Prezado Papai Noel:
Sou uma alma carioca. E, como todo mundo - crianças e adultos – desejo
fazer ao senhor meus pedidos de presentes. Por isto, lhe mando esta
cartinha.
Como alma carioca, sou alegre, e faço do bom-humor a da descontração
meu modo de viver. Onde está a alegria de minha cidade, Papai Noel?
Gostaria de tê-la de volta, garantindo aquele clima de eterna satisfação
que tínhamos aqui e que contagiava todos os que vinham visitar a Cidade
Maravilhosa.
Faz parte da alma carioca, Papai Noel, a
beleza estonteante da nossa cidade, considerada quase com unanimidade a
mais linda do mundo. Nossos verdes estão cedendo lugar ao cinza desumano
da voracidade imposta pela especulação imobiliária, que aterra as
lagoas, que devasta a vegetação, que derruba árvores centenárias.
Espigões horrorosos, painéis e placas de péssimo gosto enfeiam nossa
paisagem e dificultam nossa visão da maravilha que é o encontro de céu,
mar e montanha. Além, disso, meu caro e bom velhinho, as construções
irregulares - motivadas quase sempre pela necessidade dos pobres a quem não
resta alternativa senão a construção de barracos encarapitados nos
morros - se espalham de forma alarmante, ampliando o eterno problema das
favelas.
Ah, Papai Noel, o senhor sabe que não há coisa melhor do que curtir
nossas praias, que nos oferecem a combinação irresistível de mar,
areia, sol e mulheres e homens bonitos. Elas sempre nos proporcionaram o
lazer mais democrático oferecido em quilômetros e quilômetros de um
palco dourado pelo sol e beijado pelas ondas. A poluição das águas e o
inferno da violência deixam qualquer alma carioca sobressaltada onde
antes só havia a cervejinha, o vôlei, o surfe, o bronzeado e a “azaração”.
Como toda alma carioca, Papai Noel, sou
um amante da liberdade, inclusive da liberdade de ir e vir. Mas como ir e
vir, bom velhinho, num trânsito caótico como esse, onde milhares de
automóveis tomam de assalto até as calçadas e praças? Antigamente, as
idas para o trabalho e a volta para casa eram um grande passeio, desde os
tempos do bonde. Mover-se pela cidade era ver milhares de cartões
postais com paisagens e construções que nos permitiam esquecer os
deveres e as preocupações. Hoje, isso significa a condenação ao
engarrafamento, além do medo dos assaltos, que faz de cada carro uma
prisão que se move, com gente amedrontada dentro, olhando a cidade através
das películas escuras de proteção. Isto sem pensar na afronta dos
“flanelinhas”, que contribuem para que os cariocas renunciem ao
antigo prazer de sair de casa, conjugado em nossa Cidade Maravilhosa por
um amor imenso pelas atividades culturais.
Nossas esquinas e praças, Papai Noel, sempre foram lugares de lazer e
gentileza. Nos dias que correm, são vitrines para exibição da pobreza
mais lamentável. Impossível passar por elas sem que a alma carioca se
entristeça, sobretudo com a visão de crianças e velhos que tentam a
sobrevivência como pedintes, muitas vezes agora disfarçada de
malabarismo, ou expressa na forma mais ostensiva dos que penduram balas
nos espelhos retrovisores ou limpam pára-brisas à força.
Sou uma alma carioca que tem medo de
ficar doente, caro e saudável bom velhinho. Antes, nossos hospitais,
especialmente os públicos, eram referência de bom atendimento. Agora,
entupidos de pacientes, com profissionais mal pagos – que não obstante
fazem das tripas coração para salvar vidas -, com equipamentos
obsoletos e sucateados, com falta de material e tudo o mais, nossos
hospitais são tristes exemplos de como se pode sofrer mais do que o
necessário e com menos esperança.
Ah, meu caro Papai Noel, é tanta coisa para pedir que esta carta ficaria
imensa, além de amarga. Mais emprego, segurança, limpeza, atenção
para com os portadores de deficiências, mais e melhores escolas públicas,
mais praças, a volta dos bons cinemas de bairros, o retorno do carnaval
de rua, autêntico e espontâneo... Tudo isto e muito mais, meu bom
velhinho.
Mas não pense que esta alma carioca vai
cair na depressão, na revolta ou virar uma alma penada que choraminga. Não.
De jeito nenhum. Apesar das mentiras, das promessas vãs e das
roubalheiras dos políticos, ainda estamos na melhor cidade do mundo.
Apesar de tudo, o sol brilha aqui como em nenhum lugar; o pôr-do-sol tem
uma vermelhidão incomparável; as cervejinhas e o chope continuam
estupidamente gelados; as mulheres de corpo dourado e curvas inigualáveis
e os jovens esculpidos pela malhação continuam fazendo de nossa cidade
o lugar da gente mais bonita do mundo.
Apesar de tudo, a alma carioca continua
alegre; o samba continua agitando os fundos de quintais; shoppings
e ruas de comércio continuam como passarelas em que vale a pena
desfilar; o Maracanã permanece como um templo inigualável do futebol.
Por favor, Papai Noel, quero isso tudo de volta. Sei que é difícil, mas
tente atender estes meus pedidos. E quando sobrevoar nossa cidade em seu
trenó de sonho, puxado pelas renas da esperança veja se eu não tenho
razão de me orgulhar de ser, para sempre, uma alma carioca.
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