Passeio pelo Centro do Rio. Sento-me, menos cansado que contemplativo, num banco do Campo de Santana. Árvores frondosas, os ficus centenários, dão-me sombra acolhedora. Meu olhar infantil volta agora, quando contemplo as cotias, animaizinhos cotós e simpáticos, que andam pelo gramado sem ligar para os transeuntes.
Daqui posso ver o sobrado onde morou Deodoro da Fonseca, casarão bonito e alheio às vicissitudes históricas, reavivadas quando se olha, do outro lado, o prédio do Ministério do Exército, com sua estrutura que parece refletir uma rigidez castrense.
De repente, pássaros pousam perto deste banco, onde descanso e acalento lembranças. Vieram lá de cima os passarinhos: estavam pousados até há pouco no relógio da Central, imenso farol de marcação do tempo, um tique-taque ampliado e incapaz de impor um compasso rígido ao ritmo malemolente do Rio.
A sirene estridente me obriga a voltar o olhar para os lados do Hospital Souza Aguiar. Impossível evitar um travo de amargor ao pensar no sofrimento encerrado naquelas paredes; igualmente impossível deixar de apostar na esperança, sintonizando-me com a luta heróica do pessoal médico, salvando vidas apesar das precaríssimas condições dos hospitais públicos.
Meus passos vagabundos me levam à Biblioteca Estadual, com suas linhas arrojadas. É como se o concreto moldado moldasse também os anseios de tantos que apostam no estudo, ou de muitos que simplesmente mergulham na maravilhosa aventura de ler.
Saio. Para um lado, a grande avenida pode me levar até a Praça Onze, saudoso reduto de bambas e berço da primeira escola de samba. Ali perto, o Sambódromo vazio é a presença inequívoca da transformação dos autênticos e intuitivos desfiles das antigas agremiações na festa de gala majestática, imponente, feita menos para o coração sambista que para o olho das câmeras de TV.
Indo para o outro lado, posso seguir até a Candelária. O templo imponente, lugar da fé e do desprendimento apela à salvação da alma, enquanto convive harmoniosamente com bancos e grande empresas que o cercam, lugares em que a ganância e a especulação buscam a salvação... do bolso.
A Estação da Central despeja povo na cidade: migração cotidiana, monótona e exaustiva, que traz gente do dormitório por vezes desconfortável aos locais da exploração do trabalho.
Os que passam são qualquer um; vejo-me neles também. Nos rostos vejo meu cansaço mas também minha esperança; sonhos e desilusões; dúvidas perenes e certezas provisórias. O Centro é um sorvedouro que os absorve, retém pelas horas do dia e regurgita no início da noite. Nessa hora, corpos moídos vão repousar em cochilos intranqüilos até chegarem ao subúrbio distante.
Paro na esquina de Rio Branco com Presidente Vargas. Centro do Centro. Sol radiante, canícula inclemente. Barulho ensurdecedor, rompendo tímpanos enquanto rompe as barreiras de todos os decibéis. Não há muito o que pensar, senão que se está vivo. E viva, trepidante, ativa e bela está a cidade no Centro - que é seu agitado mas também amorosamente compassado coração.
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