NOVIDADES, PARA VARIAR

Jo�o Ubaldo Ribeiro

Sim, a vontade � continuar falando na guerra, mas, como tudo mais hoje em dia, a guerra est� sendo consumida e logo ficar� fora de moda. Sabe-se que ela, como previam os que n�o acreditam tanto assim em Rambo, vem durando bem mais do que se antecipava e o presidente Bush j� pediu refor�o de caixa ao Congresso, para continuar a brincar de comandante-em-chefe, como sonhou, talvez, desde a mais tenra inf�ncia. Durar tanto � um grave erro da guerra, porque daqui a pouco ningu�m mais estar� interessado nela e, se os combates prosseguirem al�m disso umas semanas, o m�ximo que se pode esperar em mat�ria de rea��o ser�o pedidos para mudar de assunto e se��es num obscuro caderno dos jornais com o �dia-a-dia da guerra�, composto de notinhas entediadas sobre quantas centenas morreram ontem e quantas devem morrer hoje.

Como se diz freq�entemente, a gente se acostuma a tudo e nos acostumaremos � guerra. Minha opini�o, j� exposta aqui, � que essa guerra n�o vai acabar nunca, pelo menos no futuro previs�vel e, assim, nos habituaremos a ler sobre como os turcos agora querem exterminar os curdos de vez e v�o brigar com os americanos, os sunitas v�o brigar com os xiitas e, enfim, todo mundo vai brigar com todo mundo naquela �rea onde notoriamente n�o impera o amor ao pr�ximo (onde impera, por sinal?). A paz que os �aliados� acham que v�o estabelecer depois de vencerem a batalha de Bagd� n�o vingar� nem no Iraque, nem no Oriente M�dio, nem na �frica, nem na �sia, nem em lugar nenhum, pensando bem. E o terrorismo, Deus nos ajude, provavelmente prosseguir� apavorando a todos e fazendo com que se negociem liberdades e direitos individuais por um pouco de prec�ria seguran�a. Alegam que os americanos est�o tomando medidas fant�sticas pela seguran�a, � pol�cia, guarda nacional, FBI, CIA e for�as armadas em tudo quanto � canto, esquecendo-se que esquemas desse tipo s�o car�ssimos e vai ter que haver um inevit�vel relaxamento um dia destes, com conseq��ncias poss�veis que ningu�m, a n�o ser os pr�prios terroristas, gostaria de ver.

Mas tudo isso � velhidade, e as velhidades s�o consumidas com grande rapidez, tanto assim que a palavra m�gica em propaganda comercial � �novo�. Minha gera��o, por exemplo, j� deve ter visto algumas d�zias de novos sab�es em p� de mesma marca, novos sabonetes, pastas de dentes, macarr�o e tudo mais que se possa imaginar. At� as pessoas provocam cansa�o e a durabilidade, por exemplo, de artistas de cinema e TV em breve ser� de uns poucos dias, talvez nem os quinze minutos j� proverbiais do Warhol. N�o � o povo que tem mem�ria curta, � a informa��o nova que n�o deixa ningu�m lembrar nada e, desta maneira, por exemplo, at� mesmo os esc�ndalos que merecem investiga��o, com a puni��o dos culpados, s�o esquecidos pela m�dia noticiosa, porque j� n�o vendem jornais ou atraem audi�ncia. Precisamos de novas fraudes, novos crimes, novas atrocidades, novas doen�as, novas mulheres peladas, novo tudo. Velho, dentro em breve, ser� tudo o que durar de um dia para o outro.

Portanto, cabe ao zeloso jornalista satisfazer seu p�blico e levar em conta o fastio com que a gentil leitora e o am�vel leitor dominical abrir�o o jornal este domingo e perguntar�o enfarados se, j� que o assunto � guerra, n�o haver� outra guerra em outro lugar que n�o seja o Iraque, afinal a paci�ncia de todo mundo tem limite. Sim, chega de guerra no Iraque. Passemos, por exemplo, ao progresso da ci�ncia, pois o progresso da ci�ncia persevera, guerra ou n�o guerra, em frentes �s vezes insuspeitadas. E tenho certeza de que pelo menos uma not�cia que vou dar aqui ser� novidade para muitos leitores.

A novidade � que, do fim deste m�s para o come�o de abril, teremos no Brasil, n�o sei por que em Belo Horizonte, a III Confer�ncia Mundial da Urinoterapia. Podemos n�o sediar os Jogos Ol�mpicos, mas sediaremos a III Confer�ncia de Urinoterapia. Como, minha cara senhora, meu prezado amigo, � uma jornada para tratar de males do trato urin�rio e afins? N�o, n�o, nada disso, � para aprimorar a �rea do conhecimento m�dico que prescreve a urina como rem�dio para in�meros males. Quem diz n�o sou eu, � claro, pois n�o digo nada de medicina, na minha condi��o de leigo, mas o material de propaganda do conclave, que reunir� diversas autoridades renomadas no assunto. Por exemplo, um copo de xixi (sic) ainda, digamos, quentinho, ingerido antes do parto, propicia uma excelente �d�livrance�, muito melhor do que qualquer t�cnica moderna. Ali�s, segundo leio aqui, o xixi � uma panac�ia da melhor qualidade e bobo ser� quem n�o tomar seu copinho em jejum todo dia.

Mas isso pode n�o satisfazer a �nsia por novidades. Afinal, sem querer ser indiscreto, posso at� supor que diversos leitores ou amigos de leitores j� praticam a urinoterapia com a indispens�vel privacidade e estou, portanto, com perd�o da irredim�vel quase-met�fora, chovendo no molhado. Passemos ent�o a novidade mais empolgante. Sim, sim, algo mais �action-packed�, como conv�m aos f�s dos Estados Unidos e de suas ind�strias cinematogr�fica e b�lica, que s�o mais ou menos a mesma coisa. Podemos abordar o receio, cada vez mais presente em pronunciamentos de autoridades e semelhantes, de que o Brasil vire rapidamente uma Col�mbia. Estar� virando? � assunto digno de uma conversa, � novidade? Tudo indica que, por enquanto, �. Ainda n�o viramos uma Col�mbia, mas j� se matam ju�zes e, por conseguinte, sem correr o risco de entediar leitores ou interlocutores, podemos abordar o assunto. Viraremos ou n�o uma Col�mbia? J� viramos? Poderemos sair � rua sem o risco de sermos seq�estrados por 100 ou 200 reais de resgate? Este assunto satisfaz? Deve satisfazer, at� surgirem guerrilhas e as guerrilhas durarem tanto que ningu�m suporte mais. Mas a� aparece uma moda nova e, com ela, novo assunto. Nenhum motivo para preocupa��o, o espet�culo � que n�o pode parar.

O GLOBO - 30 de mar�o de 2003

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06-jun-2008