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Um rep�rter me telefona,
eu ainda meio tonto de sono, para saber se eu achava melhor que o Distrito
Federal fosse incorporado ao Estado do Rio, consideradas todas as raz�es
�bvias, ou se preferia sua transforma��o no novo Estado
da Guanabara. Sem hesita��o optei pela segunda alternativa,
n�o s� porque me parece que o Distrito Federal constitui
uma unidade muito peculiar dentro da Federa��o, como porque
vai ser muito dif�cil a um carioca dizer que � fluminense,
sem que isso importe em qualquer desdouro para com o simp�tico estado
lim�trofe. O neg�cio � mesmo chamar o Distrito Federal
de Estado da Guanabara, que n�o � um mau nome, e dar-lhe
como capital o Rio de Janeiro, continuando os seus filhos a se chamarem
cariocas. Imaginem s� chegarem para a pessoa e perguntarem de onde
ela �, o ela ter de dizer: "Sou guanabarino, ou guanabarense"...
N�o � de morte? Um carioca que se preza nunca vai abdicar
de sua cidadania. Ningu�m � carioca em v�o. Um carioca
� um carioca. Ele n�o pode ser nem um pernambucano, nem um
mineiro, nem um paulista, nem um baiano, nem um amazonense, nem um ga�cho.
Enquanto que, inversamente, qualquer uma dessas cidadanias, sem diminui��o
de capacidade, pode transformar-se tamb�m em carioca; pois a verdade
� que ser carioca � antes de mais nada um estado de esp�rito.
Eu tenho visto muito homem do Norte, Centro e Sul do pa�s acordar
de repente carioca, porque se deixou envolver pelo clima da cidade e quando
foi ver... kaput! A� n�o h� mais nada a fazer. Quando
o sujeito d� por si est� torcendo pelo Botafogo, est�
batendo samba em mesa de bar, est� se arriscando no lota��o
a um deslocamento de retina em cima de N�lson Rodrigues, Ant�nio
Maria, Rubem Braga ou Stanislaw Ponte Preta, est� trabalhando em
TV, est� sintonizando para Elizete.
Pois ser carioca, mais que ter nascido no Rio, � ter aderido � cidade e s� se
sentir completamente em casa, em meio � sua ador�vel desorganiza��o.
Ser carioca � n�o gostar de levantar cedo, mesmo tendo obrigatoriamente
de faz�-lo; � amar a noite acima de todas as coisas, porque
s� a noite induz ao bate-papo �gil e descont�nuo; � trabalhar
com um ar de �cio, com um olho no of�cio e outro no telefone,
de onde sempre pode surgir um programa; � ter como �nico
programa o n�o t�-lo; � estar mais feliz de caixa baixa
do que alta; � dar mais import�ncia ao amor que ao dinheiro.
Ser carioca � ser Di Cavalcanti.
Que outra criatura no mundo acorda para a labuta di�ria como um carioca? At� que a m�e,
a irm�, a empregada ou o amigo o tirem do seu pl�mbeo letargo,
tr�s edif�cios s�o erguidos em S�o Paulo. Depois
ele senta-se na cama e co�a-se por um quarto de hora, a considerar
com o maior nojo a perspectiva de mais um dia de trabalho; feito o qu�,
escova furiosamente os dentes e toma a sua divina chuveirada.
Ah, essa chuveirada! Pode-se dizer que constitui um ritual sagrado no seu cotidiano e faz do carioca
um dos seres mais limpos da cria��o. Praticada de comum com
uma quantidade de sab�o suficiente para apagar uma mancha mong�lica,
tremendos pigarreios, palavr�es hom�ricos, trechos de samba
e abundante perda de cabelo, essa chuveirada -- institui��o
carioqu�ssima restitui-lhe a sua euforia t�pica e inexplic�vel:
pois poucos cidad�os poder�o ser mais marretados pela cidade
a que ama acima de tudo. Em seguida, metido em sua beca de estilo, que
o torna reconhec�vel por um outro carioca em qualquer parte do mundo
(n�o importa qu�o bom ou med�ocre o alfaiate, de vez
que se trata de uma misteriosa associa��o do homem com a
roupa que o veste), penteia ele longamente o cabelo, com gomina, brilhantina
ou o t�nico mais em voga (pois tem sempre a cisma de que est�
ficando careca) e, integrado no metabolismo de sua cidade, vai a vida,
seja para o trabalho, seja para a flana��o em que tanto se compraz.
Pode-se l� chamar um cara assim de guanabarino? |