Alma Carioca

Navegando (IV)

J.Carino

Nos aviões, a gente já se acostumou. Antes da decolagem, uma aeromoça, com seu coquezinho no cabelo, uniforme impecável, fala automática e gestos graciosos, diz:

- Senhores passageiros, esta aeronave possui três saídas, localizadas no fundo, no meio do corredor e na parte da frente. Em caso de despressurização, máscaras cairão...

Depois de simular as tais máscaras caindo, ela prossegue imperturbável, ignorando os olhos esbugalhados de alguns, as mãos suarentas de outros e o ar blasé dos passageiros velhos de guerra.

Essa cena é infalível porque obrigatória. Trata-se de uma exigência das normas internacionais de segurança de vôo.

Nos cruzeiros marítimos, as normas de segurança também se impõem. Só que a coisa é bem diferente, e mais divertida.

Antes da partida, realiza-se um simulado de incêndio. Esse exercício é bem divulgado, inclusive no jornalzinho de bordo. É obrigatório para todos, e mobiliza o navio inteiro.

Eu nunca vestira um salva-vidas. Em minhas travessias de barca entre o Rio e Niterói cansei de ver esses coletes, com sua cor laranja-cheguei, dormitando tranqüilos e empoeirados em prateleiras acima das cadeiras.

No navio, os coletes salva-vidas ficam nos armários, nas cabines.

No dia e hora marcados, começa o simulado. Aliás, ele começa antes, no zum-zum-zum dos comentários, na recepção, nos corredores. Muita gente deseja saber do que se trata; vários zombam, fazendo as inevitáveis piadas sobre naufrágios. O caso mais lembrado, claro: o do Titanic – na realidade e no filme.

Eu estava em calma, de espírito e estômago, depois de um farto café da manhã. Após vencer um ovo quente, um iogurte, frutas e pãezinhos com geléia, bebericava uma xícara de café com leite, enquanto olhava o movimento matinal no porto, deixando o pensamento navegar antes de mim na expectativa da viagem. De repente – não mais que de repente, como diria o poetinha -, o apito do navio soou, logo depois que uma voz estridente, vinda dos alto-falantes, anunciou que o simulado de incêndio seria realizado.

Já tinha, claro, ouvido apitos de navio. Eles têm um som único, cavo, poderoso. Sempre que os ouço, fico imaginando se não foram acionados por ordem do próprio Netuno, num convite sinistro para uma visita às profundezas...

Porém, de perto, o apito parece ainda mais poderoso e assustador. Forte, chega a provocar uma certa trepidação; todos os demais sons – vozerio, máquinas, barulho de bandejas sendo empilhadas, de xícaras que colidem no põe e apanha dos que as utilizam – são abafados.

Ao saber desse exercício, fiquei imaginando uma confusão danada. Afinal, mesmo se tratando apenas de uma simulação, sem o sal do verdadeiro pânico, não é fácil mobilizar mais de 1800 pessoas, entre passageiros e tripulantes.

Funciona assim: divididos por setores, designados por letras, previamente informados por um comunicado deixado nas cabines, todos os passageiros e a tripulação têm de se reunir nos conveses, com calma porém em tempo curto.

É divertidíssimo observar toda essa movimentação, nos corredores, pelas escadas e nos halls de elevadores.

Vestir colete salva-vidas deixa qualquer um engraçado. E, como as instruções em inglês parecem inacessíveis para a maioria, embora haja desenhos bem explicativos, tinha gente até com o colete vestido de cabeça para baixo!

Havia gente gorda que ficou imensa enfiada no colete; gente magérrima que engordou de repente com aquele casacão acolchoado; pais e mães, com seus filhos – seus coletes pareciam ter dado filhotes, os coletes de seus filhos.

Muitos não escondiam o nervosismo, apesar de ser apenas uma simulação. E os coletes, bem desconfortáveis, parecem contribuir para que as caras surjam mais afogueadas, os pescoços sufocados e  as barrigas espremidas.

Contribuindo para uma inevitável hilaridade, cada colete traz um apito. Não deu outra, evidentemente: depois de alguns momentos de tensa seriedade, ao final do exercício que deu certo, com todos reunidos nos seus respectivos locais determinados, o primeiro engraçadinho fez trilhar o seu apito.

Foi uma loucura. Os pi-pi-pis se sucederam. O navio virou um jardim-de-infância para adultos, numa algazarra que marcou o fim da tensão.

Apesar dessa engraçada orgia, numa profusão de laranjas dos coletes salva-vidas, a manhã continuou luminosamente azul, e o mar profundamente verde.

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