A visão
é sem dúvida impressionante: toneladas e toneladas de aço numa
imobilidade total, encostadas ao cais sob a forma de um imenso edifício
flutuante, com o longo e alto costado branco, onde se vêem,
enfileiradas, as janelas-escotilhas.
Quando a
gente passa junto ao cais, cruzando a cidade na mesmice do ir-e-vir
cotidiano, os navios não impressionam tanto. Mas assim, de perto, o
impacto é grande. De longe, esses transatlânticos se misturam aos
outros barcos no píer, ladeiam vasos de guerra, cargueiros lotados de
containeres, chatas, rebocadores. Até os guindastes parecem mais
imponentes. Porém, de pertinho...
Confesso
que sempre tive certa resistência a esses cruzeiros marítimos. As idéias
de um confinamento maçante, de gente, gente, gente se acotovelando em
corredores estreitos e entupindo escadas, de refeitórios lotados e de
piscinas apinhadas impediram por muito tempo que o desejo antigo de
viajar de navio se concretizasse. Mas a vontade de navegar, velejar,
remar, flutuar sobre as ondas, cruzar mares e oceanos, sempre presente em
brasileiros – herança inegável de nosso passado, onde sempre
navegaram pirogas indígenas ao lado de galeões portugueses – se
manteve firme, até que o intelecto resistente cedesse lugar ao coração
navegador.
Uma rampa
acanhada nos engana, até que atingimos a verdadeira entrada: um saguão
de pé-direito bem alto, correspondente a dois andares – eis a recepção
do luxuoso hotel flutuante.
O espocar
do flash do fotógrafo de bordo já se anuncia. Durante toda a viagem os
passageiros são flagrados em todas as situações, de todos os ângulos,
a todo momento. E, em certa hora, todos os dias, painéis se abrem num
dos corredores: lá estão centenas e centenas de fotos, vendidas caro, a
dólar, como tudo no navio. Trata-se de um dos lugares mais freqüentados
do barco. Cada passageiro leva seu narcisismo para navegar, e não
resiste a gastar bom dinheiro para trazer para casa um flagrante na
piscina, nos shows ou no coquetel do comandante.
Gentilíssima
recepcionista, falando um espanhol que já trai a Babel representada pela
tripulação, nos conduz à cabine. Nada dos corredores estreitos que
minha imaginação construíra; duas pessoas andam lado a lado sem
problema. O hall de elevadores (o navio tem três, com dois
elevadores cada um) são bem espaçosos, nada ficando a dever a prédios
de luxo.
A
cabinezinha acanhada só existiu mesmo em minha imaginação cheia de
implicância. Estamos em acomodações bem amplas para as circunstâncias.
Beliches, que nada! Aí está uma confortável cama de casal, acima da
qual uma ampla janela mostra a ponte Rio-Niterói infelizmente cinzenta
nesse dia de chuva em que saímos navegando pela Baía de Guanabara.
Pode-se
ver que os arquitetos e decoradores fazem milagres. Segundo me disseram,
todas as cabines são pelo menos como esta em que estamos, exceto pelo
fato de que algumas, as internas, um pouco mais baratas, não têm o
benefício da janela; e por outras que têm ainda o luxo de uma varanda
debruçada sobre o mar.
Um
banheiro bem compacto porém igualmente confortável, com tudo que um bom
banheiro deve ter – da ducha generosa de água quente ao secador
eficiente – completa as acomodações, bem servidas de armários e com
um frigobar bem abastecido.
Essa
caminhada até a cabine já revelou de forma bem prática o tamanhão do
navio. Os corredores são imensos, com centenas de portas de cabine cada
um. O desafio é conseguir voltar direitinho para a nossa, embora esteja
tudo muito bem sinalizado. Várias vezes trocamos o lado par pelo lado ímpar,
ou andamos em direção à proa, quando queríamos ir para a popa!
Acomodado
na cabine, não posso deixar de fazer uma comparação um tanto estapafúrdia
com os galeões antigos, em que os bravos navegadores cruzaram oceanos
bravios, em espaços exíguos, munidos de uma bússola, um sextante,
muita coragem e barris de rum, e contando com a boa vontade de Netuno
para evitar as terríveis tempestades ou as exasperantes calmarias.
Dizer,
enfaticamente, que o navio é grande talvez não impressione tanto. Porém,
alguns números podem nos deixar boquiabertos. Este nosso transatlântico,
o Grand Mistral, pesa 48.000 toneladas com o comprimento de 216 metros,
uma largura de 29 metros e a altura de 51 metros. Só o calado, que fende
as águas azuis ou verdes dos mares do mundo, tem 6 metros e 80 centímetros.
E apesar de grandão, o navio é ágil: atinge 19,5 nós. Mas para isso,
é pantagruélica sua fome de combustível: são 100 toneladas por dia!
Suavemente,
o navio desatraca, e se movimenta com lenta elegância...
Num
brinde, uma dose de uísque do frigobar vai cair bem para este marinheiro
de primeira viagem em cruzeiro pela costa brasileira.
Santos, Búzios,
Salvador, Ilhéus... aqui vamos nós.
Saúde!
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