Cassinos e jogadores atraem, fascinam. Têm
sido tema tanto de livros geniais, como “O jogador”, de Dostoievski,
quanto de excelentes, medíocres ou péssimos filmes. O glamour, a ânsia
de ganhar, o jogo como perdição e o próprio ambiente dos cassinos
exercem uma atração incrível. Haja vista, por exemplo, os turistas que
o ano inteiro entopem Las Vegas – aquele falso oásis de questionável
felicidade, cheio de miragens em que as moedas de ouro tilintam diante de
jogadores que apostam fortunas ou caraminguás.
Pois bem, a muitos atrai também o
cassino que existe no navio.
Embora modestíssimo, na comparação
com seus congêneres em terra firme, o cassino à bordo também tem lá
seu charme e quase uma aura de mistério, criada, imagino, por ficar ali,
à mão, no mesmo corredor por onde se vai a dois dos restaurantes e
bares. Todos – velhos, jovens, crianças – transitam diante daquelas
portas nas quais cartazes bem visíveis avisam que aos menores é
proibido o jogo, ou anunciando que o cassino só funciona com o navio em
movimento.Há máquina caça-níqueis posicionadas estrategicamente no
corredor que leva ao cassino. Vistosas, construídas em plástico negro,
vidro e metal, exibem seu display colorido, onde piscam luzes e de onde
saem sons, atraindo a atenção de todos, mesmo os não ligados em jogos,
como é o meu caso.
Essas máquinas prometem aos
aficcionados o momento tão esperado, quando uma combinação mágica se
estabelece, as luzes piscam nervosamente e, finalmente, sobrevém o
barulho das centenas de fichas caindo num reservatório de metal. Isso
tudo indica que um jogador ou jogadora sortudos conseguiram acertar as
combinações e terão direito a um grande prêmio.
Não vi no navio um momento desses. Mas
ouvi dizer que uma senhora ganhara o equivalente a uns 1200 dólares. Foi
o bastante para que as conversas no corredor e à entrada do cassino
girassem em torno do assunto, dizendo-se, por exemplo, que a premiada
tivera sua viagem paga pela infernal maquininha.
No interior do cassino existe uma superfície
para onde convergem todos os olhares: o famoso “pano verde”.
Acerquei-me da mesa de “Black Jack”.
Uma crupier, jovem pequenina, moreninha, mostrava sua incrível
habilidade, com as cartas dançando por entre seus dedos longos de unhas
aparadas. E demonstrava também agilidade com aquela espátula capaz de
virar e desvirar com extrema rapidez as cartas. Ouros, copas, paus e
espadas exibiam-se contra o fundo verde escuro, como símbolos de uma
riqueza acessível, imediata e praticamente certa, pelo menos na esperança
dos jogadores.
Concentrei-me nos rostos dos que
jogavam. Tiques nervosos, tamborilar de dedos, mãos trêmulas
denunciavam o nervosismo, a expectativa, a angústia e a decepção. Os
raros sorrisos mais pareciam esgares correspondentes a frustrações mal
disfarçadas.
Ao lado, outra mesa atraía a atenção,
aliás de longe despertada pelo tec-tec-tec-tec-tec característico da
bolinha se chocando contra as reentrâncias da roda mágica chamada
roleta. Também aí mais nervosismo, expectativa, olhos atentos, mãos e
corações inquietos.
Vendo o movimento perfeito, regular e
preciso da roleta, veio-me a indagação: como é que pode acontecer isso
se o navio está se movendo e, algumas vezes, embora de forma bem suave,
a gente sente bem os balanços? Haverá um giroscópio para a roleta? Não
perguntei e acabei ficando sem saber.
Uma figura um tanto estranha – mulher
magérrima, com a boa forma enfiada num vestido justíssimo e o rosto de
maçãs salientes, onde era ressaltada uma boca em batom vermelhão em
meio a muita maquiagem – cruzava a todo o momento o salão, parando nas
mesas de jogo e nas máquinas caça-níqueis. Agia como uma espécie de
anjo da guarda dos jogadores, explicando a forma de jogar e esclarecendo
dúvidas.
Fiquei sabendo depois que essa mulher é
russa. Pus-me a pensar como é que ela teria deixado as estepes cobertas
de neve para vir até aqui, neste cruzeiro em águas tropicais. E deixei
minha imaginação literária voar, inventando histórias rocambolescas
para essa estranha figura, atribuindo-lhe, coerentemente, uma frieza de
pedra num coração gelado e necessário para garantir o lucro dessa casa
flutuante de jogo.
Num dos cantos do pequeno cassino, dois
homens metidos em ternos impecáveis traíam sua condição de seguranças,
mostrada nos olhos atentos, constantemente voltando-se para a porta e
esquadrinhando o salão de jogo.
Bem, seguranças para quê, se estamos
todos aqui, confinados neste navegante hotel de luxo? Porém, se não
houvesse isso, não se completaria o clima misterioso que esperamos
cercar todos os cassinos.
Noutro canto, estrategicamente situado
ao lado da porta, o guichê onde as fichas são compradas e os prêmios
pagos. Passei por perto, pensei, pensei, pensei e cheguei à sensata
conclusão de que preferia manter-me ao largo desse lugar de tentação.
Mas com isso sei que renunciei à emoção, ao gosto pelo perigo, às
possibilidades de saborear a vitória... Paciência.
Fui saindo, enquanto as cartas
continuavam sendo manipuladas com destreza sobre o pano verde, as
bolinhas da roleta seguiam produzindo seu ruído característico e, no
corredor, as máquinas caça-níqueis seguiam com suas cadeiras
completamente tomadas, diante de ávidos apertadores de botões.
Peço-lhes, caros leitores, que não se
deixem influenciar por este cético, que não crê na sorte nem no azar.
Vale a pena visitar o cassino do navio.
E, quem sabe, arriscar uma apostazinha.
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