�oitar as costas nuas,
caminhei at� l�.
O largo, cercado de pr�dios
baixos e amendoeiras, me acolheu. De fato, ali ventava menos. Tremendo de frio
e susto, esperei que a chuva passasse, encostada ao muro de um pr�dio antigo,
cujas pedras ainda emanavam o calor da tarde. Abra�ada � minha bolsa de lona,
t�o molhada quanto eu, fiquei ali, pensando em toda sorte de hist�rias sobre
raios fulminantes.
Foram
muitos minutos at� que a tormenta recuasse. Mas, quando isso aconteceu, foi
como se o mundo emergisse de uma paix�o avassaladora e respirasse, salvo.
Fechei os olhos.
E foi ent�o que o cheiro das amendoeiras me invadiu.
Um cheiro �cido, verde, �mido � a alma das �rvores delas se desprendendo, leve e
lavada. Um aroma que a chuva acentuara, sem d�vida, mas que eu reconheci porque
j� o sentira antes, muitas vezes, sem que disso me desse conta. Agora ele
estava apenas mais forte, mas a verdade � que sempre estivera l�. O cheiro das
amendoeiras.
� esse o perfume do Rio.
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